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Lições do soterramento dos mineiros do Chile, via Harvard

Amy C. Edmondson, professora de Liderança e Gestão da Harvard Business School, conta os fatores fundamentais para o sucesso no resgate dos mineiros do Chile

Amy C. Edmondson: para a professora de Harvard, os líderes de hoje precisam ser mais versáteis e trabalhar com situações contraditórias (Fabiano Accorsi)

Amy C. Edmondson: para a professora de Harvard, os líderes de hoje precisam ser mais versáteis e trabalhar com situações contraditórias (Fabiano Accorsi)

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Da Redação

Publicado em 28 de novembro de 2013 às 19h14.

No dia 5 de agosto de 2010, 700 000 toneladas de uma das espécies mais duras de rocha desmoronaram na mina chilena de San José, no meio do deserto do Atacama, no Chile.

O desabamento soterrou 33 mineiros a cerca de 700 metros abaixo da superfície — o equivalente ao dobro da altura do Empire State ou da Torre Eiffel. Sem feridos graves, o grupo conseguiu se refugiar em um abrigo de 50 metros quadrados, contendo suprimentos para alimentar apenas dez mineiros por dois dias. 

Na superfície, o presidente do Chile, Sebastian Piñera, sabia que a empresa mineradora San Esteban, responsável pela operação, não tinha condições de agir sozinha e, por isso, assumiu a responsabilidade pelo resgate dos trabalhadores. Vários fatores tornavam essa missão quase impossível: a corrida contra o tempo, o risco de novos desabamentos, o local inóspito e a falta de solução conhecida. 

Sem falar da pressão. A expectativa pelo sucesso do resgate não era apenas de alguns poucos envolvidos, mas do mundo inteiro, que acompanhava diariamente o andamento da operação. Somente após 17 dias de trabalho, muitas tentativas e falhas, a equipe de resgate teve um sinal de que estava no caminho certo. 

A broca que perfurou a pedra onde estava o grupo retornou à superfície com um bilhete que deu esperança a todos: “Estamos bem no refúgio, os 33”. O final feliz aconteceu 69 dias depois, com o envolvimento de centenas de profissionais e o resgate dos 33 com vida.

A história dos mineiros chamou a atenção da professora de liderança e gestão da Harvard Business School, a nova-iorquina Amy C. Edmondson, de 54 anos, que estudou minuciosamente o caso, usando as metáforas do resgate para a vida corporativa. 


“Como você gerencia e lidera uma organização temporária, fazendo um trabalho que nunca foi feito antes, e tem sucesso no final?”, diz Amy. O caso dos mineiros — afirma ela — nada tem a ver com mineração, mas com incertezas, desafios e complexidade — algo vivido constantemente pelos executivos. 

“Muitos empresários vivem situações de mercado como essa, sem ter uma resposta clara de como vencer.” Em sua primeira visita ao Brasil, em abril, a professora reservou uma hora para falar com a revista VOCÊ RH sobre as lições de liderança que os mineiros do Chile e a equipe de resgate deram para o mundo. 

O que a levou a estudar o caso dos mineiros do Chile? 

Amy C. Edmondson - Pessoas ao redor do mundo acompanhavam o que aconteceria aos mineiros e a suas famílias. Parecia uma situação impossível e, quanto mais eu lia, mais percebia como o problema era extraordinário. O resgate envolvia centenas de pessoas, vindas de todo o mundo, o que dificultava a comunicação. Era um desafio de recursos humanos sem precedentes, que buscava uma solução desconhecida — além da corrida contra o tempo. Quando os mineiros saíram vivos, quis entender o que contribuiu para o sucesso do resgate.


Depois de estudar o caso, em sua opinião, o que realmente contribuiu para o sucesso do resgate?

Amy C. Edmondson - Para mim, 80% do crédito do sucesso vai para a liderança e 20% para o conhecimento técnico, de engenheiros muito inteligentes. O problema técnico existia, mas o relacionamento interpessoal e a organização para resolver o problema foram essenciais.


Que tipo de liderança exercida foi fundamental nesse caso?

Amy C. Edmondson - Eles gerenciaram a situa­ção usando um mix de características. A liderança tinha três perfis: um era dos mineiros abaixo da terra, outro era do presidente Piñera e de Laurence Golborne (ministro da Mineração), em Santiago. E o terceiro perfil, e o mais importante em minha opinião, era a liderança técnica, comandada por Sougarret (engenheiro escolhido como líder). Olhando especificamente para a técnica, percebe-se que ele tinha de lidar com padrões contraditórios.



Quais “padrões contraditórios”?

Amy C. Edmondson - Sougarret tinha de ser otimista e ter visão de futuro, mas também tinha de ser realista. Era um misto de esperança e realidade, visão futura e pragmatismo. Ele tinha de lembrar o que estava acontecendo, que os mineiros estavam presos, mas também ter esperança e acreditar que eles poderiam sair de lá. Ele também tinha de engajar as pessoas para que elas realmente fizessem aquilo acontecer.

E ele ainda tinha de lidar com as pessoas que vinham de vários países trazendo sugestões de como resgatar os trabalhadores. Ele dizia para os especialistas que viessem e ajudassem, mas precisava discernir sobre o que seria testado. Sabia que precisava inovar e realizar. Todos os dias, ele tentava uma nova forma de chegar até os mineiros, algo que nunca tinha sido feito antes, mas também precisava garantir o progresso já conquistado. São características contraditórias, mas que num cenário complicado servem de exemplo poderoso para os líderes em geral.


O que essas contradições ensinam aos executivos?

Amy C. Edmondson - Dentro da mina, vemos dois perfis de líder: Urzúa dava às pessoas o senso de confiança e passava calma num momento tão terrível. Mario Sepúlveda era energético — o que também inspira as pessoas. Num primeiro momento, os dois arquétipos brigaram, como contrastes que eram. Um achava que o grupo deveria esperar o resgate; o outro queria fazer algo para saírem dali. Em certos momentos, o líder precisa ser calmo, mas também energético.

A contradição da liderança é importante. Esperança e realismo. Inclusão e foco. Censura e inovação. Soa contrastante, mas o que estou dizendo é que, num ambiente desconhecido e de grande complexidade, você não pode escolher entre um e outro. O líder deve ser os dois. O que estamos falando aqui é da versatilidade da liderança. Os líderes de hoje acreditam que um só estilo está bom. Mas acho que, com a dinâmica do mercado que vemos hoje, os líderes precisamser mais versáteis. Precisam ser capazes de imaginar o impossível e de lidar com o provável.



E é possível uma pessoa ter os dois perfis?

Amy C. Edmondson - Sim. Acho que, como desenvolvimento, o líder deveria sair de seu lugar confortável. Um executivo pode ser energético e outro paciente, mas no treinamento deveriam trabalhar para desenvolver a parte que não têm. Deveriam entender quais são suas fraquezas e como trabalhá-las.

Considerando as três lideranças (abaixo da terra, na superfície e no governo), cada uma também deve ter um perfil diferente? As empresas de sucesso terão líderes nos três tipos e níveis. Os mineiros representam a linha de frente das empresas, os caixas de banco, os enfermeiros.

O segundo grupo, dos técnicos arquitetando o resgate, simula a média gerência. E o terceiro grupo, dos políticos, é o executivo sênior, o responsável por toda a empresa. O que eles têm em comum é o comprometimento com um único propósito e também uma necessidade por disciplina, estrutura e comunicação. Mas a essência da liderança varia muito nesses três grupos.
 

Existe uma essência ideal para cada um dos três grupos?

Amy C. Edmondson - O líder operacional sabe o que fazer e precisa inspirar, motivar e suportar as pessoas para realizar o trabalho. Ele é sensível às suas necessidades; sabe ouvir, é presente e está disponível. Não é intimidador nem gera medo. A média gerência roda a organização

. Esses líderes estão em uma posição incerta: não sabem como será o futuro. Por isso precisam correr riscos, pensar à frente, ouvir atentamente, ter conhecimento e filtrar. Assim como no resgate dos mineiros, precisam ouvir um jovem engenheiro de 24 anos que disse “Eu acho que seria melhor usar esse tipo de broca”, que nunca tinha sido usada

. E precisam pensar: “Isso pode funcionar”. E, no nível mais alto, o mais importante de seu trabalho é a visão positiva, inspiradora, para criar uma cultura de confiança, de dignidade e comprometimento. É seu trabalho prover recursos e proteção, para que o foco em inovação e a execução do trabalho não sejam contaminados. São eles que ditam o tom de toda organização.



Em se falando de tom, o presidente Piñera disse: “Nós vamos trazê-los vivos ou mortos”. Esse tom foi adequado?

Amy C. Edmondson - Isso é muito forte. Todos se perguntavam por que ele estava sendo tão negativo. Mas é claro que ele devia dizer “mortos”. Claramente havia um sentimento muito forte de que a equipe de resgate não chegaria a tempo de encontrar os mineiros com vida. E o que o presidente estava fazendo era se comprometer com as famílias e com o time. Se ele tivesse dito “vamos trazê-los vivos”, a certa altura, lá pelo dia 20, a equipe de resgate diria ser impossível tirá-los de lá. Ele estava sendo realista — e assegurando que ninguém desistiria.


Além dos perfis (e dos papéis) da liderança, o que mais contribuiu para o sucesso da operação?

Amy C. Edmondson - O que me chamou a atenção nesse caso foi como os indivíduos fazem coisas incríveis quando têm um propósito. E, se é possível fazer isso em uma grande crise, dá para fazê-las fora da crise também. O que eles fizeram é exatamente o que gostaríamos que outros trabalhadores fizessem — que é ter um tremendo senso de partilha, alinhamento com as metas e suporte uns aos outros.

Eles criaram uma identidade e passaram a se chamar “Os 33 mosqueteiros”. Não importa como se chamavam, o importante é o senso de “nós” e não “eu”: “Eu quero mais comida, mais pagamento, mais isso ou aquilo”. Somos “nós”: “Nós estamos juntos nisso”. Claro, não significa que a empresa vai pedir para os trabalhadores se sacrificarem, mas os executivos podem fazer com que as pessoas se sintam mais conectadas umas às outras e dispostas a se ajudar.

Isso é o tipo de coisa que faz você acordar de manhã e ir trabalhar, porque lá você encontra seus amigos. E qualquer ambiente corporativo pode fazer mais para compartilhar, motivar e enobrecer sua equipe. É trabalho do líder descobrir o que inspira os funcionários a fazer mais. Se ele não sabe dizer o que é, ninguém o seguirá. 


É possível criar esse senso fora de uma crise?

Amy C. Edmondson - Durante a crise é mais fácil. Mas é muito preocupante se uma companhia esperar um conflito para fazer com que os funcionários trabalhem integrados. Isso é terrível. Nós sabemos que a crise é um fator de integração e motivação e faz as pessoas dar o melhor de si. A questão é como obter o melhor das pessoas fora da crise?

O poder do propósito, visão, ou seja lá qual for a palavra que você usa, é algo maior do que o indivíduo. Não importa qual o negócio, o líder deve saber responder: “Por que é importante para o mundo que eu exista?” ou “O que essa empresa faz para haver um mundo melhor?”. Se ele não conseguir responder a essa pergunta, é melhor sair e deixar alguém que saiba. Os bons líderes sabem como ter o melhor das pessoas, mesmo na falta de uma crise.
 

E como os profissionais de RH podem apoiar os líderes nesse caminho?

Amy C. Edmondson - Acho que de duas formas. Uma é agir como coach e suportar as pessoas em função de liderança, dando feedback e melhorando suas habilidades. E também pode criar práticas formais de desenvolvimento. Há programas formais e aqueles que você aprende com seu redor. Dizem que a cultura corporativa funciona como um programa de treinamento de 24 horas, o que é uma boa e má notícia. A boa notícia é que, se a empresa tem uma boa cultura, tudo vai funcionar. Do contrário... O papel do profissional de RH é fazer com que o líder molde uma boa cultura.

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