Ambev - Fábrica de RHs (Divulgação)
Da Redação
Publicado em 26 de novembro de 2013 às 18h37.
Nas esteiras e máquinas da Ambev, a cada ano são produzidos 165 milhões de hectolitros de cerveja, refrigerante e outras bebidas, como chás e energéticos. Da mesma fábrica, nos últimos anos uma gama de profissionais de RH tem se espalhado pelo mundo corporativo. São executivos cobiçados pelo mercado para replicar ou ao menos levar um pouco do modelo de gestão de pessoas da cervejaria. Foi da Ambev e, antes, da Brahma que saíram os líderes de RH da Dasa, da HP, da Gafisa, da Andrade Gutierrez, da Mexichem, da Arezzo, do Iguatemi, entre outras empresas.
Se por um tempo a cultura da cervejaria de trabalho intenso, competição e cobrança foi tachada como agressiva (com alguns processos trabalhistas nas costas), hoje ela está em alta. Headhunters têm recebido pedidos para selecionar profissionais de recursos humanos que passaram pela companhia ou que tenham características associadas aos seus executivos. E quem foi de lá é procurado para indicar amigos com o mesmo perfil. Traduzindo: pessoas com foco em resultados e conhecimento de negócios. “Nesse perfil, a Ambev não é a única a formar, mas forma bem, e fica à frente de outras companhias quanto ao peso que dá ao currículo”, diz Luís Arrobas, sócio responsável pela área de varejo e bens de consumo da empresa de recrutamento 2Get.
O peso da Ambev no currículo de profissionais de recursos humanos é equivalente ao de uma escola conceituada, aos olhos do mercado e de quem passou por lá. Fala-se com respeito sobre o sistema de remuneração variável, sobre as ferramentas de gestão, de avaliação de desempenho e sobre os programas de treinamento e seleção da área de gente e gestão (e não RH). “A Ambev prepara os profissionais em todos os níveis, do chão de fábrica aos diretores”, diz Janaina Ferreira, professora de gestão de pessoas e liderança do Ibmec, no Rio de Janeiro. “Na área de recursos humanos, há metodologias complexas, meritocráticas e transparentes.”
Foram essas ferramentas as apostas iniciais da carioca Isabel Medeiros, de 32 anos, na diretoria de gente e gestão do Grupo Trigo, depois de passar seis anos na Ambev, onde começou como estagiária e chegou a comandar o RH de uma unidade do norte fluminense. Inicialmente dirigindo a área no Spoleto, uma das marcas do grupo, ela organizou um plano de metas, estruturou o modelo de cargos e salários e introduziu as reuniões de gente, como são chamados na Ambev os encontros para avaliação dos funcionários, além de levar o nome da área. “Muitas empresas têm esses sistemas, mas aprendi na Ambev”, conta Isabel. “Tudo funcionou por causa do alinhamento com os sócios, e por não ter perdido de vista a cultura da nova organização”.
O princípio da Ambev de investir nas pratas da casa — que no ano passado rendeu 5 000 promoções verticais e cerca de 7 000 horizontais entre os seus 28 853 funcionários — foi reforçado pelo mineiro Rodrigo Pádua na Gafisa. Desde que assumiu a diretoria de gente e gestão da construtora, em 2006, Pádua criou um programa de trainees e deu fôlego ao programa de estagiários, que hoje forma 200 jovens por ano, ante apenas cinco até sua chegada. “Essa aposta em pessoas de dentro da empresa vem dos tempos de Ambev, mas não precisei vender a ideia, pois a Gafisa acredita nisso”, conta Pádua, de 38 anos, que entrou na Brahma como estagiário de RH em 1996 e ficou até 2005.
Indicadores no sangue
Mais do que a busca por ferramentas de recursos humanos eficientes, é na cultura vivenciada na Ambev e no perfil de quem entra e se forma lá que se encontram os ingredientes para explicar o fato de tanta gente egressa da empresa estar no comando do RH de outras companhias. “Quem trabalhou na Ambev tem experiência no uso de ferramentas de gestão, mas isso é commodity”, diz Vicente Ferreira, vice-diretor de educação executiva do Coppead, no Rio de Janeiro. “O que chama atenção é o estilo e a formação do profissional.” Do estilo de gestão da cervejaria, a primeira característica de interesse é o foco em resultado — item corriqueiro em briefings de vagas. “Na Ambev, ninguém sobrevive sem metas”, diz Claudio Garcia, presidente da consultoria em desenvolvimento de talentos LHH/DBM, que também trabalhou na Brahma nos anos 1990. “No caso do RH, a busca de resultados é para suprir o que os gestores de linha precisam, como recrutar e treinar no tempo certo.” A orientação para isso é ter tudo quantificado. “As metas têm de ter valor e prazo, ou não são metas”, diz Sandro Bassili, vice-presidente de gente e gestão da Ambev. “Independentemente da área, a gestão é igual, com desdobramento de metas e planejamento. Quem sai da Ambev leva esse modelo de negócios na cabeça.”
Criar metas e indicadores foi uma lição levada para o RH do Iguatemi pela pernambucana Anna Karla Ribeiro, de 39 anos, que trabalhou na Ambev entre 1995 e 2004. Chamada para transformar o departamento pessoal da empresa de shoppings num RH mais estruturado, Anna logo implementou o gerenciamento de rotina, mapeando os processos da área, como ditavam os ensinamentos de Vicente Falconi, consultor que ajudou a moldar o sistema de gestão da Ambev. Quando mostrou números sobre cada processo, acabou sendo requisitada para apresentar o modelo para os responsáveis por outras áreas do Iguatemi. Desde que entrou na companhia, em 2010, já criou cerca de 60 indicadores para medir o desempenho da área de recursos humanos em questões como rotatividade e treinamento. “Mostrando os resultados que obtivemos, consegui renegociar a verba de treinamento no meu segundo ano de trabalho”, conta Anna, hoje diretora de RH do Iguatemi. O padrão de comportamento absorvido da cultura Ambev é uma aposta de recrutadores. “A empresa que contrata percebe que esse RH tem capacidade de engajar os funcionários e gerar resultados”, diz Marisabel Ribeiro, líder da área de gestão de talentos da consultoria Mercer.
O intuito de motivar os funcionários para obter melhores desempenhos serviu de base para os treinamentos do grupo de medicina diagnóstica Dasa. Por causa de lacunas na formação e no serviço prestado por enfermeiros na coleta de sangue, o diretor de gente do grupo, Marcelo Rucker, criou um processo de certificação para os coletadores dos laboratórios. Desde agosto do ano passado, são selecionados os melhores coletadores para fazer um curso, inclusive de língua portuguesa, para se tornarem instrutores. “Não fazemos treinamento só por treinar. Temos foco em crescimento”, diz Rucker, que trabalhou na Brahma e na Ambev de 1987 a 2005 em cargos operacionais e de RH. “Quando mexemos na qualidade, o colaborador busca mais treinamento.” Rucker diz que investe também no reconhecimento público dos funcionários bem avaliados, algo que, segundo ele, não era muito enfatizado na cervejaria.
Perfil híbrido
Em empresas como a Ambev, a palavra resultado não faz parte somente do vocabulário da área comercial. Faz sentido também para o RH, pois reflete o contato que a área tem com o negócio — o tão falado e desejado RH estratégico. Essa visão é estabelecida na estrutura da área de gente e gestão. Funções mais operacionais são executadas num centro de serviços compartilhados, enquanto o RH se concentra na estratégia. “Entre as atribuições da equipe estão a definição das políticas de gestão de gente, o desdobramento de metas e o apoio técnico aos gestores de cada setor para serem eles os gestores de pessoas”, diz Bassili, da Ambev. É nessa função de instrumentar gerentes e diretores, com treinamentos para recrutar e avaliar os talentos, algo em voga hoje, que headhunters veem um aprendizado fundamental e valioso no mercado. “Para fazer seutrabalho, o RH da Ambev tem que entender o que está acontecendo em campo. Quem sai de lá sabe falar com todo mundo da companhia”, diz Magui Castro, sócia da CT Partners.
Além de falar a língua do negócio, outra característica demandada no mercado é a exposição ao negócio. “Na Ambev, há muita gente que era da área operacional ou de vendas e foi para o RH, e vice-versa. Esse perfil híbrido é tudo que o mercado quer”, diz Willian Bull, consultor sênior e sócio do Instituto Pieron, de gestão de pessoas. Anna Karla, do Iguatemi, foi uma dessas apostas. Durante o processo de seleção para uma vaga de supervisora de refrigerantes na filial nordestina da Brahma, Anna, que é formada em engenharia química, foi convidada para ser analista de gente e qualidade. No período em que esteve na cervejaria, chegou a atuar como mestre cervejeira, mas decidiu voltar ao RH. No Iguatemi, ela fica de olho nos negócios: passou um mês visitando shopping centers para organizar melhor o sistema de treinamento.
O olhar do RH sobre gestão é uma das coisas que Antonio Salvador, diretor de recursos humanos da HP, diz levar da experiência na Brahma nos anos 1990. No último cargo que teve na cervejaria, Salvador era gerente de gente de uma unidade responsável pelo Centro-Oeste e ficava ao lado do gerente de vendas, acompanhando o desempenho de fábricas e revendas. “O conceito do RH na empresa é como um negócio, que deve adicionar valor”, diz Salvador. “E o modelo de gestão é baseado em gente. Foi isso que fez eu me apaixonar pela área de RH.” O executivo, hoje com 45 anos, começou na Ambev na área de comunicação interna em 1994. Ele foi o responsável por comunicar a mudança das funções e do nome da diretoria de recursos humanos para gente e qualidade, como foi chamada inicialmente. A mudança, que serviu de base para o estilo do RH atual, se deu no fim da década de 1990, quando a companhia teve auxílio de Vicente Falconi.
Outro aspecto cultural da Ambev visto como definidor de um estilo de peso é a quebra de hierarquia. Não há barreiras entre a sala do chefe e seus subordinados. “Se há um problema, a pessoa fala cara a cara. Há um senso de urgência”, diz Willian Bull, do Instituto Pieron. A assertividade é um dos itens de uma lista de competências associadas aos profissionais da companhia. Seja por características próprias ou adquiridas da cultura empresarial, não é raro ouvir falar num “perfil ambeviano”. Além de incluir foco em resultados e visão estratégica, a expressão é usada para definir pessoas que “aguentam o tranco”, são pragmáticas, dinâmicas e têm sentimento de dono. “Há uma cultura de dono do negócio, em que as pessoas têm uma visão mais sistêmica da empresa e buscam soluções para problemas em qualquer área”, diz Adriana Oliveira Garcia, de 41 anos, que trabalhou na Brahma de 1991 a 1997 e hoje é diretora de RH da Mexichem Brasil. “Tenho trabalhado esse sentimento no nosso programa de desenvolvimento de líderes.” No caso do RH, o sentimento de dono fomenta um espírito de negociador. “A equipe de gente e gestão da Ambev busca cortar custos até na conversa com fornecedores de serviços de recursos humanos”, conta Bull.
A atitude chamada de ambeviana é forjada na seleção meticulosa dos profissionais que entram na organização e na seleção natural de quem fica, pelo processo de meritocracia “Se a pessoa não for boa, ela perde o lugar”, diz Adriana, da Mexichem. “A fila anda para dar espaço a quem tem talento.” O reconhecimento dos talentos — representado por promoções e bônus generosos que passam de dez salários — estimula os profissionais, mas também gera competição. Fonte de críticas à Ambev no passado, a ênfase na meritocracia passou a ser mais aceita e vem ganhando adeptos nos corredores corporativos. “Não se pode tratar igual pessoas que são diferentes”, diz Salvador, da HP. “O mercado pressionou as empresas a ter práticas mais globalizadas como essa.”
Não basta ter um ambeviano
De olho no “perfil ambeviano”, Isabel Medeiros, do Grupo Trigo, recrutou um ex-colega da Ambev para ser seu braço direito e outro para a diretoria de operações. “O mercado está se igualando em questão de formação. O que diferencia os profissionais são as atitudes”, diz. A procura é alta por pessoas com atitudes “ambevianas”. Por mês, Rodrigo Pádua, da Gafisa, recebe duas ou três ligações com pedidos de indicação de companheiros da época da cervejaria para transformar o RH de companhias menores.
“Geralmente pedem alguém que entenda de negócio, que tenha cultura de resultado”, diz Pádua. “Mas às vezes fico na dúvida se a empresa em questão está pronta para o pacote gente e gestão.” Ele alerta que a cultura meritocrática e de foco em resultados pode ter momentos duros, como anos em que a empresa tem lucro mas não paga bônus pelo fato de os setores não terem atingido suas metas. “Comunicar isso não é fácil”, observa.
Na busca de replicar o modelo Ambev, há organizações que copiam o nome da área de gente e gestão sem nem mesmo ter alguém que tenha sido da cervejaria no comando do RH. A ideia é usar como referência as práticas da Ambev. Mas, como alertam os consultores, o caminho para passar de um departamento pessoal para um RH estratégico é longo.” Às vezes falta definir competências e um modelo de cargos e salários, o que pode levar até quatro anos”, diz Marisabel Ribeiro, da Mercer. “Quem saiu da Ambev experimentou um RH estratégico e está capacitado para implementá-lo, mas a nova companhia nem sempre está pronta.
” Um diretor de RH recebeu um convite de uma empresa que queria explicitamente um profissional com Ambev no currículo. Ao ver que a organização não estava preparada para o pacote, recusou. Essa precaução na análise das ofertas é fundamental para o profissional de recursos humanos. Magui Castro, da CT Partners, aconselha os executivos que saem da cervejaria a ter certos cuidados em outros ambientes. “Geralmente, eles passam a ter menos autonomia, não podem arriscar tanto”, diz a consultora. “E o profissional que foi da Ambev não perde a adrenalina e o pulso.”