Muito além da velocidade: o trabalho do piloto de testes exige precisão, repetibilidade e capacidade de transformar percepção em informação técnica (Pirelli/Divulgação)
Repórter
Publicado em 22 de dezembro de 2025 às 12h00.
Dirigir no limite, repetir manobras com precisão milimétrica e traduzir sensações em dados técnicos. Essa é a rotina pouco conhecida — e altamente especializada — dos pilotos de testes de pneus, profissionais que ajudam a definir desempenho, segurança e conforto de veículos que chegam ao mercado global.
No Brasil, essa função ganha protagonismo no maior campo de provas da Pirelli no mundo, localizado no interior de São Paulo.
À EXAME, Marcelo Moreno, gerente de desenvolvimento de testes da Pirelli para a América Latina, explica como funciona essa carreira, quais habilidades fazem a diferença, como a tecnologia está transformando a profissão e por que, mesmo com simuladores e inteligência artificial, o fator humano continua insubstituível.
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Um piloto de testes avalia o comportamento que determinado veículo terá em função dos pneus testados. Para isso, realiza os testes em diferentes situações de uso, fornecendo impressões precisas que ajudam engenheiros a validar desempenho, segurança e conforto, entre outras vozes.
Não há uma formação única, mas é comum ter base técnica em mecânica, engenharia ou pilotagem profissional. Também não há requisitos de idade ou experiência. O que conta é capacidade de condução e domínio total do veículo, bem como saber transmitir o que está sendo avaliado.
Não precisa ter experiência prévio no automobilismo. Inclusive, se vierem oriundos das pistas de corrida, os pilotos precisam de ajustes no estilo para dirigir de forma técnica e repetível. Não é ir do ponto A ao B do modo mais rápido, mas sim sempre de forma precisa e avaliando o comportamento do veículo nesse intervalo.
Não existe um único teste mais desafiador; cada um tem suas próprias exigências técnicas. Handling (ou comportamento), frenagem, aquaplanagem, alta velocidade, tudo isso coloca o piloto diante de condições muito distintas, e o desafio está em executar tudo com precisão e repetibilidade para gerar dados confiáveis.
Comunicação clara é muito importante. Não adianta o piloto conseguir fazer todos os testes com precisão, mas não conseguir transformar o que coletou em dados e informação. Consistência e capacidade de manter a calma em situações extremas também fazem a diferença, assim como a sensibilidade para identificar vibrações, ruídos e mínimas variações é essencial e se desenvolve com prática constante e repetição em pistas controladas.
O processo inclui entrevistas, análises comportamentais, avaliações práticas, testes de habilidade com simulações específicas. Buscamos profissionais que tenham uma condução de alto nível e capacidade de interpretar comportamento dinâmico do veículo (carro ou moto).
Não há uma formação única, mas é comum ter base técnica em mecânica, engenharia ou pilotagem profissional para ser um piloto de testes de pneus (Pirelli/Divulgação)
O profissional pode evoluir dentro da própria função, tornando-se cada vez mais especializado em diferentes tipos de teste. Depois, caso tenha as competências técnicas e de gestão necessárias, pode se candidatar a posições de coordenação e liderança das operações do campo de provas ou migrar para área de desenvolvimento de produto, por exemplo.
A tecnologia ampliou as ferramentas de análise, mas também aumentou a complexidade dos carros, motos e pneus. Isso faz com que os testes sejam mais detalhados e refinados, extraindo o máximo dos pilotos. No entanto, a sensibilidade humana ainda é essencial para perceber nuances de comportamento do veículo, principalmente nos testes de conforto (ruído e vibração).
Sim, a simulação tem se desenvolvido muito com o avanço da tecnologia, reduzindo, inclusive a necessidade de construção de protótipos. Porém, quem testa no simulador? Os pilotos! Então, os testes físicos tendem a diminuir, já a carga de trabalho dos pilotos não, porque eles devem testar tanto em ambiente real quanto no virtual.
A escolha do interior de São Paulo foi estratégica. A região está próxima da fábrica de Campinas, do nosso centro de Pesquisa & Desenvolvimento e dos escritórios da companhia, todos localizados em um raio de aproximadamente 100 quilômetros, o que favorece sinergia operacional e agilidade nos processos.
Além disso, o polo concentra diversas montadoras, conta com infraestrutura logística robusta, como uma malha rodoviária de alta qualidade, e está próximo dos principais aeroportos do país, criando condições ideais para o desenvolvimento, testes e validação de tecnologias em escala global.
O maior campo de testes da Pirelli no mundo fica no interior de São Paulo (Pirelli /Divulgação)
Simulamos pista molhada, curvas de alta velocidade, frenagens críticas em diferentes tipos de piso, condições de baixa aderência, off-road, conforto, testes de regulamentação técnica entre outros.
Adotamos protocolos rígidos com inspeções constantes das pistas, veículos, equipamentos de segurança e procedimentos de emergência. Nossas pistas são certificadas por empresas especializadas em segurança e há monitoramento constante de quem está testando em cada pista.
Os riscos são inerentes ao que envolve testes em veículos, como, por exemplo, a perda de controle em condições extremas, mas são sempre mitigados por protocolos e preparação.
No Brasil, atualmente contamos com quatro pilotos de testes. Três especializados na linha Car (automóveis, SUV’s e pick-ups) e um na linha Moto.
A maneira de avaliar é muito similar, mas levamos em conta que nos veículos elétricos, lidamos com maior peso, torque imediato e exigências diferentes de ruído e vibração.
Lidar com uma quantidade cada vez maior de dados e saber interpretá-los, capacidade de avaliar também em simuladores, além de estar alinhado com a tecnologia presentes nos veículos que estão cada vez mais complexos.
A profissão tende a se transformar: será cada vez mais integrada a tecnologias de simulação e análise de dados, mas continuará essencial no direcionamento do desenvolvimento de produto.