Há uma competência crucial que a faculdade não ensina a advogados (Thinkstock)
Da Redação
Publicado em 14 de agosto de 2018 às 15h00.
Última atualização em 14 de agosto de 2018 às 15h00.
Não importa o quão compreensiva é a graduação, há aprendizados que vêm de forma muito mais eficiente com a experiência prática. No caso do Direito, a habilidade de multidisciplinaridade é muito útil para os advogados em atividade, embora pouco desenvolvida durante a fase de estudos.
“A preparação do estudante pela faculdade é ainda muito distante da realidade da atuação dele como profissional”, afirma o advogado Joaquim José Aceturi de Oliveira. E isso é realidade para alguém que vai trabalhar em escritórios (de todos os portes), ou para quem vai atuar como juiz, por exemplo.
“Como o diploma de bacharel em Direito pode ser usado em diversas carreiras, a faculdade acaba tendo um componente teórico muito forte, para cobrir todas essas opções.”
Exatamente por conta disso ter feito um estágio durante a graduação é um dos requisitos para muitos contratantes. “A distância [dos estudos] da vida prática é muito grande”, resume o advogado.
No Cescon Barrieu (antigo Souza Cescon), do qual ele é sócio e CEO, Joaquim considera que o tempo de adaptação dos novos colaboradores ao dia a dia da profissão foi diminuído com um treinamento, que transmite conhecimento a que elas teriam, eventualmente, acesso, mas em momentos e situações diferentes.
Ao longo dos anos, os sócios do escritório passaram a implementar treinamentos específicos em suas áreas. Com formatos e periodicidades diferentes, as formações promovidas traziam conhecimentos práticos, atualizações e ferramentas para o cotidiano dos advogados.
A inspiração inicial veio de fora: “vários dos nossos sócios trabalharam no exterior. Principalmente lá nos Estados Unidos, eles têm esse conceito de continuing education, que é, na verdade, uma exigência da Bar Association, que equivale à nossa OAB”, retrata o CEO do Cescon Barrieu. “Esse assunto sempre esteve muito vivo aqui dentro – e as pessoas foram fazendo, individualmente, em todas as áreas”, completa.
No entanto, de uns anos para cá, o volume de material acumulado ficou muito grande. Juntou-se a isso a vantagem de aumentar a atratividade do escritório e o interesse interno dos colaboradores – que ficou claro em pesquisas, conversas e entrevistas – e a formação foi esquematizada e “oficializada”.
“A gente resolveu agrupar todas essas iniciativas e sistematizar esse tipo de treinamento, ou aperfeiçoamento, que é o que nos EUA eles chamam de ‘continuing education’”, explica Joaquim. Divulgar e abrir o acesso para todas as áreas da empresa auxiliou na integração entre os profissionais e fez com que tivessem facilidade em olhar os assuntos do ponto de vista acadêmico.
Uma preocupação existente é utilizar uma linguagem e oferecer conteúdo que possam ser aproveitados por quem está em intervalos diferentes de carreira, segundo o CEO. “O nosso próximo passo é trazer pessoas de fora para falar sobre temas não necessariamente jurídicos”, diz.
Esquematizar a formação, como foi feito no Cescon Barrieu, permite que se tenha dados para analisar o que mais pode ser feito com o objetivo de acelerar e complementar a formação dos integrantes do escritório. Mas, mais que isso, desenvolve um tipo de habilidade valiosa para os advogados: a multidisciplinaridade.
Na prática, essa competência se mostra na “capacidade de ter uma conversa além daquela sua área específica de atuação”. “Em uma discussão, você sempre tem outros pontos que aparecem e é muito positivo, tanto para o profissional quanto para o cliente, se ele consegue identificar esse ponto, entender sua relevância e sabe encaminhar esse assunto dentro do escritório”, destaca o CEO do Cescon Barrieu.
“E isso é importante para que essa pessoa demonstre para o cliente que ela tem conhecimentos de outras áreas”, complementa ela. Não só isso: também destaca o escritório como um lugar em que a multidisciplinaridade impulsiona as práticas diárias.
“A intenção não é que a pessoa tenha um conhecimento técnico ou conhecimentos profundos daquela matéria, é ela entender do assunto”, diz Joaquim. “A multidisciplinaridade é um conceito muito importante para a evolução da carreira.”
E como desenvolvê-la por conta própria? Nesse caso, o interesse é o primeiro passo e é fundamental que ele exista, de acordo com o advogado. “Você tem que acompanhar discussões de outras áreas, ou de sócios mais experientes”, destaca o CEO do Cescon Barrieu. O objetivo deve ser sempre olhar “com muita atenção” aquilo que acontece ao redor da sua função específica.
Dá para fazer isso participando das reuniões, pedindo para ser copiado nos e-mails das discussões correntes, por exemplo. A tecnologia também ajuda: “toda vez que ver algum tema que acompanhou e não entendeu, você sempre pode ler algum artigo muito simples sobre isso”, afirma Joaquim.
Além disso, “o mais óbvio e, às vezes, o mais difícil”, que é procurar o sócio ou advogado da outra área e pedir ajuda. “Eu sempre falo para as pessoas aqui do escritório que quando os mais seniores são demandados com esse tipo de pergunta, a reação é sempre muito mais positiva do que elas imaginam”, esclarece ele. “A interação entre os profissionais é o determinante.”
A importância de desenvolver a habilidade de análise sistêmica (e as dicas) valem para todas as carreiras no Direito, inclusive as públicas. “O juiz vai ter muito mais propensão de observar qual a decisão mais correta se, além daquela questão meramente técnica, de aplicação da lei, ele tiver conhecimento de como as coisas funcionam no dia a dia”, exemplifica o CEO.