Paula Martinelli: mudança de hábitos permitiu deixar o emprego e se tornar freelancer (Camila Fontana / VOCÊ S/A)
Da Redação
Publicado em 11 de junho de 2014 às 13h33.
São paulo - No fim de 2013, seis em cada dez brasileiros tinham algum tipo de dívida, segundo pesquisa da Confederação Nacional do Comércio (CNC). E um terço desse total já estava com pelo menos uma parcela ou fatura em atraso. Mais do que os efeitos sentidos diretamente no bolso e no padrão de vida, o endividamento afeta o desempenho no trabalho.
Diversos estudos apontam que ter dívidas deixa as pessoas menos concentradas e difculta a tomada de decisões importantes para a carreira, como batalhar uma promoção ou mudar de emprego. Uma pesquisa global da seguradora MetLife, por exemplo, apontou que 78% das empresas notam queda no desempenho de empregados com dívidas.
"Focar em uma coisa significa que seremos negligentes com outras", dizem o psicólogo Eldar Shafr, da Universidade Princeton, e o economista Sendhil Mullainathan, da Universidade
Harvard, que uniram seus campos do conhecimento no livro Scarcity: Why Having Too Little Means So Much ("Escassez: por que ter muito pouco signifca tanto", ainda sem tradução no Brasil). No livro, eles apontam semelhanças entre os diversos tipos de escassez.
Para os autores, um orçamento apertado é comparável a outros fenômenos de escassez, como a falta de tempo provocada por uma agenda repleta de reuniões ou episódios de fome.
"Nosso cérebro se orienta automaticamente e de maneira muito forte para nossas necessidades não atendidas", escrevem Eldar e Sendhil. Na maioria das vezes, esse excesso de atenção ao que está em falta acontece sem que a pessoa note o quanto está deixando de lado outros assuntos.
Para ilustrar esse ponto, Eldar e Sendhil recorrem a um estudo sobre os efeitos da fome. Depois de deixar um grupo de voluntários com uma dieta altamente restritiva, os pesquisadores notaram que seus pensamentos se voltavam para a comida até nas situações mais improváveis.
"Quando assiste a um flme, você não se interessa pelas cenas de amor, mas presta atenção em todas as vezes que os personagens comem e no que eles comem", comentou um dos voluntários. Isso acontece por causa de um efeito que os autores batizaram de tunneling, quando se presta tanta atenção em um assunto que se deixa de perceber tudo o que não se refere diretamente a ele.
Nem sempre esse fenômeno é absolutamente negativo. Voltar toda a atenção para um problema pode até ser bom em algumas situações. É por isso, por exemplo, que, quando o prazo de entrega de uma tarefa se aproxima, tendemos a nos tornar mais produtivos.
Com o dinheiro, acontece a mesma coisa: quando os compromissos financeiros se tornam obstáculos à concretização de nossos planos, tendemos a encontrar formas mais criativas de lidar com eles. Foi o que fez a relações públicas Paula Martinelli, de 30 anos, que trocou um bairro nobre de São Paulo pela região central para diminuir seus gastos com moradia e deslocamento.
Assim, ela pôde deixar o emprego para trabalhar como freelancer, com mais qualidade de vida. "A mudança financeira me fez sentir livre para dar uma virada na carreira", diz ela.
O problema, segundo Eldar e Sendhil, é que em situações de escassez nós nem sempre conseguimos escolher quando nossa mente vai se prender a um tema. Pensamos naquele projeto cujo prazo está prestes a estourar não apenas no trabalho mas também quando estamos em casa ajudando os filhos com a lição de casa ou quando temos de tomar uma decisão profssional importante.
É isso que acaba derrubando o desempenho no trabalho. Em casos mais graves, o excesso de foco pode ser ruim até para lidar com o problema em questão, porque a pessoa perde o poder de analisar as alternativas disponíveis.
É o caso, por exemplo, de quem pega um empréstimo com juros altíssimos na tentativa de se livrar de outra dívida e acaba se afundando mais. "As pessoas se comportam de forma míope", dizem os autores. Por isso, aprender a lidar com os obstáculos financeiros de modo que eles não inviabilizem seus demais planos é fundamental.
Foi o que aprendeu a empresária Yumi Costa, de 34 anos, de Campinas (SP). Ela precisou fazer um grande planejamento financeiro para diminuir suas despesas em 30% e realizar, no ano passado, o sonho de abrir um negócio próprio. O plano havia sido adiado por dois anos e meio por causa de um fnanciamento imobiliário e de uma gravidez inesperada.
"Sem o ajuste nas contas, hoje estaria desesperada para que o negócio desse retorno imediato", diz ela.