Senti na pele o que as mulheres vivem, diz funcionário em licença-familiar
Em ação ainda incomum no universo corporativo, Ricardo Santa Rita tira período remunerado de seis meses para cuidar de filha recém-nascida
Murilo Bomfim
Publicado em 9 de agosto de 2020 às 09h36.
A sociedade brasileira vive um descompasso. Ao passo que algumas injustiças relacionadas aos grupos minorizados têm vindo à tona, como as diferenças sociais entre os gêneros, ainda há muito a ser feito para a construção de uma sociedade mais justa.
Algumas organizações mais maduras no assunto começam a colocar o discurso na prática. Um exemplo é a fabricante de bebidas Diageo, empresa que foi um dos destaques da segunda edição do Guia EXAME de Diversidade.
Há cerca de um ano, a companhia abandonou a ideia de licença-maternidade, dando espaço para a licença-familiar , com duração de seis meses. A ideia é reforçar o entendimento de que pais e mães têm papéis igualmente decisivos na criação dos filhos, desconstruindo a lógica de que cuidar do bebê é uma tarefa da mãe (veja mais na entrevista abaixo).
Com pouco tempo de implementação, ainda não houve muitas oportunidades para adeptos. Em licença-familiar há cerca de 15 dias, o gerente regional Ricardo Santa Rita é um dos primeiros a aderir ao benefício, para cuidar da pequena Nina — além de sua filha mais velha, Lara, de três anos.
Ao contrário do que se pode pensar, a decisão de pausar o trabalho por seis meses foi impulsionada pela empresa e questionada por parentes próximos, que o aconselhavam a repensar a situação, já que o afastamento por um semestre poderia ser nocivo para a carreira.
“Passei na pele o que as mulheres vivem na prática”, diz Santa Rita, em entrevista à EXAME. “Tive medo. Como sair no meio de uma situação complexa como a da pandemia, por seis meses? É o medo que as mulheres devem sentir quando tiram a licença-maternidade.”
Ele conta que a licença já estava acertada antes do surto de covid-19, mas, com a chegada do novo coronavírus, ele chegou a sinalizar que entenderia caso a empresa quisesse voltar atrás. “Meu chefe disse que não, que a prioridade era a minha filha, e que eu seria suportado para usufruir do benefício, voltando apenas no final da licença.”
No nascimento de sua filha mais velha, Santa Rita trabalhava em outra empresa e teve 20 dias concedidos para acompanhar os primeiros momentos de Lara. “Fiquei feliz com os 20 dias porque, em geral, os pais só podem tirar cinco. Mas ainda foi um tempo curto. Não deu tempo de me desconectar do trabalho e, quando voltei ao escritório, já passei a viajar e me ausentar de momentos importantes da vida da minha filha.”
A ideia, agora, é a dedicação em tempo integral para as crianças e a esposa. “Eu sempre tive em mente ser este modelo de pai: dei o primeiro banho, troquei fraldas o tempo todo, participei da introdução alimentar. Mas vejo que tudo isso é muito pouco quando pensamos em equidade de gêneros. Estamos muito longe de absorver essa divisão de tarefas do cotidiano. Estes seis meses serão essenciais para que eu consiga realizar tudo o que me propus a fazer.”
“Licença-familiar ajuda a atrair e reter talentos, e tem espaço significativo no bem-estar dos funcionários”, diz diretora de relações corporativas da Diageo
Uma série de pesquisas já comprova que o estímulo à diversidade nas empresas não se justifica por bom-mocismo, mas pelo impacto destas ações no negócio. Para Daniela de Fiori, diretora de relações corporativas da Diageo, o investimento no bem-estar do funcionário também gera prosperidade na vida profissional. Ela falou sobre o tema à EXAME. Veja a entrevista:
e. Há pouco mais de um ano, vocês implementaram a licença-paternidade de 6 meses. O que motivou a implementação?
Hoje nós adotamos a licença-familiar na Diageo e não mais a licença-maternidade que já ocorria normalmente na empresa. A licença-familiar é parte do trabalho de criar uma força de trabalho plenamente inclusiva e diversa, em que barreiras para a evolução na carreira são removidas e os talentos, retidos e cultivados. Nós esperamos ajudar os funcionários a focar na construção de suas famílias ao mesmo tempo em que prosperem na vida profissional, e garantir tanto às mulheres quanto aos homens a oportunidade de cuidarem de seus filhos, independentemente de onde morem ou trabalhem.
e. De que forma a iniciativa reflete nos negócios da companhia, pensando, por exemplo, na promoção do bem-estar dos funcionários?
A política de licença familiar é apenas um dos fatores-chave para nossa ambição de Diversidade e Inclusão, além de ser uma contribuição para nossos valores. Ela ajuda a atrair e reter talentos, e tem impacto positivo significativo no engajamento e bem-estar de nossos funcionários, ao minimizar o estresse quando mudanças significativas de vida acontecem. A priorização da inclusão e diversidade não é apenas a coisa certa a se fazer, mas também é boa para o negócio: da entrega de grandes resultados comerciais ao nosso reconhecimento como “empresa empregadora de preferência”.
e. Sabemos que a sociedade ainda vê a atividade de cuidar dos filhos como algo muito mais relacionado à mãe. Isso pode trazer tabus ao homem que decidir tirar os seis meses de licença. Como lidam com o aspecto cultural dessa iniciativa?
A equidade de gênero é um dos pilares do movimento de inclusão e diversidade no qual a Diageo vem crescendo cada vez mais. A medida de licença familiar é uma forma de desconstruirmos essa visão masculina não somente entre nossos colaboradores mas como no mercado, mostrando que a criação dos filhos e o tempo dedicado à família devem ser única e exclusivamente divididos de forma igual.
e. Como ocorre o retorno do pai ao trabalho depois da licença? Existe um momento de readaptação, com flexibilidade?
O retorno de pais e mães segue no ritmo que foi combinado com o gestor de cada área, na Diageo praticamos a flexibilidade na relação de trabalho, com home office e horários flexíveis. Assim pais e mães podem ajustar o retorno de forma gradual.