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Quando a lógica chega atrasada – ou não chega

Se a lógica falha, é porque está enfrentando algo que não foi criado para ser racional

Da Redação
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Redação Exame

Publicado em 21 de dezembro de 2025 às 11h07.

Última atualização em 21 de dezembro de 2025 às 13h12.

Por Daniel Caldeira*

Recentemente percebi algo desconfortável: minhas escolhas muitas vezes não nascem de um processo racional.

Não sento, avalio alternativas, comparo cenários e, então, escolho.

Na prática, percebo que, em algum lugar em mim, aquela decisão já foi tomada e estou apenas usando minha capacidade intelectual para justificá-la.

Isso me veio depois de uma conversa com um grande amigo sobre pesquisas que mostram como nosso cérebro "já decidiu antes de nós" e vendo, ao longo de um processo de divórcio, como a visão do outro lado sobre o mesmo conjunto de fatos pode ser tão diferente – e irreconciliável.

Esses fatos me lembraram de uma piada contada por um rabino que gosto e resolvi escrever este texto.

A história é mais ou menos assim: uma mulher está convencida de que está morta e seus amigos, naturalmente, achando que ela enlouqueceu, a mandam para um psicólogo. Sendo uma pessoa racional, o tal psicólogo decide usar a lógica para provar que ela não está morta e pergunta: "Pessoas mortas sangram?". Ela pensa por um instante e responde que não.

Então o psicólogo pega uma agulha, fura o dedo dela e, claro, sai uma gota de sangue. A mulher olha e, impressionadíssima, diz: "Uau… olha só… não é que os mortos sangram!".

Apesar de ser uma piada, a história tem uma verdade dura por trás: poucas pessoas mudam de ideia quando confrontadas com a lógica, ou mesmo argumentos irrefutáveis. Quando as crenças são profundas, até a evidência contrária vira alicerce para sustentar aquela "verdade".

Muito pouca gente chega às suas crenças através da lógica. Por que, então, as abandonariam usando a lógica?

Isso vale para política, religião, hábitos autodestrutivos… e vale, talvez principalmente, para nossas grandes escolhas de vida: com quem ficamos, de quem nos separamos, o que aceitamos, o que sabotamos.

Muitos de nós, especialmente aqueles que são bons com as palavras, articulados e que nos orgulhamos de nossa capacidade intelectual – e talvez, apesar dela – nos chocamos com o fato de não conseguirmos usar nossos argumentos tão bem construídos para fazer com que os outros concordem conosco, façam melhores escolhas ou, simplesmente, mudem de ideia.

Muitas vezes nossas crenças são apenas uma maneira de conseguirmos lidar com uma realidade que não é como gostaríamos. Uma adaptação, às vezes mal feita, da realidade para que possamos nos sentir seguros, bem com nós mesmos.

Uma crença rígida não está ali para ser "verdadeira". Ela está ali para me proteger de algo com que eu não sei lidar: vergonha, rejeição, vulnerabilidade, sensação de fracasso, medo de ficar sozinho, medo de não ser suficiente.

Como tal, faz todo sentido que a lógica não funcione. Quando tentamos "tirar" a crença de alguém com argumentos, não estamos só mexendo numa ideia, mas sim em um mecanismo de sobrevivência.

É o alcoólatra que "consegue parar quando quiser".
É o traído que "não viu nada" porque ver destruiria a vida toda.
É o sujeito que diz que "não acredita em amor" depois de ter sido esmagado por uma relação.

Pode furar o dedo dessa pessoa mil vezes. Ela vai olhar para o sangue e dizer: "Tá vendo? É exatamente por isso que eu penso assim."

Se uma crença rígida é uma forma torta de se sentir seguro, a saída não é mais argumento. É mais segurança. Não é: "Deixa eu te explicar por que você está errado". É: "Deixa eu tornar suportável a realidade que você está evitando".

Quando alguém se sente realmente seguro — visto, acolhido, não atacado —, a crença defensiva perde função. A pessoa não precisa mais dela tanto quanto antes. E aí, quem sabe, a lógica finalmente tem chance de entrar.

Seria ingenuidade pensar que somos diferentes. Deixo vocês, então, com a seguinte pergunta: quais das nossas crenças e verdades não têm eco na realidade e são distorções que fazemos para vivermos com nós mesmos? Para lidarmos com a realidade? E como deveríamos endereçá-las?

*Daniel Caldeira é empresário do setor financeiro

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