O que as comédias românticas podem nos ensinar sobre comunicação no trabalho?
Ao perdoar gafes verbais e fazer propostas arriscadas, esse gênero de filme oferece lições que se traduzem para o local de trabalho
Escola de Negócios
Publicado em 14 de dezembro de 2024 às 11h41.
Última atualização em 14 de dezembro de 2024 às 11h47.
Bem ou mal, muitas pessoas aprendem sobre relacionamentos com os filmes - especialmente, comédias românticas, um gênero cujo início pode ter originado com Shakespeare. Nas comédias românticas, especialmente em filmes populares das últimas décadas, os personagens principais – um casal - normalmente enfrenta um obstáculo que os mantém separados até o fim. Muitas vezes, esse obstáculo é a comunicação: um mal-entendido, uma observação inadvertidamente dolorosa ou uma fachada defensiva que impede que os personagens principais assumam seus verdadeiros sentimentos e vivam felizes para sempre.
Embora muitos enredos de comédias românticas excedam os limites da plausibilidade, os personagens e as situações apresentam lições valiosas sobre comunicação que podem ser aplicadas a muitos aspectos de nossas vidas reais, incluindo situações profissionais. Eli J. Finkel, professor de administração e organizações da Kellogg School, explora a ciência do relacionamento através das lentes das comédias românticas em seu novo podcast, " Love Factually ", co-apresentado com Paul Eastwick, professor de psicologia da Universidade da Califórnia em Davis.
Neste podcast, Finkel fala sobre como as comédias românticas podem nos ensinar a melhorar nossa comunicação no trabalho e na vida.
Como nos envolvemos em uma comunicação arriscada
Nas comédias românticas das décadas de 1980 e 1990, os protagonistas masculinos apostavam pesadamente na conquista do amor da mulher que admiravam, às vezes mesmo depois de a mesma ter claramente demonstrado desinteresse. Nos filmes, essas apostas valem a pena. Lembra de Heath Ledger cantando para Julia Stiles enquanto ela pratica futebol em 10 Coisas que Eu Odeio em Você, de 1999, ou do personagem de John Cusack, Lloyd Dobler, debaixo da janela do quarto de Ione Skye com uma caixa de som tocando a música especial do casal em Digam o Que Quiserem, de 1989.
Entretanto, Finkel diz que as comédias românticas “erram quando se concentram sempre na ousadia e risco, e nunca se usar do cuidado o suficiente para dizer: ‘Eu não quero ser intrusivo’”. Ou seja, é também importante considerar: Quanto é demais? As pessoas devem continuar a se impor se forem ignoradas desde o início? Em algum momento, afinal, um gesto suficientemente grandioso acaba parecendo assustador.
É também importante fazer essas perguntas no local de trabalho, diz Finkel. Em sua opinião, os pesquisadores de gestão ainda não investigaram adequadamente a estratégia ideal para assumir riscos sociais.
“Algo que acho especialmente interessante sobre como lidamos com relacionamentos em geral e relacionamentos no local de trabalho mais especificamente", diz Finkel, "é a forma como tratamos da tensão entre propostas arriscadas que podem não ser bem-vindas— não me refiro a propostas sexuais, mas sim tentativas de se criar colaborações, ser favorável, coisas assim—em contrapartida com tentar evitar fazer uma proposta que não seja bem-vinda, mas que necessariamente será acompanhada da perda de algumas oportunidades de conexão".
O desafio vai além do quarto de dormir e da sala de reuniões.
“Não acredito que, como sociedade, tenhamos nos envolvido seriamente com o fato de que não há solução perfeita para esse dilema", diz Finkel. “Dizemos às pessoas para serem ousadas e correrem riscos e tentarem fazer amizades e tentarem iniciar colaborações, sabendo muito bem que, se estivermos fazendo isso o tempo todo, alguns desses esforços não serão bem-vindos”.
Como lidamos com conflitos
No espírito de "o que não fazer", as comédias românticas tendem a mostrar maus hábitos de comunicação. (E, ao contrário de propostas excessivamente arriscadas, esses hábitos realmente criam problemas para os personagens principais.)
Por exemplo, em Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, o filme de ficção científica de 2004 sobre um casal cujas memórias são apagadas um pelo outro depois de se separarem, vemos várias maneiras nada produtivas de lidar com conflitos. O casal no filme, Clementine (Kate Winslet) e Joel (Jim Carrey), muitas vezes exibem o que o psicólogo de relacionamentos John Gottman se chama de " Os Quatro Cavaleiros " do apocalipse do relacionamento: crítica, desprezo, defensividade e bloqueio.
“A crítica ocorre quando não se apenas levanta uma objeção ao que uma pessoa fez, mas quando se atribui isso a uma falha no caráter dela", diz Finkel. “O desprezo é quando nos sentimos melhores do que a outra pessoa", resultando em uma abordagem condescendente ou sarcástica da comunicação.
Defensividade significa não estar disposto a sequer considerar as críticas ou reclamações de alguém, e bloqueio é quando alguém se retira física ou mentalmente e é incapaz de se envolver mais a fundo em discussões produtivas.
“Embora tudo isso seja especialmente corrosivo em se tratando de conflitos", diz ele, "a abordagem oposta—comunicação aberta, honesta e não defensiva—infelizmente resulta em comédias românticas ruins".
Felizmente, as formas como as comédias românticas lidam com a comunicação se tornaram mais sofisticadas. A história de 2024 sobre o triângulo amoroso no mundo do tênis, Rivais, explora como as dinâmicas de poder moldam os comportamentos das pessoas nos relacionamentos e como isso pode facilitar ou dificultar sua autorrealização.
“Acredito que as inseguranças que as pessoas têm são tratadas de uma forma muito mais psicologicamente interessante e rica nos filmes românticos mais recentes”, diz Finkel, uma dinâmica que é um bom presságio para futuras lições de comunicação.
Como a confiança e a vulnerabilidade levam à conexão
Da mesma forma, os personagens principais das comédias românticas muitas vezes agem com fingimento para evitar serem vulneráveis, o que os deixa incapazes de formar uma conexão importante. Pense na personagem da Kat, interpretada por Stiles, em 10 Coisas que Eu Odeio em Você. Durante a maior parte do filme, ela parece irritadiça e indiferente ao afeto, mas acabamos descobrindo que essa é uma postura auto protetora contra rejeição ou traição.
“Em muitas comédias românticas, as pessoas parecem ser um pouco cautelosas em expressar o quanto estão interessadas", diz Finkel. No entanto, seja em relacionamentos românticos ou no trabalho, "podemos tentar estabelecer uma conexão forte e importante com alguém, mas isso exige que nos tornemos vulneráveis a essa pessoa". Em um contexto profissional, isso pode parecer vulnerabilidade emocional ou pode significar confiar em um colega para cumprir sua parte em um projeto.
Vulnerabilidade e confiança trazem riscos. “Se eu e você vamos trabalhar juntos em um projeto, tenho que confiar que você irá fazer sua parte, dentro do prazo e com alta qualidade. Se eu confiar em você e estiver errado, vai sobrar para mim”, explica. “Se a outra pessoa nos trata mal, nos explora de alguma forma, não entrega um produto de alta qualidade, estamos meio ferrados, certo?”
Quais são as alternativas? A outra opção é permanecer fechado ou demonstrar desconfiança por meio do microgerenciamento. “Todos nós, sempre, quando estamos em um relacionamento, enfrentamos um troca entre realmente confiarmos e dizer: ‘Eu vou me permitir depender de várias maneiras neste relacionamento’, em vez de ‘vou me garantir neste relacionamento e garantir que essa pessoa nunca consiga me explorar ou me decepcionar de forma alguma”, diz ele.
Ao considerar cuidadosamente essas trocas, então, e ao mesmo tempo não ser muito medroso ao assumir risco, é a chave tanto para o sucesso profissional quanto para o êxito na vida romântica.
Como as pessoas são propensas a gafes de comunicação
De vez em quando, todos nós erramos, e alguns desses erros magoam outras pessoas. No filme La La Land - Cantando Estações, em que Sebastian, interpretado por Ryan Gosling, chega atrasado ao monólogo da sua namorada Mia (Emma Stone) devido a uma confusão de agenda.
“Considerando que Mia preza o relacionamento”, diz Finkel, “ela enfrenta um dilema em como responder a essa situação: Ela se deixar tomar por sua indignação completamente legítima ou abre o coração ao perdão e à compreensão?"
Finkel reconhece o quanto custa favorecer o perdão quando fomos feridos. No entanto, ele recomenda o perdão como a estratégia padrão. Isso é especialmente verdade em resposta a gafes verbais em ambientes profissionais, uma vez que as organizações exigem a cooperação e a boa-fé de uma equipe de pessoas de origens diferentes e com perspectivas diferentes para uma determinada situação. Precisamos lembrar que nós também erramos às vezes.
“Quando abrimos a boca para expressar o que estamos pensando e sentindo, nem sempre conseguimos expressar perfeitamente. Assim, há realmente uma divisão entre minha boca e suas orelhas, o que significa que o que sai da minha boca pode não chegar aos seus ouvidos exatamente como era a minha intenção”, diz ele. “Diante de todos esses níveis de incerteza, a organização e o relacionamento se beneficiarão à medida que tentarmos dar o benefício da dúvida. E quando estivermos chateados ou ofendidos, dê à pessoa a oportunidade de esclarecer o mal entendido”.