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Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h32.
Luiz Furlan, sócio da Sadia. Paulo Villares, presidente da companhia de investimentos Coinvest. Edson Vaz Musa, sócio majoritário da Caloi, e José Monforte, diretor da Janos Participações. O que esses executivos têm em comum? Eles são membros de um conselho de administração. Furlan é do conselho da Panamco, uma das maiores engarrafadoras de Coca-Cola do mundo, nos Estados Unidos. Villares fez parte do conselho da Alcoa, da Alpargatas e da IBM, no exterior, e hoje é membro do conselho do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Vaz Musa e Monforte dividem a mesa com os três acionistas majoritários da Natura.
Como eles, cada vez mais executivos brasileiros estão descobrindo na atividade de conselheiro uma nova forma de aprendizado. Em empresas de capital aberto, o board (a versão em inglês da palavra conselho) é uma das pontas de um conceito mais abrangente, conhecido como governança corporativa. O termo, derivado de corporate governance, surgiu nos Estados Unidos no fim dos anos 80. Trata-se de uma forma de relacionamento mais transparente entre empresas e todos os envolvidos em sua atuação. Dos acionistas, passando pela diretoria executiva e pelos conselhos de administração e fiscal -- dois dos mais importantes órgãos de governança --, aos funcionários de chão de fábrica.
"Compartilhar a vida de outra empresa é enriquecedor para qualquer profissional", afirma David Ivy, headhunter da Korn/Ferry no Brasil. Quais os benefícios diretos? A possibilidade de conviver com problemas diferentes dos encontrados em seu dia-a-dia. A chance de aumentar sua rede de contatos e de desenvolver uma abordagem diversa da que está acostumado em seu setor de negócios. Além, é claro, da visibilidade e do status de dividir a mesa com profissionais gabaritados. Ganha o profissional e ganha a empresa. Atrair gente de fora voluntariamente, em vez de contratar consultores, para compartilhar valores e ajudar na tomada de decisões, garante o aperfeiçoamento da gestão e pode se transformar em vantagem competitiva.
Governança em alta
O tema anda fervilhando nos corredores corporativos brasileiros. Com a abertura do mercado interno e a internacionalização das companhias brasileiras, captar recursos no exterior tornou-se comum. A questão é que o dinheiro vem preferencialmente para companhias que adotam a transparência como regra. Uma pesquisa realizada pela consultoria americana McKinsey neste ano mostra que investidores com ativos no país estão dispostos a pagar mais por ações de empresas brasileiras reconhecidas por suas boas práticas de governança. Dos 179 administradores de recursos pesquisados pela McKinsey no mundo, 80% se mostraram inclinados a pagar um ágio em torno de 24% por esses papéis.
Mas não é só o investidor estrangeiro que está de olho. No ano passado, a Bovespa criou um conjunto de normas de conduta -- o chamado Novo Mercado -- para diferenciar empresas com tais práticas. "Isso afetou o comportamento das ações das companhias que aderiram a esse mercado diferenciado", conta Gregorio Mancebo Rodriguez, VP da Associação Nacional dos Investidores em Mercado de Capitais (Animec). "O potencial de valorização dos papéis dessas firmas é 25% superior em relação as que preferiram não se adequar às exigências de governança da bolsa." Ou seja, se há mais retorno para o investidor, mais disponível ele se mostra em comprar ações dessas empresas. A Marcopolo, fabricante gaúcha de ônibus, tem suas ações negociadas no nível 2 de governança da Bovespa (ao todo, são três. O último leva o nome de Novo Mercado). Em setembro deste ano, captou 100 milhões de reais emitindo 30 milhões de novas ações na bolsa de valores. Dezoito por cento do dinheiro saiu do bolso de investidores estrangeiros.
Prestando contas
Mais do que transparência e ética nos processos envolvendo acionistas e executivos do topo, a governança corporativa está mudando a maneira como os profissionais de todos os níveis trabalham nessas companhias. "As fraudes contábeis nos Estados Unidos estão em parte atreladas a conselhos de administração que não estavam seriamente dispostos a realizar seu papel principal: desafiar os executivos e questionar suas práticas", explica Heinz-Peter Elstrodt, sócio da consultoria McKinsey no Brasil. Após os escândalos, o congresso americano aprovou uma legislação específica para evitar comportamentos oportunistas: a Lei Sarbanes-Oxley. O termo accountability (algo como prestação de contas) virou palavra de ordem. Inclusive para as 36 companhias brasileiras que emitem ADRs -- os papéis de empresas brasileiras negociados na bolsa de Nova York (Nyse). A Marcopolo, o Banco Itaú e a Petrobras estão entre elas. Isso significa que o trabalho de todos os seus funcionários está sob escrutínio mais rígido.
No Itaú, o tema governança e a existência de um conselho de administração -- formado por membros da família Setubal e conselheiros externos independentes que defendem os interesses dos minoritários -- já resultou, por exemplo, na existência de um código de ética. "Não adianta vendermos uma imagem para o mercado que não é praticada por nossos 40 000 funcionários todos os dias em suas relações de trabalho", justifica Geraldo Soares, superintendente de relações com os investidores do Itaú. Soares é responsável pela comunicação do banco com o mercado e os acionistas minoritários -- do brasileiro no interior do país ao fundo de pensão americano que compra ações do banco. "Recebo uma média de 12 e-mails por dia de acionistas. Independentemente do número de ações que o investidor tem, ele recebe a mesma atenção."
O banco está listado no nível 1 do Novo Mercado da Bovespa. Em maio do ano passado, reuniu 500 pessoas, entre analistas de mercado, investidores brasileiros, argentinos, europeus e americanos, e curiosos em geral, em uma reunião que durou dez horas. O objetivo era divulgar informações sobre a companhia e estabelecer um canal de comunicação aberto com os interessados (o termo disclosure, em inglês, é usado para se referir a essa transparência). Resultado? "Imediatamente após aquele encontro, tivemos uma valorização surpreendente das ações do banco", diz Soares.
Parece mesmo que os fundamentos de governança corporativa de algumas empresas brasileiras já estão bastante sólidos. Quem acredita nisso são os investidores do CalPERS -- fundo de pensão dos funcionários públicos da Califórnia, um dos maiores dos Estados Unidos. Eles elegeram o Brasil como o mercado-alvo de seus investimentos. Em sua carteira, podem ser encontradas ações do Itaú e da Petrobras. "Nos Estados Unidos, os acionistas minoritários conseguem exercer muita pressão sobre os executivos e seus resultados", explica Heloisa Bedicks, diretora do IBGC. "No Brasil, a tendência é que os fundos e consórcios que se tornaram controladores das empresas privatizadas atuem da mesma forma."
Para ensinar e aprender
Os conselhos de grandes empresas são normalmente formados por gente com vasta experiência, vide currículo dos conselheiros citados no início desta reportagem. Não é incomum encontrar executivos que já se aposentaram dedicando seu tempo a essa atividade. "Mas o perfil do conselheiro está mudando. Muitas empresas, hoje, querem gente que ainda esteja no mercado", avisa Ivy, da Korn/Ferry. O IBGC, por exemplo, mantém um banco de conselheiros onde qualquer profissional, associado ao instituto, pode se inscrever e esperar ser convidado a uma vaga. Atualmente, há 98 candidatos cadastrados no IBGC. O instituto estuda o tema no Brasil há cinco anos e vem formando pessoal para trabalhar com governança por todo o país desde 1998 (veja quadro sobre cursos). Algumas empresas também usam os serviços de headhunters para "caçar" integrantes de boards.
A rotina de um conselheiro não toma todo o tempo de um executivo. Normalmente, é possível desenvolver essa atividade de forma secundária -- e manter o foco na carreira ao mesmo tempo. As reuniões costumam ser realizadas apenas uma vez por mês, mas o conselheiro deve incluir em sua agenda a leitura de material contábil e financeiro da empresa, além de estudar assuntos que sejam pauta das assembléias de acionistas. Sentar-se à mesa de um conselho e aprender com isso não é só para executivos estrelados. Para quem ainda não tem traquejo suficiente para atuar em um conselho de grande empresa, ONGs e associações locais representam uma boa chance de se iniciar nessa tarefa -- além de exercer um papel relevante na comunidade. "O aprendizado que tenho sendo conselheiro em ONGs e em fundações é tão grande quanto numa multinacional", afirma Edson Vaz Musa, membro do conselho da Natura e de outras 14 fundações e entidades não-governamentais. "De quebra, ganho a possibilidade de exercitar a cidadania."
"Governança corporativa é como ar-condicionado. Quando tudo está funcionando, a gente mal se lembra dele. Quando ele está quebrado -- e passamos frio ou calor --, imediatamente lembramos de quanto faz falta", diz Carlos Osmar Barreto, chefe do departamento de administração da Fundação Getulio Vargas de São Paulo. A analogia simplifica a questão, mas dá uma medida da importância do assunto e de como a falta de discussão sobre ele pode prejudicar a vida de empresas e profissionais. Conselhos pouco comprometidos e empresas sem boas práticas de governança tendem a resultar em menos dinheiro entrando na companhia, gestão confusa e executivos livres para fazer besteira. Se você tiver a chance, assuma a defesa do comportamento ético e transparente. Nem que seja só pela possibilidade de aumentar a sua fatia na divisão dos lucros, já vale o esforço.