Uísque não é água, não. E pode causar estragos
Maurício tomou umas a mais e deixou escapar planos estratégicos da empresa. Porta da rua para ele?
Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h31.
Maurício trabalha há 21 anos na subsidiária brasileira de uma grande empresa química multinacional. Há pouco menos de um ano tornou-se diretor da área de desenvolvimento de novos negócios do grupo. Sua carreira e seu comportamento sempre foram irrepreensíveis... até duas semanas atrás. Numa festa na casa de amigos, Maurício deu uma bela pisada na bola falando mais do que devia.
Numa pequena roda, durante uma conversa descontraída com alguns conhecidos, deixou escapar que estava negociando a compra de uma empresa concorrente. Acontece que havia um jornalista naquela roda. No dia seguinte a conversa era a principal notícia do caderno de economia de um grande jornal. Rebuliço total nas duas empresas. Resultado: o negócio ficou comprometido.
Maurício sempre foi discreto em relação aos assuntos do trabalho - tanto que chegou a diretor de uma área altamente estratégica para a companhia. Mas naquela noite ele exagerou no uísque. Agora seu chefe está com uma batata quente nas mãos. O que fazer com Maurício? Ele deve ser demitido, já que cometeu uma falta grave? Ou por conta do seu passado irretocável merece uma segunda chance?
O que aconteceu com Maurício deve ser considerado muito mais como um acidente de percurso do que uma falha de comportamento propriamente dito. O histórico mostra lealdade, discrição e dedicação a sua carreira - ou não teria chegado onde chegou. Provavelmente foi exposto a diversos processos de desenvolvimento gerencial e treinamentos técnicos, mas ninguém se lembrou de prepará-lo também para administrar a sua comunicação externa, fundamental para o pleno sucesso profissional. Nenhuma empresa que se diz séria deveria nomear um diretor com alta visibilidade, como Maurício, sem expô-lo a uma educação conceitual e prática sobre o processo de comunicação. Aliás, esse problema não é isolado. Situações semelhantes ocorrem no ambiente empresarial com muito mais freqüência do que se imagina. No caso de Maurício, o azar foi ter um jornalista presente, o que amplificou significativamente o vazamento da informação. Mas quantos casos semelhantes não ocorrem todos os dias em esferas de menor alcance e passam despercebidos de públicos mais amplos?
De certa forma, o erro foi muito mais da empresa do que do funcionário. Por isso, jogar fora o investimento de 21 anos em Maurício - talvez até entregando gratuitamente o seu talento para a concorrência - seria um ato emocional e inconseqüente. Ao contrário, é preciso usar essa crise, mesmo que pagando um alto preço, como um exemplo não só para Maurício mas também para todo o corpo diretivo da empresa. Esse é o momento ideal para desenvolver um programa de gerenciamento e comunicação de crise que evite futuras situações como a ocorrida.
Devido às inúmeras variáveis, áreas e profissionais envolvidos, um negócio como a compra de uma empresa por outra acaba, cedo ou tarde, chegando ao conhecimento público, seja por acidente, seja de forma proposital. Uma notícia como essa, se não tivesse sido vazada por intermédio de Maurício, chegaria à imprensa por fontes não identificadas, rumores de mercado ou jogos de interesses que muitas vezes procuram ampliar o valor dos ativos a ser vendidos, inviabilizar o negócio ou mesmo estabelecer um compromisso público do comprador em potencial. Portanto, cabe à direção da empresa desenvolver, a partir do primeiro minuto do negócio, seja ele efetivado ou não, um plano de comunicação contingencial que antecipe qualquer vazamento fora de hora da informação, procurando minimizá-la por meio de ações inteligentes e ensaiadas previamente. Se a empresa onde Maurício trabalha desenvolveu um processo semelhante, saberá administrar esta ou outras crises que venham a ocorrer.
A punição de Maurício, nesse sentido, seria injusta, pois ocorreu por ingenuidade e sem dolo. Até porque, na próxima vez, ele certamente vai tomar uma dose dupla de cautela e de água mineral, em vez de uísque, às vésperas de um novo grande negócio.
Fábio Steinberg é jornalista, administrador e presidente da Hill & Knowlton no Brasil Sem dúvida alguma, 21 anos de trabalho com comportamento e desempenho irrepreensíveis não podem ser esquecidos. Entretanto, Maurício cometeu um erro muito grave, colocando em risco toda uma estratégia da empresa.
Eu lhe daria uma segunda chance, mas o repreenderia e até o penalizaria em sua próxima avaliação de desempenho. Não o contemplaria com nenhuma remuneração adicional, como bônus, por exemplo, a que ele normalmente teria direito. Acho também que caberia uma investigação um pouco mais detalhada sobre a quantidade de bebida que Maurício costuma ingerir e com que freqüência o faz. Será que esse excesso aconteceu apenas nessa ocasião ou é algo usual? Infelizmente, o índice de alcoolismo tem aumentado muito, o que acarreta uma série de problemas para os executivos e suas companhias. Se de fato isso estivesse acontecendo comumente, eu tentaria entender os motivos e o encaminharia para um tratamento.
Deixaria também bem claro para Maurício que ele só estava recebendo toda essa consideração em função de sua conduta ter sido sempre irrepreensível. Mas que não poderia contemporizar em um segundo episódio de vazamento de informações.
Elizabeth Matos Correia é psicóloga pós-graduada pela PUC. Cursou o MBA Executivo do Coppead e atua na área de recursos humanos há mais de 10 anos. Atualmente é gerente de RH da AT&T no Brasil
Quando avaliamos a carreira de um executivo com potencial para ocupar posições seniores, não podemos nos furtar a avaliar a sua capacidade de representação. Não é incomum nos defrontarmos com problemas de atitude, postura e relacionamento social inadequado. Por outro lado, a avaliação de executivos não deve ter data marcada. É preciso fazê-la diariamente, durante o desempenho da função. Da mesma forma, o avaliado tem o direito de saber imediatamente qualquer consideração positiva ou negativa sobre sua postura.
Na análise desta situação, eu não seria apologista da "pena capital para um réu primário". Eu entendo que a organização possui também a sua parcela de responsabilidade ao ter entregue, após 21 anos de acompanhamento diário, uma responsabilidade para a qual o executivo não estava preparado ou não possuía as qualificações. Promoções ou job rotation inadequadamente conduzidos podem resultar em "desastre" ou até mesmo no encerramento prematuro de uma carreira que poderia ser de sucesso. O contato com a comunidade, o governo e a sociedade requer aptidões específicas, além de cultura geral e muita sensibilidade.
Antes de me tornar consultor, trabalhei durante 13 anos como executivo de recursos humanos em três grandes multinacionais. Uma delas, periodicamente, convidava executivos com potencial de crescimento, acompanhados de suas esposas, para um dia al mare a bordo de um sofisticado veleiro, para um passeio na Baía da Guanabara. O objetivo, além do evidente estreitamento das relações entre as famílias dos executivos, era também avaliar posturas, atitudes e eventuais excessos a que poderiam estar sujeitos em ambiente descontraído e sem pressões.
Entendo perfeitamente legítimo e necessário que a organização avalie socialmente os seus executivos em ambientes fora do trabalho (a forma não precisa ser a mesma), pois é mandatário que posições de direção incluam a capacidade de representar a organização.
Os executivos, em última análise, trabalham para remunerar os seus acionistas. E, no caso de Maurício, esses podem ter sido prejudicados pelas doses a mais de uísque e pelo vazamento de informações sigilosas. Quem responderá pelos prejuízos causados se um excelente negócio vier a ser desfeito?
Acredito que a situação de Maurício nesse contexto ficou insustentável, apesar de seus 21 anos de excelente desempenho e dedicação. O afastamento deveria ser imediato de funções que exijam representatividade, até para que sirva de exemplo aos demais executivos.
A sua permanência na organização só encontrará amparo se a decisão adotada for de cunho mais humano do que empresarial.
Antônio Carlos Martins é presidente da Perfil Consultores Executivos, empresa carioca de contratação de altos executivos
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