O que 13 estrangeiros pensam sobre trabalhar no Brasil
Como é trabalhar no Brasil, do ponto de vista de um estrangeiro? Veja os comentários de profissionais que saíram de países como Rússia e EUA para atuar no país
Claudia Gasparini
Publicado em 12 de fevereiro de 2015 às 07h21.
Última atualização em 13 de setembro de 2016 às 16h44.
Esqueça a ladainha sobre caipirinha, futebol e carnaval. Estrangeiros que atuam em empresas brasileiras têm percepções aguçadas e sensíveis sobre o nosso jeito de ser - e, claro, trabalhar. Ouvimos 13 profissionais que saíram de países como Itália, Rússia, Espanha e Irlanda para fazer carreira em terras brasileiras. Das intermináveis reuniões ao hábito de escovar os dentes no escritório, quase nada escapa ao olhar dos gringos. Clique nas fotos para conhecer suas histórias e observações.
Nascida em Moscou, Alla Ryabova trabalha em São Paulo como analista de mídias digitais na agência New Vegas. "É interessante ver como a hora de almoço é sagrada no Brasil. As pessoas já chegam e começam a pensar onde vão comer, conversam, saboreiam o assunto, diz a russa. Proveniente de uma cultura mais fria, Alla relata ter tido dificuldades para se adaptar, sobretudo no começo da sua experiência. Antes era difícil seguir todas as normas de etiqueta brasileira em e-mails, por exemplo, diz a russa, que com o tempo aprendeu a ser mais "política" em sua comunicação com o pessoal daqui.
De origem indiana, a britânica Natasha Patel sempre trabalhou na Inglaterra. Em 2006, desembarcou em São Paulo. Ela se diz surpresa com a paciência do brasileiro com o estrangeiro que está aprendendo português. As pessoas são gentis e se esforçam para compreender você, ensinar o idioma, diz a inglesa, que trabalha como diretora da Hays. De forma geral, as diferenças culturais não foram um motivo de desgaste para Natasha. É claro que algumas adaptações são necessárias, mas não enxergo isso de forma negativa, afirma. O próprio brasileiro também é muito flexível a outras culturas e formas de trabalhar.
Nascida em Milão, na Itália, Vanessa Milnitzky trabalha na área de responsabilidade social da Samsung, em São Paulo. Ela relata que, no início, estranhava passar a segunda-feira respondendo a perguntas sobre seu fim de semana. Demorei um pouco para entender que é um modo de expressar carinho, demonstrar que você se importa, diz ela. Ser colega no Brasil é muito mais que ser funcionário da mesma empresa. Vanessa pondera que o jeito afetivo do brasileiro nem sempre é o mais eficiente para conduzir um projeto, reunião ou ligação profissional. "Mesmo assim, é muito mais rico do ponto de vista humano, afirma. Hoje, se não tivesse mais isso, eu sentiria muita falta.
A parisiense Emilie Pezet trabalha como analista de risco econômico no Banco Cetelem, do BNP Paribas. Residente na capital paulistana desde 2013, ela nota que o brasileiro não hesita em misturar vida pessoal e profissional. Não há problema em discutir a sua vida de casal em pleno escritório, diz a francesa. Emilie também se espanta com o hábito brasileiro de escovar os dentes no escritório depois do almoço. Na França, as pessoas que escovam os dentes no trabalho são raras. É uma questão de pudor, porque há pasta de dente para todos os lados, temos que cuspir, enxaguar a boca..., diz ela. Já os brasileiros passam até o fio dental, entre cada um dos dentes, na frente dos colegas!.
David Curran veio de Dublin, na Irlanda, para presidir o site Love Mondays. No Brasil desde 2013, ele também teve experiências profissionais em diversos países do Oriente Médio, como Arábia Saudita e Kuwait. Ele diz que brasileiros e árabes têm muito em comum no ambiente profissional. São dois povos que valorizam muito o relacionamento no trabalho, ao contrário dos anglo-saxões, comenta David. Ele também diz que o brasileiro tem uma grande expectativa de virar amigo de seus colegas, e que se comunica de forma menos direta do que os irlandeses. Você precisa ouvir com muita atenção, porque as pessoas fazem rodeios para falar certas coisas, afirma.
Natural de Boston, nos Estados Unidos, Louis Bucciarelli trabalha desde 2010 em Vinhedo, cidade do interior paulista. A cultura de trabalho no Brasil é muito acelerada, as decisões são tomadas rapidamente se fizerem sentido, diz o norte-americano, que atua como diretor regional da empresa de tecnologia Return Path. O ritual das refeições nos escritórios brasileiros chamou a atenção de Louis. Eu gosto que as pessoas almocem juntas, em vez de comerem sozinhas um lanche rápido na frente do computador, como é comum nos Estados Unidos, afirma o executivo.
Stefan Rehm saiu da pequena cidade de Villingen-Schwenningen, na Alemanha, para trabalhar em São Paulo em 2012. Co-fundador da plataforma Intelipost, ele adora as roupas informais e o hábito do cafezinho antes das reuniões no Brasil. Mas o alemão também tem suas críticas. É muito difícil ouvir um não no Brasil. Os gringos precisam interpretar outros sinais para entender que algo não vai funcionar, afirma. Stefan também se impressiona com o emprego complexo da palavra amanhã. Na Alemanha, se alguém diz que vai mandar um email amanhã, realmente vai mandar amanhã. No Brasil, são raras as vezes em que essa palavra realmente significa o dia seguinte. Pode significar nunca, talvez, não quero, no ano que vem, vamos mudar de assunto..., diz ele.
O engenheiro australiano Matt Barrie, CEO do site freelancer.com, nunca teve um trabalho fixo no Brasil, mas teve contato frequente com os brasileiros em São Paulo, cidade onde tem reuniões frequentes e até ministrou palestras. Ele define o ambiente de trabalho no país como sensacional. Os brasileiros são muito versáteis e facilmente adaptáveis para trabalhar em outros lugares e com outras culturas, diz o australiano. Por outro lado, ele lamenta nossa burocracia. A papelada para incorporar uma empresa ou para fazer câmbio monetário é algo que poderia ser mudado facilmente, atraindo mais investimentos estrangeiros.
O espanhol Javier Gómez, gerente de afiliados na zanox, está há dois anos em São Paulo e se diz fã da proverbial receptividade do brasileiro. Nunca tive problemas para me integrar nem na minha vida profissional, nem pessoal, diz ele. Entre suas críticas, está a desigualdade entre gêneros no ambiente profissional. Na empresa onde trabalho não existe isso, mas acho que o país em geral ainda precisa melhorar muito nesse ponto, comenta o espanhol. "E não falo apenas da questão salarial".
Na visão do consultor franco-britânico Christopher Marchak, residente em São Paulo entre 2011 e 2013, o ambiente de trabalho no Brasil é caloroso, relaxado e até divertido. As pessoas se importam com o relacionamento. A forma de falar, por exemplo, é mais importante do que o conteúdo que está sendo dito, afirma Marchak. Por isso, as pessoas têm a tendência de levar um feedback para um lado pessoal. Ele também aponta problemas decorrentes da descontração brasileira no trabalho. A atitude relaxada pode causar estresse quando você está diante de prazos e precisa de outras pessoas para entregar as coisas no tempo certo, diz ele.
Natural de Nümberg, na Alemanha, Eric Schall mora atualmente em São Paulo, onde trabalha como assistente administrativo da Audi do Brasil. Em seus oito meses aqui, ele notou que os paulistanos têm uma grande tendência ao atraso. É culpa do trânsito da cidade, diz o alemão. Ele também se diz surpreso com a quantidade e a duração das reuniões no Brasil. As discussões costumam demorar mais. Hoje, por exemplo, estou em reuniões desde as 8 da manhã, afirma. Por outro lado, Eric elogia a capacidade de improvisação e a abertura à mudança do brasileiro. Na Alemanha, se você propõe uma mudança num processo tradicional, você encontra bem menos flexibilidade, diz ele.
Para o argentino Sebastián Domingues, gerente na Michael Page, São Paulo é uma boa cidade para estrangeiros. A cidade tem uma cultura de trabalho internacional. Já trabalhei na Cidade do México e em Buenos Aires, mas a experiência aqui tem sido a mais enriquecedora profissionalmente, diz ele. Sebastián também destaca o espírito empreendedor dos profissionais brasileiros. É o que mais me impressiona, afirma. Mas nem tudo são flores: para ele, os negócios no país sofrem demais com o excesso de burocracia.
O norte-americano Derek Hall, fundador do portal Torcedores.com, já morou em Santa Catarina e em São Paulo, e acredita que os brasileiros são ótimos em separar trabalho e lazer. Aqui eu posso trabalhar 10 horas seguidas com os meus sócios e funcionários, e depois do expediente nós saímos e nos divertimos, sem falar necessariamente sobre o trabalho, afirma Derek. Isso fortalece os relacionamentos e cria um laço parecido com o de um time de futebol.
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