O nascimento da fera Rogério "Minotouro" Nogueira
O lutador Rogério “Minotouro” Nogueira podia ter sido advogado tributarista. Mas rompeu com o Direito (e com a pressão do pai) para se tornar um dos principais nomes do Ultimate Fighting
Da Redação
Publicado em 21 de março de 2013 às 12h33.
São Paulo - Quem vê o lutador baiano Rogério "Minotouro" Nogueira, de 35 anos, no octógono, de guarda armada e olhos fixos nos movimentos do adversário tem dificuldade para imaginar que o gigante do Ultimate Fighting Championship já considerou a hipótese de ser um advogado e viver de terno e gravata, ajudando seus clientes a pagar menos impostos, em Vitória da Conquista, no interior da Bahia.
Irmão gêmeo de Rodrigo Nogueira, o Minotauro, um dos maiores nomes dos torneios de vale-tudo de todos os tempos, Rogério demorou a tornar-se lutador profissional porque passou três anos na faculdade de Direito perseguindo um sonho que não era seu, mas de seu pai.
"Meu pai tinha planos para mim, para o nosso escritório de direito tributário em Vitória da Conquista. Isso pesava muito e me mantinha dentro da faculdade", conta. Foram três anos na Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro, um dos mais tradicionais cursos de Direito do país.
Durante esse período, nunca largou a rotina diária de treinamento. "No começo, eu estava muito interessado na faculdade, mas, com o tempo, o esporte foi falando mais alto", diz Rogério.
Dos três anos em que frequentou a Gama Filho, dois foram de ansiedade e indecisão. Rogério temia decepcionar a família, em especial o pai. Ao mesmo tempo, via a carreira do irmão florescer. Começou a viver a crise de ter de optar entre a advocacia, uma decisão mais segura e previsível, e a luta, um caminho incerto.
"De cada 100 lutadores que tentam ingressar no mercado, 95 ficam para trás e saem do circuito logo nas primeiras lutas", diz Minotauro, o irmão pioneiro e companheiro inseparável. "Àquela época, não sabia se eu conseguiria o mesmo desempenho de meu irmão", lembra Rogério.
O embarque do irmão, aos 21 anos, rumo aos Estados Unidos para lutar profissionalmente mexeu com a cabeça do jovem estudante de Direito. Meses depois, Rogério aproveitou uma de suas férias letivas para acompanhar Minotauro em uma temporada de lutas em Miami.
Foi sua viagem de transformação pessoal — e de passagem para o mundo do esporte profissional. Ao longo de três meses, Rogério foi sparring (parceiro de treino) do irmão, que fora do ringue o incentivava a virar lutador. "Foi a oportunidade para que ele percebesse que é mais válido ganhar a vida fazendo o que se gosta", conta Minotauro. "O sucesso depende muito mais da sua força de vontade e da dedicação do que de golpes de sorte."
Na volta ao Brasil, a família desaprovou a novidade. "Meu pai não queria de jeito nenhum", diz Rodrigo. "Mas meu irmão e eu conversamos um bocado com ele para que entendesse que era a melhor escolha." Após uma maratona de convencimento paterno, a decisão foi aceita, apesar de o pai ter insistido para que Rogério ao menos terminasse a faculdade.
"Aquele era o momento, tinha de ser naquela hora", relembra Rogério. Na dúvida, o jovem lutador resolveu trancar a matrícula e, se em um ano não tivesse resultados positivos, voltaria para seguir a carreira em Direito.
Rogério começou bem. Estreou com vitória, em março de 2001, numa luta no Japão. Já no primeiro combate recebeu remuneração equivalente ao que Rodrigo só receberia após oito lutas. Juntos, os irmãos Nogueira desenharam uma longa e bem-sucedida trajetória nas artes marciais mistas (MMA, em inglês), o nome dado ao vale-tudo após a inserção de algumas regras.
Mesmo tendo treinado juntos desde a infância, Rodrigo e Rogério não lutam oficialmente um contra o outro. Não só porque são de categorias diferentes, mas porque o relacionamento entre ambos é prioridade. "Não subiria no octógono para lutar com o Rogério em hipótese alguma", afirma Rodrigo.
Apoio de fora
Se faltou incentivo do pai, sobrou do ex-sogro. Luís Fernando Alonso, pai de sua namorada na época, foi o principal responsável pela entrada — e pela saída — de Rogério no mundo da advocacia. Funcionário da Souza Cruz, Luís Fernando, falecido em 2005, tinha então contato com os grandes escritórios de advocacia cariocas e indicou Rogério para um estágio no Gama e Silva Advogados.
"Rogério era muito esforçado e elogiado no escritório, fazia tudo direitinho, mas meu pai ficava falando para ele o tempo todo que tinha que largar tudo e ir lutar", afirma Marcelo Alonso, filho de Luís Fernando. "Meu pai gostava demais do Rogério. Às vezes ele estava lá no Japão, ganhava uma luta e ligava para meu pai chorando para contar." Rogério chegou a morar com eles por três meses devido a problemas financeiros. O namoro acabou faz tempo, mas a amizade com o ex-sogro ficou.
A determinação sempre foi marcante na personalidade de Rogério. É ela, inclusive, que mantém o lutador fora do circuito de glamour e luxúria dentro do UFC. Assim como no futebol, a fama, as mulheres e o dinheiro muitas vezes acabam subindo à cabeça dos atletas.
"Tem gente que luta bem enquanto não tem dinheiro, depois que junta uma grana começa a perder rendimento. Isso nunca aconteceu com o Rogério", diz Rodrigo Minotauro, que lembra que o foco sempre foi uma das principais virtudes do irmão. "Nosso Ensino Médio foi em um curso técnico em elétrica e ele sempre era o mais concentrado", lembra Rodrigo. "Enquanto eu consertava um circuito, ele arrumava seis."
Casos de família
Para o pai, o sonho de construir um escritório de direito tributário foi realizado. Júlio, o mais velho dos irmãos Nogueira, seguiu o rumo desenhado pelo patriarca, que, embora tenha entendido a opção dos gêmeos, só acompanha de longe a carreira dos dois. A mãe, por sua vez, prefere não assistir às lutas.
"Ela até já foi, mas disse não gostar", conta Rogério. Quem também não vê o lutador no octógono é a filha Valentina, de 2 anos. Fruto de um relacionamento antigo, a pequena costuma desmanchar o coração do gigante, além de ser responsável por enormes sacolas de presentes que o lutador carrega aeroportos afora.
Minotouro acredita ainda ter cerca de "cinco anos de lenha para queimar" antes de sua aposentadoria. No futuro, a gestão da rede de academias Team Nogueira deverá ocupar integralmente o tempo do lutador, que também faz suas vezes de administrador. "Eu gosto muito de acompanhar os negócios da academia."
Atualmente a Team Nogueira tem unidades em San Diego e no Rio de Janeiro, mas há planos de abrir unidades na Flórida, na Suíça, nos Emirados Árabes e em São Paulo. Os irmãos Nogueira vêm se mostrando hábeis também na gestão de carreira e treinamento de novos atletas.
O megacampeão Anderson Silva ainda treina com Rodrigo e Rogério. De olho no futuro de administrador de academias, Rogério buscou um curso de gestão de academias e negócios no MMA Millionaire, instituto em San Diego, na Califórnia. Quando está estudando, Minotouro diminui o ritmo do treinamento.
Não gosta de ser incomodado. Quando o pessoal fala que ele está se descuidando, Rogério retruca: "Falo que estou focado no meu treinamento mental", diz, brincando. Essa concentração no que é importante para a carreira faz de Rogério um caso especial. E mostra que é preciso esforço para manter um alto desempenho — mesmo quando você está fora do octógono.
São Paulo - Quem vê o lutador baiano Rogério "Minotouro" Nogueira, de 35 anos, no octógono, de guarda armada e olhos fixos nos movimentos do adversário tem dificuldade para imaginar que o gigante do Ultimate Fighting Championship já considerou a hipótese de ser um advogado e viver de terno e gravata, ajudando seus clientes a pagar menos impostos, em Vitória da Conquista, no interior da Bahia.
Irmão gêmeo de Rodrigo Nogueira, o Minotauro, um dos maiores nomes dos torneios de vale-tudo de todos os tempos, Rogério demorou a tornar-se lutador profissional porque passou três anos na faculdade de Direito perseguindo um sonho que não era seu, mas de seu pai.
"Meu pai tinha planos para mim, para o nosso escritório de direito tributário em Vitória da Conquista. Isso pesava muito e me mantinha dentro da faculdade", conta. Foram três anos na Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro, um dos mais tradicionais cursos de Direito do país.
Durante esse período, nunca largou a rotina diária de treinamento. "No começo, eu estava muito interessado na faculdade, mas, com o tempo, o esporte foi falando mais alto", diz Rogério.
Dos três anos em que frequentou a Gama Filho, dois foram de ansiedade e indecisão. Rogério temia decepcionar a família, em especial o pai. Ao mesmo tempo, via a carreira do irmão florescer. Começou a viver a crise de ter de optar entre a advocacia, uma decisão mais segura e previsível, e a luta, um caminho incerto.
"De cada 100 lutadores que tentam ingressar no mercado, 95 ficam para trás e saem do circuito logo nas primeiras lutas", diz Minotauro, o irmão pioneiro e companheiro inseparável. "Àquela época, não sabia se eu conseguiria o mesmo desempenho de meu irmão", lembra Rogério.
O embarque do irmão, aos 21 anos, rumo aos Estados Unidos para lutar profissionalmente mexeu com a cabeça do jovem estudante de Direito. Meses depois, Rogério aproveitou uma de suas férias letivas para acompanhar Minotauro em uma temporada de lutas em Miami.
Foi sua viagem de transformação pessoal — e de passagem para o mundo do esporte profissional. Ao longo de três meses, Rogério foi sparring (parceiro de treino) do irmão, que fora do ringue o incentivava a virar lutador. "Foi a oportunidade para que ele percebesse que é mais válido ganhar a vida fazendo o que se gosta", conta Minotauro. "O sucesso depende muito mais da sua força de vontade e da dedicação do que de golpes de sorte."
Na volta ao Brasil, a família desaprovou a novidade. "Meu pai não queria de jeito nenhum", diz Rodrigo. "Mas meu irmão e eu conversamos um bocado com ele para que entendesse que era a melhor escolha." Após uma maratona de convencimento paterno, a decisão foi aceita, apesar de o pai ter insistido para que Rogério ao menos terminasse a faculdade.
"Aquele era o momento, tinha de ser naquela hora", relembra Rogério. Na dúvida, o jovem lutador resolveu trancar a matrícula e, se em um ano não tivesse resultados positivos, voltaria para seguir a carreira em Direito.
Rogério começou bem. Estreou com vitória, em março de 2001, numa luta no Japão. Já no primeiro combate recebeu remuneração equivalente ao que Rodrigo só receberia após oito lutas. Juntos, os irmãos Nogueira desenharam uma longa e bem-sucedida trajetória nas artes marciais mistas (MMA, em inglês), o nome dado ao vale-tudo após a inserção de algumas regras.
Mesmo tendo treinado juntos desde a infância, Rodrigo e Rogério não lutam oficialmente um contra o outro. Não só porque são de categorias diferentes, mas porque o relacionamento entre ambos é prioridade. "Não subiria no octógono para lutar com o Rogério em hipótese alguma", afirma Rodrigo.
Apoio de fora
Se faltou incentivo do pai, sobrou do ex-sogro. Luís Fernando Alonso, pai de sua namorada na época, foi o principal responsável pela entrada — e pela saída — de Rogério no mundo da advocacia. Funcionário da Souza Cruz, Luís Fernando, falecido em 2005, tinha então contato com os grandes escritórios de advocacia cariocas e indicou Rogério para um estágio no Gama e Silva Advogados.
"Rogério era muito esforçado e elogiado no escritório, fazia tudo direitinho, mas meu pai ficava falando para ele o tempo todo que tinha que largar tudo e ir lutar", afirma Marcelo Alonso, filho de Luís Fernando. "Meu pai gostava demais do Rogério. Às vezes ele estava lá no Japão, ganhava uma luta e ligava para meu pai chorando para contar." Rogério chegou a morar com eles por três meses devido a problemas financeiros. O namoro acabou faz tempo, mas a amizade com o ex-sogro ficou.
A determinação sempre foi marcante na personalidade de Rogério. É ela, inclusive, que mantém o lutador fora do circuito de glamour e luxúria dentro do UFC. Assim como no futebol, a fama, as mulheres e o dinheiro muitas vezes acabam subindo à cabeça dos atletas.
"Tem gente que luta bem enquanto não tem dinheiro, depois que junta uma grana começa a perder rendimento. Isso nunca aconteceu com o Rogério", diz Rodrigo Minotauro, que lembra que o foco sempre foi uma das principais virtudes do irmão. "Nosso Ensino Médio foi em um curso técnico em elétrica e ele sempre era o mais concentrado", lembra Rodrigo. "Enquanto eu consertava um circuito, ele arrumava seis."
Casos de família
Para o pai, o sonho de construir um escritório de direito tributário foi realizado. Júlio, o mais velho dos irmãos Nogueira, seguiu o rumo desenhado pelo patriarca, que, embora tenha entendido a opção dos gêmeos, só acompanha de longe a carreira dos dois. A mãe, por sua vez, prefere não assistir às lutas.
"Ela até já foi, mas disse não gostar", conta Rogério. Quem também não vê o lutador no octógono é a filha Valentina, de 2 anos. Fruto de um relacionamento antigo, a pequena costuma desmanchar o coração do gigante, além de ser responsável por enormes sacolas de presentes que o lutador carrega aeroportos afora.
Minotouro acredita ainda ter cerca de "cinco anos de lenha para queimar" antes de sua aposentadoria. No futuro, a gestão da rede de academias Team Nogueira deverá ocupar integralmente o tempo do lutador, que também faz suas vezes de administrador. "Eu gosto muito de acompanhar os negócios da academia."
Atualmente a Team Nogueira tem unidades em San Diego e no Rio de Janeiro, mas há planos de abrir unidades na Flórida, na Suíça, nos Emirados Árabes e em São Paulo. Os irmãos Nogueira vêm se mostrando hábeis também na gestão de carreira e treinamento de novos atletas.
O megacampeão Anderson Silva ainda treina com Rodrigo e Rogério. De olho no futuro de administrador de academias, Rogério buscou um curso de gestão de academias e negócios no MMA Millionaire, instituto em San Diego, na Califórnia. Quando está estudando, Minotouro diminui o ritmo do treinamento.
Não gosta de ser incomodado. Quando o pessoal fala que ele está se descuidando, Rogério retruca: "Falo que estou focado no meu treinamento mental", diz, brincando. Essa concentração no que é importante para a carreira faz de Rogério um caso especial. E mostra que é preciso esforço para manter um alto desempenho — mesmo quando você está fora do octógono.