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Da Redação
Publicado em 26 de julho de 2013 às 15h48.
Porto Velho (RO) - Em maio do ano passado, o engenheiro civil mineiro Marcelo Miranda, de 32 anos, voltava de uma temporada de quase dois anos de estudos na Universidade Stanford, na Califórnia, onde fazia mestrado em administração e negócios, para um ciclo de entrevistas de emprego no Brasil.
Como queria regressar ao país após a conclusão do curso, ele vinha mantendo contato com amigos e ex-colegas de trabalho. Antes mesmo de desembarcar no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, tinha 17 conversas agendadas com executivos de grandes multinacionais.
No final de sete dias de reuniões, cafezinhos, almoços e jantares, Marcelo recebeu 13 propostas de emprego para trabalhar em grandes empresas brasileiras e multinacionais com escritório no país. Marcelo, no entanto, acabou optando por trabalhar numa empresa pequena, desconhecida e cuja sede fica em Porto Velho, Rondônia — a construtora BS, fundada pelo catarinense Sidnei Borges dos Santos, de 34 anos, que começou a vida como pedreiro.
O salário atual de Marcelo é 40% mais baixo do que a média das ofertas que ouviu. Os benefícios, bem mais magros — nada de carro, a que teria direito como executivo de uma grande empresa, de bônus polpudos ou pacote de ações por resultados.
Apesar da pouca idade, Marcelo tem um currículo respeitável. Do tipo que faz brilhar os olhos de qualquer profissional de recursos humanos.
Ele é formado por uma boa escola, a Universidade Federal de Minas Gerais, e tem vivência no exterior, estudou recentemente nos Estados Unidos e passou quatro anos no Iraque, onde seu pai esteve a trabalho. É fluente em inglês e já ocupou posições de liderança bastante desafiadoras pelas empresas por onde passou — Andrade Gutierrez, MRV e Caenge, obtendo bons resultados em todas elas.
Até agora, sua trajetória de carreira se assemelha à de milhares de jovens profissionais que souberam aproveitar as oportunidades que tiveram. Marcelo não vem de uma família rica, seu pai é um consultor que criou os três filhos sem grandes extravagâncias, nem teve “padrinhos” que lhe abrissem as portas do mercado de trabalho. Tudo que conseguiu foi pelo seu esforço e próprio mérito.
O engenheiro abriu mão do status de executivo na maior vitrine profissional do país para se juntar a um empreendedor visionário, que criou um método de construção inovador, usando moldes, como se fossem formas de bolo, para construir casas pré-fabricadas de 36 a 120 metros quadrados.
O menor módulo custa 40.000 reais. O maior sai por 250.000 reais. O sistema de produção se assemelha ao de uma linha de montagem de carros. Com esse sistema, a BS Construtora, fundada em 1994, fabrica atualmente 19 casas por dia.
A decisão de Marcelo de se juntar a Sidnei é emblemática, pois quebra alguns paradigmas. O primeiro deles trata da percepção de que as maiores oportunidades de carreira estão nas grandes corporações.
Centenas dos melhores profissionais que saem das universidades brasileiras consideradas de primeira linha pelo ranking do Ministério da Educação se engalfinham na seleção dos programas de trainee, cujo foco é rejuvenescer a liderança nas empresas. No ano passado, o programa de trainee da AmBev teve 60 000 candidatos, o da Unilever teve 48 000 inscritos e o da Natura, cerca de 20.000.
O segundo paradigma que a decisão de Marcelo contradiz é o de que as melhores oportunidades estão nas grandes metrópoles, principalmente nas grandes cidades da região Sudeste. A descentralização de empresas e empregos que está em curso no Brasil tem aberto mais postos de trabalho — para técnicos e executivos — fora do eixo Rio-São Paulo, principalmente no Norte e Nordeste do país.
A opção de Marcelo pela BS também vai de encontro à percepção de que as melhores oportunidades de aprendizado profissional estão nas multinacionais e nas grandes empresas nacionais. As pequenas e médias empresas brasileiras, que são as maiores empregadoras do país, vêm se profissionalizando em uma velocidade cada vez maior.
Elas oferecem atualmente ótimas condições de crescimento e desenvolvimento, muitas vezes com maior autonomia operacional e de tomada de decisão do que nas empresas maiores. Por último, Marcelo escolheu trabalhar em uma construtora cujo foco são as classes de baixa e média renda no Brasil, um segmento econômico em expansão, em que a maioria das empresas deseja conquistar clientes.
Ainda assim, Marcelo pode quebrar a cara. Ele, no entanto, parece não se importar com isso. Acredita ter tomado a decisão correta, que faz mais sentido para suas ambições pessoais. Outro ponto que conta muito, na avaliação do engenheiro, é a relação de confiança que tem com Sidnei, o fundador.
Essa relação teve início durante a negociação que antecedeu a contratação de Marcelo e vem se consolidando no dia a dia. Todo o processo que levou Marcelo a aceitar a proposta de Sidnei tem muito a ensinar. A primeira conversa entre os dois se deu em maio do ano passado, num restaurante na zona sul de São Paulo.
Sidnei estava acompanhado da esposa, Eliane, sua sócia. Marcelo estava no Brasil para um ciclo de 17 entrevistas, que resultaram em 13 propostas de emprego (sendo uma delas para o cargo de diretor financeiro em uma gigante americana), mas ainda morava na Califórnia, nos Estados Unidos.
O engenheiro estava próximo de concluir um mestrado na Universidade Stanford. Muito ligada a empresas do Vale do Silício e com forte conteúdo de empreendedorismo, a escola é celeiro de profissionais brilhantes e inovadores, entre eles Sergey Brin, Larry Page e Orkut Buyukkokten – os dois primeiros são fundadores do Google e o último, criador da rede social que hoje pertence ao Google.
A BS era das últimas conversas na lista e Marcelo quase descartou o encontro. “Quando o Sidnei me telefonou, já não tinha mais agenda”, lembra. O engenheiro topou porque se comoveu com a disposição de Sidnei e Eliane, que se deslocaram de Porto Velho para São Paulo.
A conversa durou cinco horas. Marcelo ficou de dar uma resposta e voltou para os Estados Unidos para se encontrar com a mulher e o filho. Cinco dias depois, aceitou a proposta. Em três semanas, ele desembarcou em Porto Velho para ser vice-presidente da BS.
De pedreiro a empresário
Filho de agricultores, Sidnei começou a trabalhar no campo com o pai aos 12 anos, em Xaxim, no oeste de Santa Catarina. Abandonou a escola após a quarta série do Ensino Fundamental e pouco tempo depois foi trabalhar em canteiros de obra. Aos 18 anos, o pedreiro recebeu uma proposta para se mudar para Sorriso, no Mato Grosso, e trabalhar na empreiteira de um primo que ele mal conhecia.
Sidnei sofreu seu primeiro viés. A empreiteira estava cheia de dívidas. Logo, o primo abandonou o negócio, deixando projetos inacabados. Sidnei assumiu o comando, terminou as obras pendentes e reconquistou a confiança dos clientes.
Novos trabalhos apareceram e aos poucos ele foi se capitalizando. Montou uma pequena empreiteira — o embrião da BS. Sidnei era o visionário e o executor. A esposa, Eliane, formada em ciências contábeis, assumiu as finanças do negócio.
A empresa e o método
A BS começou a decolar em 2002, quando Sidnei passou a fazer peças pré-moldadas para galpões agrícolas e industriais. Dois anos depois, faturava 11,5 milhões de reais. O salto, porém, ocorreu em 2007, quando ele fechou dois contratos com a Sadia. No primeiro, entregou um galpão para a criação de suínos.
No segundo, Sidnei assumiu o compromisso de entregar 1.500 casas pré-fabricadas em 12 meses, que seriam usadas por trabalhadores da Sadia em Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso. Detalhe: Sidnei fechou o contrato tendo apenas uma vaga ideia de como seriam os moldes de uma casa de concreto. Ele conseguiu desenvolver as casas e a BS faturou 60 milhões de reais em 2008, cinco vezes mais que em 2007.
A experiência diz bastante sobre a personalidade de Sidnei. Ele é um empreendedor nato. Dono de uma notável capacidade de enxergar oportunidades, ele costuma aceitar projetos e partir para a execução, muitas vezes antes mesmo de planejar a obra. Por causa desse perfil arrojado, correu riscos, quebrou, se reergueu e, um dia, desenvolveu um sistema construtivo inovador.
Olhando para uma caixa de sapatos, Sidnei teve a ideia de fabricar casas em escala industrial. Em vez de empilhar tijolos ou fabricar as diversas peças (paredes, vigas e vergalhões) pré-moldadas para montar em canteiros de obras, as casas da BS são fabricadas inteiras, com espaço para fiação elétrica e encanamento.
Podem ser transportadas em cima de caminhões, já pintadas, com porta e janela. É possível começar e terminar uma casa em 24 horas (o processo convencional de pré-moldagem leva uma semana).
“A BS se destaca pelo alto grau de industrialização do seu processo, que faz com que ele seja muito rápido. Na construção, isso é inovador”, diz Ary Fonseca Júnior, consultor da Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP).
Sidnei e Eliane ganharam notoriedade quando receberam o prêmio Endeavor e EXAME PME de empreendedorismo, em novembro de 2008, realizado pela ONG de apoio ao empreendedorismo e pela Editora Abril, que publica as revistas VOCÊ S/A e EXAME. “Sidnei tem uma grande capacidade de entender o que o mercado quer”, diz Bianca Martinelli, gerente de serviços ao empreendedor da Endeavor.
A construtora de Sidnei e Eliane cresceu rápido — tem 2.000 funcionários em duas fábricas, uma perto de Sorriso (MT) e outra em Jaci-Paraná, a 100 quilômetros de Porto Velho. Apesar disso, sua gestão é desorganizada. Até o início de 2009, não tinha estruturados processos básicos como gestão financeira, indicadores de resultados e funil de vendas.
A Endeavor orientou Sidnei a procurar um executivo profissional, capaz de botar ordem na casa. A situação era urgente: no mesmo ano, a BS assinou contrato com o consórcio Energia Sustentável do Brasil, que está construindo a Usina Hidrelétrica de Jirau, em Rondônia. Sidnei negociou a construção de uma minicidade, com 1.000 casas, escola, hospital, posto policial, centro comercial e toda a infraestrutura necessária.
Tudo no prazo de um ano e meio. Para gerenciar o contrato — o maior da história da BS, no valor de 209 milhões de reais —, Sidnei transferiu a sede e cerca de 70% da estrutura da empresa de Sorriso para Porto Velho no começo de 2009. “Eu sabia que precisaria de ajuda dali pra frente, porque não tenho conhecimentos gerenciais suficientes para isso”, diz Sidnei.
A vocação
Na turma de Marcelo em Stanford, a média de idade dos executivos era de 38 anos. Ele era o mais novo. Todos ocupavam cargos de diretoria, presidência ou eram donos de empresas. Entre os alunos, havia dois perfis bem definidos: os empreendedores e os profissionais que estavam ali para aprender a ajudar os empreendedores — os braços direitos.
“Eu me encaixava no segundo grupo”, diz Marcelo, que se recorda de um bate-papo que sua classe teve com Steve Ballmer, presidente mundial da Microsoft. Steve contou sobre sua parceria com Bill Gates, idealizador e fundador da empresa.
Foi uma das histórias que mais marcou a passagem de Marcelo por Stanford. Bill e Steve estudaram juntos na universidade e, enquanto Bill Gates idealizava produtos e vislumbrava oportunidades de negócio, Steve dava apoio, transformando tudo em realidade. Essa maneira de atuar ficou na cabeça de Marcelo. Seu próximo passo seria encontrar um lugar em que pudesse colocar em prática essa competência.
A contratação
Depois de entrevistar alguns candidatos, o currículo de Marcelo chegou às mãos de Sidnei e Eliane. “No primeiro momento achei que ele era demais para o que precisávamos”, lembra Sidnei. Estranho para quem sempre pensou grande e muitos passos à frente da realidade.
Ele explica: “Fiquei com receio de que, por toda sua qualificação, ele chegasse com exigências e fosse uma pessoa fria”, diz o pedreiro. O casal se preparou para a entrevista com Marcelo, em São Paulo. “Senti que estavam um pouco formais, mas percebi que ganhei a confiança deles quando viram que eu realmente estava interessado em ouvir suas histórias e sobre a situação da empresa”, diz Marcelo.
O que fez o executivo olhar com bons olhos para a proposta de Sidnei foi o desafio de estruturar praticamente do zero a gestão de um negócio inovador. “A proposta não me interessou no começo, por causa da localização, mas, quando conheci a história do Sidnei e vi o potencial da empresa, senti que teria ali uma grande oportunidade para minha carreira”, diz.
Tomar a decisão não foi tarefa fácil. “Todo mundo dizia que eu estava louco em trocar todas as outras propostas por esta.” O irmão foi o primeiro a ficar do lado de Marcelo e a favor da BS. Sua esposa ficou em dúvida, num primeiro instante, mas disse que apoiava a decisão do marido.
Marcelo disse a Sidnei que aceitava o emprego e teve de fazer uma ginástica para antecipar a conclusão do curso em Stanford e assumir a gestão da BS em três semanas, em junho do ano passado. “Negociei a antecipação de provas, entrega de trabalhos e saí da Califórnia três semanas antes do meu curso terminar”, diz o engenheiro.
Necessidade de profissionalizar
“A gente vivia correndo de um lado ao outro sem muito foco”, diz Agláucio Viana de Souza, diretor de suprimentos, que antes da chegada de Marcelo era responsável por tudo o que não era referente a recursos humanos e engenharia, como ele mesmo costuma dizer. Desde o primeiro dia, Marcelo buscou estruturar processos e criar mecanismos para dar suporte ao plano de expansão da construtora.
Ele foi contratado para ser vice-presidente executivo. No mês passado, virou presidente da empresa. Como parte da negociação, recebeu carta branca de Sidnei para tocar a empresa. Passou um mês conversando com o pessoal, entendendo como as coisas funcionavam por lá e qual era a função de cada um.
Marcelo procurou a Fundação Dom Cabral, de Minas Gerais, para ajudar na criação de indicadores e na padronização de processos, para que a BS passasse a medir os resultados e a gerenciar o planejamento. Daqui pra frente, a construtora terá o desafio de reter pessoas. Com isso, a área de recursos humanos tem sido outro alvo por lá.
Neste mês, a empresa inicia a implantação de ferramentas como avaliação de desempenho e gestão por competências. No mês passado, Sidnei e Marcelo anunciaram a distribuição de ações da empresa para os diretores. O objetivo é estender a prática aos demais funcionários a partir deste ano, baseado nos modelos de empresas como AmBev e Odebrecht.
O engenheiro procurou manter boa parte dos 1 200 profissionais que já estavam em Porto Velho — menos de 10 pessoas foram demitidas. A reestruturação começou pela definição de novas diretorias, que são atualmente seis. Três dos diretores já estavam na BS. Os outros três foram trazidos por Marcelo. Equipes inteiras tiveram — e ainda têm — de ser montadas.
No último semestre, 50 profissionais chegaram à BS para ocupar cargos de supervisão, coordenação, gerência e diretoria. O perfil empreendedor é a marca desses gestores. São profissionais de bom currículo, que deixaram para trás grandes empresas.
Um deles é o diretor comercial, André Massote, de 30 anos, que veio da fabricante de laticínios Itambé, onde era responsável pela área de exportação da companhia “Quando soube que Marcelo viria, achei loucura, mas quando ele me convidou e contou mais sobre o negócio, resolvi encarar o desafio”, diz André, que entre o primeiro contato com Marcelo sobre o assunto e a chegada a Porto Velho levou 15 dias.
A chegada de André e de outros profissionais trazidos por Marcelo mostrou a capacidade do engenheiro para estabelecer vínculos perenes. Em outras palavras, se não fosse por sua rede de relacionamentos, as novas contratações demorariam muito mais tempo e custariam muito mais caro.
Novos planos
N este mês, a sede da BS está sendo transferida de Rondônia para Brasília. A escolha da capital federal está relacionada à estratégia de expansão da BS, que prevê faturar neste ano 700 milhões de reais. A perspectiva da construtora é contratar pelo menos 4.000 pessoas até o fim de 2010 — no mínimo 200 para cargos administrativos.
O que anima Sidnei e Marcelo é a fase de intensa atividade pela qual passam os programas de habitação popular federal e estaduais. A estratégia da BS é construir pelo menos três fábricas no Brasil no ano que vem. O ponto fraco da empresa é a logística. Como as casas saem prontas da fábrica, transportá-las até o destino final de caminhão é complicado.
Por isso, as fábricas precisam estar próximas dos clientes. A BS pretende fechar 2010 com cinco fábricas, instalando três unidades novas em Pernambuco, Acre e Distrito Federal. A ideia é aumentar a capacidade de produção de 10.000 casas para 30.000 casas por ano. “Queremos estar entre as cinco maiores construtoras do Brasil em cinco anos”, diz Marcelo.
“O lado empreendedor do Marcelo é muito forte, provavelmente foi o grande motivador para ele aceitar o convite da BS”, diz o headhunter Luiz Carlos Cabrera, sócio da PMC Amrop, empresa de executive search de São Paulo. Em Stanford, uma universidade que dissemina a visão empreendedora, o engenheiro deve ter aperfeiçoado essa competência.
Segundo Luiz Carlos, para uma pessoa com senso de autonomia e independência acentuado, escolher uma empresa como a BS faz todo o sentido. “Por ter passado por outras construtoras, ele sabe que autonomia é uma coisa que ele não terá nessas empresas”, diz Luiz Carlos. Segundo o headhunter, as grandes construtoras são “o templo da hierarquia e da experiência acumulada”.
Um jovem executivo sabe que numa delas o crescimento é lento. A história de Marcelo e do encontro com a BS, de Sidnei, mostra que há oportunidades em empresas que muitas vezes não estão no radar nem de jovens profissionais e, muitas vezes, nem dos mais experientes.
Nessas pequenas e médias companhias há ótimas oportunidades para crescer, se desenvolver e até inovar. Com a vantagem, como bem observou Luiz Carlos, de que você pode ter mais autonomia e estar bem próximo do centro de decisão.