Fabricio Alves Ferreira, diretor de desenvolvimento organizacional do Grupo Martins: “Existe uma relação muito forte entre as ações de gestão de pessoas e os números financeiros da empresa” (José Natal Dias / VOCÊ RH)
Da Redação
Publicado em 26 de fevereiro de 2015 às 06h00.
Última atualização em 12 de agosto de 2019 às 18h13.
São Paulo - A expressão “abraçador de árvore” ganhou força nos anos 70 quando ambientalistas e hippies mundo afora se agarravam às árvores para impedir o avanço das máquinas industriais.
Com o tempo, a atividade quase ecológica de colocar os braços em volta de um tronco foi adotada por alguns gestores de recursos humanos em treinamentos corporativos, numa tentativa de recarregar a energia dos funcionários. Não demorou muito para que a área de RH ficasse conhecida como a turma que abraça árvore, o pessoal que pensa “em gente” e não entende nada de números.
O tempo passou, a equipe de recursos humanos ficou mais criteriosa com os treinamentos, e a gestão de pessoas ganhou importância estratégica.Isso não bastou, porém, para que o RH se livrasse totalmente do estigma de abraçador de árvore. Ainda hoje, muitos administradores questionam o papel da área, zombam de seus programas e até pressionam por sua extinção.
O mais recente algoz do RH foi o guru indiano Ram Charan, que defendeu — no ano passado — a divisão do departamento de pessoas e o controle do que sobrasse por profissionais de outras áreas, já que os que ocupavam a posição de liderança ainda não tinham provado seu valor.
A queixa é sempre a mesma: o líder de RH trabalha com dados muito subjetivos, não consegue “falar a língua do ne- gócio” nem entender a estratégia corporativa. Por mais que o mundo dos negócios tenha evoluído, o RH ainda parece o patinho feio tentando mostrar sua importância na empresa.
O cenário agora, no entanto, está favorável à turma da árvore. Estudos publicados recentemente por consultorias de peso, como Boston Consulting Group, Towers Watson e EY, comprovam a ligação direta entre a capacidade da área de recursos humanos e o desempenho da organização. Se ela vai mal, o risco de os negócios derraparem é grande. Se ela vai bem, a empresa respira de forma tranquila.
Segundo Christian Orglmeister, um dos autores do relatório Creating People Advantage, da BCG, que ouviu 3 500 profissionais de RH e de outros departamentos em 101 países, as organizações que contam com um RH eficiente têm resultado econô- mico duas vezes maior do que aque- las com uma fraca gestão de pessoas.
A BCG chegou a essa conclusão de- pois de analisar a diferença entre as 100 melhores e as 100 piores empresas em desempenho financeiro (levando em conta a média da margem operacional e da variação da receita durante 2012 e 2013). Eles perceberam que aquelas com rentabilidade maior não precisavam de nenhuma ação emergencial nos dez tópicos de RH avaliados.
Em contrapartida, aquelas com pior receita apresentavam uma necessidade de melhoria não só nos dez tópicos mas também em 27 subtemas de gestão de pessoas. Nas companhias com maior receita, o líder de RH era bom em quase todos os 27 subtópicos analisados, principalmente nos que se referiam ao engajamento dos funcionários, ao ambiente e à cultura, à comunicação, à gestão de desempenho e à estratégia de recrutamento.
E ele se diferenciava do RH de baixo resultado na capacidade de internacionalização da área, no uso das mídias sociais, na gestão de talentos e nos modelos de carreira e competências. “Um RH forte tem clareza das competências que as pessoas precisam desenvolver e deixa isso claro para que elas saibam o que fazer para crescer e alcançar os próximos cargos”, diz Orglmeister.
A BCG não foi a única a traçar uma linha direta entre o desempenho da área de RH e os resultados do negócio. Os pesquisadores da Fundação Instituto de Administração (FIA), da Univer- sidade de São Paulo, ano a ano vêm cruzando a rentabilidade das melhores e maiores empresas listadas pela revista EXAME que também fazem parte do Guia VOCÊ S/A – As Melhores Empresas para Você Trabalhar com as que não foram eleitas exemplos de bom clima e gestão.
As classificadas como bons lugares para trabalhar têm uma rentabilidade 37% superior em relação às que ficaram de fora da lista, em 2014. “Nas organizações com melhores rendimentos, o RH é eficiente: atende mais colaboradores por funcionário da área, tem maior capacidade de retenção de talentos e mantém baixa rotatividade”, afirma Filipe Fonoff, consultor da FIA e res- ponsável pelos relatórios de benchmarking das Melhores Empresas para Você Trabalhar.
Para quem sempre foi cobrado por não conseguir levantar indicadores, ironicamente agora tem números de so- bra a seu favor. Abaixo, você confere os principais deles e as atitudes comuns aos RHs que conseguiram provar seu valor — e sua importância — para o negócio.
Poucas prioridades
O estudo da BCG revela que o RH das corporações rentáveis é compe- tente na hora de alocar seus recursos e de distinguir tópicos de alta e baixa prioridade. Já nas companhias de baixa performance, o RH se mostra arbitrá- rio na relação esforço investido versus importância do tema.
Para identificar as necessidades da em- presa e priorizar as ações de RH, Sergio Luiz de Toledo Piza, diretor de gente e gestão da Klabin, produtora brasileira de papéis e embalagens, costuma usar uma matriz de materialidade. O processo, comum no mundo da sustentabilidade, consiste em ouvir o que é importante para o negócio e cruzar com o que os stakeholders (funcionários, acionistas, sociedade) consideram relevante.
Com base na matriz, o executivo faz uma pes- quisa para saber se os funcionários têm as competências necessárias para atingir esses interesses. Se encontrar lacunas, investe em ações específicas para suprir a necessidade, seja por meio de treinamentos, seja por contratação externa.
Piza seguiu esse processo nos últimos dois anos e, com ele, definiu cinco prioridades para a gestão de pessoas da Klabin. Ele entende que um RH eficiente trabalha, no máximo, com qua tro ou cinco ações. Mais do que isso faz mal. “Se o RH cria muitos programas, ele perde o nexo, e ninguém na empresa entende o que ele quer com aquilo”, diz.
Olhar de longo prazo
Outra diferença do RH de alto desem penho mapeado pelos estudos é sua ca pacidade de traçar planos pensando no futuro, simulando e prevendo situações. “Os outros ainda estão falando de indi cadores passados: quanto foi a rotativi dade, quanto foi o engajamento, quanto é o quadro de colaboradores até então”, afirma Christian Orglmeister, da BCG. O RH que faz a diferença pensa, por exemplo, na força de venda que a com panhia vai precisar daqui a alguns anos. “É um RH proativo, que faz as coisas acontecer”, diz o consultor.
Esse líder de RH (em inglês, CHRO) usa o plano de carreira para assegu rar também um plano de sucessão e de liderança eficientes. Faz perguntas como “quais as competências necessá rias e quais vagas a organização terá no futuro?” e “como faço um plano de carreira para que as pessoas ocu pem essas posições?”
A maioria das organizações só se preocupa com isso depois que um cargo ficou vago — e por isso perdem eficiência (e dinheiro). Segundo a pesquisa da BCG, a cada posição de liderança em aberto, a em presa perde 1 000 dólares por semana.
Ter mais sucessores preparados inter namente é uma característica encon trada nas corporações mais rentáveis. Empresas como Vale e Rodobens eco nomizaram alguns milhões de reais ao se preocupar com os substitutos de cada cadeira. A Vale, por exemplo, preen cheu, de janeiro a novembro de 2014, 11 posições de diretoria com profissio nais que estavam previamente selecio nados para ocupar os cargos.
Ao deixar de recorrer ao mercado, ela economi zou 1,26 milhão de reais. Desde 2006, a mineradora mapeia os potenciais su cessores e avalia quem estará preparado para assumir os próximos passos num horizonte de um a cinco anos.
Já a Rodobens, que atua no varejo au tomotivo, poupou 2,5 milhões de reais, de junho de 2013 a dezembro de 2014, com 41 vagas que também foram preenchidas internamente graças ao programa de su cessão. Desde que o programa de recru tamento interno foi adotado, em agosto de 2012, 595 funcionários se movimen taram internamente, preenchendo as vagas dos que tinham sido promovidos.
Baixa rotatividade
Para que o plano de sucessão seja efi ciente é preciso assegurar que os me lhores empregados permaneçam na corporação. Nas 150 Melhores Empresas para Você Trabalhar, a taxa de rotativida de anual fica abaixo dos 30%, enquanto nas demais passa da metade. Esse é um indicador importantíssimo da eficiência do RH.
Afinal, quanto mais tempo as pessoas permanecem na companhia, mais conhecem seus valores, políticas e tarefas — e melhor as desempenham. O executivo de RH da Klabin já notou que nas fábricas onde a rotatividade é menor, a produtividade e, consequente mente, o resultado financeiro são me lhores. “Há uma correlação estatística que demonstra que, para cada ponto percentual de redução no turnover, houve um crescimento de 0,5 ponto percentual no crescimento do negócio”, diz Piza.
A conta fica melhor se você computar o custo de recrutamento e seleção. De acordo com uma análise do Hay Group, o preço para substituir um empregado varia de 0,5 a 1,5 vez seu salário. Além disso, há o risco de contratar errado — o que afeta a produtividade e reduz a in tenção da pessoa de ficar na corporação.
Para fomentar uma cultura de retenção e fazer com que suas melhores cabeças não troquem de emprego por alguns trocados a mais, o líder de RH das or- ganizações de alta rentabilidade mantém um forte relacionamento com os funcio- nários, reconhecendo as necessidades mais urgentes e fazendo considerações de longo prazo.
A diferença entre o RH que gera lucro e o RH comum é que o primeiro sabe exatamente o que engaja os empregados e, assim, consegue criar uma forte proposta de valor. “O RH diferenciado tem um modelo mental diferente, e olha os funcionários com o mesmo viés que o executivo de marke- ting olha o cliente”, diz Sandra Gioffi, especialista da área de talentos da consultoria de negócios Accenture.
Segundo estudo de outra consultoria, a Towers Watson, uma empresa com proposta de valor forte tem funcionários três vezes mais engajados e é, no mínimo, uma vez e meia mais rentável do que as demais.
Equipe de primeira
Três características marcam o RH de alto desempenho, segundo o relatório da BCG: ele se conecta com os clientes internos e externos, prioriza as ações e impacta os negócios, comprovando seu resultado com números. O líder de RH está, no entanto, longe de fazer isso sozinho.
Para alcançar esse nível, é preciso construir uma equipe capacitada. “Contar com uma população bem formada de recursos humanos é fundamental para a organização ter sucesso”, diz Ricardo Garcia, vice-presidente de recursos humanos para as Américas do Sul e Central da mineradora ArcelorMittal.
Comparando o time de recursos humanos das 150 Melhores Empresas para Você Trabalhar com o das demais corporações, a diferença é notável. Nas melhores, de cada dez pessoas do RH, oito têm ensino superior completo ou pós-graduação (ante 67% nas demais). Enquanto nas melhores 23% do time têm de 40 a 64 anos, nas outras, quase metade do grupo tem menos de 30 anos.
O CHRO que faz a diferença também emprega um grupo sênior. Nas 150 melhores, 18% do departamento é composto de gerentes e supervisores — e só 9% são técnicos. Nas demais, a proporção se inverte: 11% são supervisores e gerentes, e 23% são técnicos. Além disso, outro estudo relaciona a figura do parceiro de negócios (chamado de business partner) ao saldo econômico positivo.
O levantamento, realizado pela consultoria global de benchmarking CEB, mostra que as organizações com business partners eficientes reportam um aumento de 4% a 10% na receita e um acréscimo médio de 9% no lucro.
Para que os projetos de RH funcionassem bem, Fabrício Alves Ferreira, diretor de desenvolvimento organizacional da rede atacadista Martins, criou a figura do business partner em 2013. “Contratei duas profissionais muito seniores”, diz.
Com a ajuda delas, e também por ter subido o nível do time de RH — empregando mais analistas, com curso superior, e menos assistentes, com cursos técnicos —, Ferreira passou a trabalhar menos. “Quando eu assumi, em 2011, trabalhava 11 horas por dia e levava trabalho para casa aos sábados. No segundo semestre de 2014, apesar de ser um ano difícil para o comércio, consegui trabalhar 9 horas por dia”, afirma o executivo.
Com uma equipe apta a cuidar do dia a dia, Ferreira e outros CHROs con- seguiram não só se ocupar com temas mais estratégicos como também ficar mais próximos do presidente executivo. “O RH deixou de ser um parceiro e se tornou o direcionador”, diz Sandra, da Accenture. No jargão da área, esse pro- fissional não atua mais como um “tirador de pedidos”, mas como ponto estratégico nas reuniões de tomadas de decisão.
Amigo do CFO
Nessas reuniões, o líder de recursos hu- manos se equiparou ao diretor financeiro (o CFO), até então seu principal opositor. E quando essa dupla trabalha alinhada, quem colhe os frutos é a companhia. Foi isso o que descobriram os consultores da EY ao entrevistar 550 executivos de finanças e de recursos humanos em cerca de 30 países.
“Quando o RH atuou próximo de finanças, nos últimos três anos, a empresa registrou um lucro maior e também uma evolução nas métricas de recursos humanos, incluindo engajamen- to e produtividade”, diz Carlos Martins, sócio responsável pela área de capital humano da consultoria de negócios.
Pela análise, nas corporações com melhor resultado Ebitda (o lucro antes de descontados juros, impostos, depreciação e amortização), o líder de RH e o de finanças passam quase 8 horas por semana conversando sobre estratégia e próximos passos do negócio — quase o dobro do tempo do ocorrido nas orga- nizações com rendimento mais baixo.
Essa parceria afinada permite dois grandes ganhos para o líder de RH. O primeiro é conseguir as verbas necessárias para a boa gestão da mão de obra. O segundo é aprender sobre métricas, algo ainda raro de encontrar entre os profissionais da área. De acordo com a pesquisa da EY, mais de 70% das corporações com alta rentabilidade usavam métricas para planejar a força de trabalho.
Nas de menor desempenho, isso não chegava a 50%. Um bom exemplo é a RBS, grupo de comunicação do Rio Grande do Sul. Lá, o departamento de gestão de pessoas conta com mais de 80 indicadores, que vão desde informações demográficas da população até a sa- tisfação do cliente interno e o nível de contribuição do RH para os negócios.
Na outra mão, o líder de RH ensina ao diretor financeiro como lidar com gente — algo que ele nunca teve de se preocu- par. Essa realidade é vivida por Ander- son Silva, diretor de desenvolvimento organizacional da Rodobens. Ele e o CFO Fábio Kato entraram na companhia em 2010, para participar de um processo de reestruturação, e até hoje agem em conjunto. “Ele me traz para o chão e eu o ensino sobre gestão de pessoas, pois ele não quer só cortar custos nem eu quero só abraçar árvores”, afirma Silva.
Quando o RH prova seu valor, ele se conecta com o cliente interno e define corretamente as prioridades, e a missão de recursos humanos acaba passando para outras mãos — a de todos os líde- res da organização. Na ArcelorMittal, o presidente coloca a gestão de pessoas como um dos três itens estratégicos da companhia para os próximos anos. Atualmente, toda diretoria se reúne qua- tro vezes por ano para ponderar sobre o futuro profissional dos empregados.
Em janeiro, depois de passar uma sexta-feira inteira discorrendo sobre a carreira de 500 funcionários, os dire- tores reclamaram que o tempo foi cur- to. Pediram ao líder de RH, Ricardo Garcia, que aumentasse a frequência dos encontros. “Chegamos a um pon- to em que eu não preciso ficar fomen- tando gestão de pessoas na cabeça de ninguém. Hoje eles me demandam para gastar mais tempo falando sobre pessoas”, afirma Garcia. A árvore que dá dinheiro todos querem abraçar.