Engenheiro conta como é (realmente) trabalhar no BNDES
O trabalho de Filipe Bordalo é acompanhar participações estratégicas do banco. “Queria contribuir de alguma forma para seu desenvolvimento do país", diz
Claudia Gasparini
Publicado em 19 de outubro de 2016 às 15h00.
Última atualização em 19 de outubro de 2016 às 15h14.
Fundado em 1952, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem como principal objetivo financiar a longo prazo a realização de investimentos em todos os segmentos da economia – de âmbito social, regional e ambiental. Hoje é um dos maiores bancos de desenvolvimento do mundo, com bilhões de reais para investir e cerca de três mil funcionários. Um deles é Filipe Bordalo, que já atuou com estaleiros, navios e plataformas de petróleo e hoje acompanha a gestão das empresas em que o banco tem participação estratégica.
Formado em engenharia tanto pela UFRJ quanto pela École Centrale Paris, onde estudou como bolsista da Fundação Estudar, ele não teve dificuldades na hora de escolher sua graduação. “Sempre gostei de exatas e me pareceu um caminho natural, que dava boas oportunidades de colocação no mercado”, explica. “E eu sabia que um duplo diploma poderia me abrir portas no futuro, porque não é uma experiência com uma meia dúzia de matérias.”
De volta ao Rio de Janeiro e ainda na universidade, tomou gosto por finanças e passou a estudar matérias que lidavam com o mercado financeiro. Queria aumentar seus conhecimentos sobre a indústria – e já estava de olho no setor público. Cogitou outros órgãos, como o Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários, mas o BNDES despontou como sua opção preferida.
“Eu queria trabalhar no setor público porque, ao contrário daqueles que pensam que é um lugar para amarrar seu bode à sombra, se você quiser, é possível fazer algo legal”, explica. “Minha motivação é achar meu trabalho muito interessante – e é um lugar que permite que eu tenha qualidade de vida, porque dificilmente saio daqui à meia noite.”
A vontade veio de suas experiências anteriores em consultorias, onde as jornadas costumam ser longas. Para ter certeza de que aquele era o ambiente ideal tanto em termos de horas quanto em termos de autonomia profissional, Filipe pesquisou a estrutura e conversou com funcionários. “Eu não queria ser cerceado e não conseguir trabalhar [por ser um banco público]”, fala.
Estudou para o disputado concurso público focando também no conteúdo que poderia não cair. “Não tem fórmula mágica: destrinchei todos os itens do edital do concurso, busquei a literatura recomendada em cada assunto e fiz um curso de preparação”, lembra. “Mas sempre tem uma questão improvável, que diferencia os candidatos. Para o óbvio, todo mundo se prepara.”
Passou a integrar o quadro do BNDES um ano depois de formado, em 2012. Foi alocado no departamento de gás e petróleo, onde financiava plataformas. “Há a plataforma de petróleo e os navios que a suprem com alimentos, âncoras, dutos submarinos. O que eu fazia era financiar a construção tanto dos navios quanto das plataformas de perfuração”, conta.
Não foi parar ali por acaso. O setor naval crescia no portfólio do banco desde 2003, quando o governo federal passou financiar mais armadores e estaleiros nacionais. Depois que as bacias de pré-sal foram descobertas no Brasil, em 2006, o quadro de investimentos se intensificou.
Em seu segundo ano de BNDES, Filipe começou a atuar em projeto específico e de grande escala: o financiamento de uma grande empresa de construção naval, diretamente envolvida com a exploração do pré-sal. Apesar de dois anos de trabalho e um apoio de bilhões por parte do banco, ele não conseguiu ver o projeto se concretizar por motivos externos, mas vê a época como um momento de grande crescimento profissional.
“Era uma modalidade de project financing, ou financiamento de projeto, em que você monta toda a estrutura de garantia e de metas baseada no projeto propriamente dito e não na empresa em si – é o contrário de um financiamento corporativo”, explica.
Na prática, significava analisar muitos contratos complexos e customizados, além de manter contato com outros bancos e agentes do mundo inteiro. Era uma carga grande de responsabilidade. “Assumi frentes de negociação com um ano de banco e aprendi muito sobre as partes jurídica e de engenharia naval”, lembra ele. “Era uma estrutura financeira muito mais complexa e cheguei a ter mesas de negociação com cinquenta pessoas.”
Papéis e papéis
Por estar no setor público, Filipe precisou se acostumar com o controle rígido exigido pelas políticas de transparência. Além de auditorias internas e externas – que também existem no setor privado –, é preciso estar preparado para apresentar seus papeis prontamente ao Tribunal de Contas da União e à Controladoria-Geral da União, além de explicar decisões para a imprensa e para a sociedade.
“Você está sendo auditado praticamente o tempo todo por todo mundo, o que gera uma burocracia muito grande”, fala. “Por mais simples que seja o processo, ele precisa ser registrado e aprovado por posições hierárquicas altas e passar por comitês. Tudo precisa ser previamente justificado.”
É uma posição complexa para quem faz investimentos financeiros, mas também instigante. “Apesar de toda a burocracia, você encontra a maioria das pessoas muito motivadas para fazer um trabalho excelente.”
Troca
Quando o projeto no setor naval se encerrou, Filipe voltou ao financiamento de navios de plataforma. Um pouco desmotivado, pediu para mudar para o departamento de renda variável e atuar no mercado de capitais, onde está atualmente.
(Além de ter acesso à mobilidade interna, funcionários do banco podem crescer concorrendo a promoções anuais ou buscando cargos de confiança, que são limitados e envolvem, entre outras responsabilidades, representar o BNDES junto a outros bancos e instituições.)
No começo de 2016, ele passou a acompanhar as participações estratégicas do BNDES através da subsidiária BNDESPAR. Aqui, o banco entra como sócio e visa apoiar o desenvolvimento, consolidação e capitalização de empresas brasileiras nas mais diversas áreas. “É uma visão completamente diferente”, resume. “A visão do credor vira a visão do sócio: muda da busca pela minimização de riscos para a busca por riscos controlados com retorno.”
Filipe entrou acompanhando empresas de infraestrutura. Depois da troca na presidência, quando as prioridades e a diretoria do banco mudaram, foi transferido para o setor elétrico. Hoje, acompanha três empresas.
Seu trabalho começa após as empresas já terem sido selecionadas pelo braço de investimentos do banco. É quando se inicia o processo de acompanhamento da participação no capital da empresa: “Muitas vezes temos um acordo de acionistas e, nesses casos, precisamos aprovar mudanças, como uma reestruturação ou a venda de uma subsidiária. É legal fazer parte desse processo”.
Na rotina estão análises das pautas diárias, criação e encaminhamento de relatórios propondo votos e muito estudo. Ele exemplifica: se uma empresa decide adquirir outra, encaminha essa decisão para seus acionistas e espera os votos. Filipe então atualiza o negócio, disseca o fluxo de caixa, os custos e as dívidas e incorpora os achados no valuation, o processo de estimar o quanto vale uma companhia.
“Boa parte do trabalho é acompanhar as notificações e as ordens do dia de conselhos e assembleias, fazer o valuation dessas empresas e a modelagem financeira para calcular qual seria o valor justo das ações dessa empresa”, resume.
Num setor muito regulado como o elétrico, ele estuda continuamente o regulamento da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), mecanismos de leilão e regras de tarifa, entre outras coisas. Está aprendendo. “Meu gerente recomenda leituras de livros e artigos, que estudemos a estrutura do setor e estratégia dos concorrentes. Tudo isso para que na hora que fizermos as propostas de ação para a diretoria elas sejam mais embasadas.”
Gente boa
Durante a crise política brasileira, o banco passou a enfrentar desconfiança por parte da sociedade, assim como muitas outras instituições do setor público. Com seus quase cinco anos de casa, Filipe não hesita em defender os sistemas de segurança criados para coibir o mal uso de recursos públicos.
“Eu de fato acredito que os processos do banco são muito rígidos e passam por uma série de alçadas, comitês e colegiados”, tranquiliza. “É muito difícil ter um furo nesse sistema, que já tem uma série de redundâncias.”
O impacto do escrutínio externo adicional transparece atualmente no crescimento de exigências por órgãos como o TCU e o CGU, que exigem montanhas de documentos para analisar. “Ao comparar meus dois primeiros anos com os dois anos seguintes, vejo que cheguei a passar 30% do meu tempo respondendo esse tipo de questionamento”, calcula. É uma das poucas mudanças na rotina.
O cerne da preocupação social – o que fazer e mudar para criar um Brasil melhor –, no entanto, é compartilhado por ele. “Um dos principais motivos que me trouxe até aqui foi gostar de finanças e acreditar no país”, fala. “Queria contribuir de alguma forma para seu desenvolvimento e, apesar de estarmos num momento que não é muito otimista, sei que temos muitos recursos naturais, muita gente inteligente e tudo pra dar certo.”
Este artigo foi originalmente publicado peloNa Prática, portal da Fundação Estudar