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Devo revelar que fui viciado em cocaína?

Escobar, um executivo brilhante, livrou-se da droga há cinco anos. Cotado para a direção de uma empresa, não sabe se deve contar seu passado

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h32.

Paulo Enrique Escobar está no auge da sua carreira de executivo. Diretor de uma empresa de médio porte no setor de varejo, na semana passada ele foi sondado por um headhunter para assumir o comando da subsidiária brasileira de uma grande empresa européia. Este sempre foi um dos objetivos profissionais de Escobar, administrador talentoso e workaholic inveterado, hoje com 43 anos. A entrevista com os europeus está marcada, Escobar sabe que é o candidato mais cotado, mas enfrenta um dilema. No passado, mergulhado no ritmo frenético de sua vida profissional e das badalações sociais que o sucesso lhe proporcionava, Escobar experimentou e depois tornou-se usuário de cocaína. Durante cinco anos manteve o vício, até que um dia percebeu o processo autodestrutivo, iniciou um tratamento e, após meses de altos e baixos, livrou-se das drogas. Seu caso não foi alardeado, mas também não é o segredo mais bem guardado do mundo. Por isso, a dúvida: na sua próxima entrevista, deve dizer que se envolveu com drogas? Mesmo estando livre do vício há cinco anos, ele teme ser descartado pelos europeus. Por outro lado, não falar nada é um risco, pois seus empregadores podem descobrir o fato por outras pessoas, acrescentando ao caso o ponto negativo de ter tentado escondê-lo. O que fazer?

O que eu acho? Meu primeiro instinto é dizer sim, Escobar deve contar. Assim estará mostrando perseverança, obstinação, força de vontade, capacidade de luta - qualidades excelentes para o comando. Afinal, ele já expurgou seus males, não é?

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Depois de alguns minutos refletindo, porém, aquela voz interior começou a me perguntar, de forma insidiosa e matreira - será mesmo que ele conta? Ele não vai ficar inseguro? Como se sentirão os futuros subordinados? E os clientes da empresa que ficarem sabendo do assunto?

É, Escobar, pensando bem, não conte não. Arrisque. Quem sabe você tem a chance de aproveitar um longo período sem que o descubram. Durante esse tempo, sua dedicação, trabalho duro e resultados poderão se tornar uma fortaleza para enfrentar a decepção dos empregadores, se por acaso um dia eles vierem a saber. O que fazer para justificar-se da omissão? Diga apenas que o silêncio foi uma ação estratégica, uma arma de batalha para conseguir o emprego que você tanto desejava e que precisava dessa chance para ter condições de provar sua eficiência sem enfrentar preconceitos.

Liliana Aufiero, diretora superintendente da Lupo

Paulo é um executivo que está no ápice da carreira. Por isso, ele não deveria contar que já foi usuário de drogas. Se o fizer, vai se expor demais e é difícil prever a reação dos empregadores.

Se o vício fizesse parte de um passado recente - um ano ou menos -, então penso que ele deveria contar. Explico. Se a empresa pedir a ele uma batelada de exames minuciosos, como a análise de fio de cabelo, por exemplo, o resultado pode acusar o uso de cocaína e ele seria prejudicado. No Brasil, a solicitação de exames desse tipo é rara. No exterior, nem tanto. Não é o caso de Paulo. Sua história faz parte do passado. Para ganhar esse emprego, ele não deve se mostrar vulnerável. As pessoas contam em entrevistas que já tiveram doenças transmissíveis, estresse ou depressão? Não. Portanto, o fato de ele ter sido usuário de drogas, nesse contexto, também é irrelevante.

Ronaldo Laranjeira, psiquiatra especializado em álcool e drogas pela Universidade de Londres

Como Paulo Escobar já tem um histórico profissional de sucesso pós-drogas, não vejo motivo para ele sair contando o fato para os outros, nem para os entrevistadores, nem para ninguém. A coisa seria diferente se o envolvimento com cocaína fosse recente e essa fosse a sua primeira oportunidade profissional depois do tratamento. Aí sim ele teria que informar os entrevistadores.

O fato de ele estar livre das drogas há cinco anos faz com que o fato seja irrelevante. O problema foi superado, já é coisa do passado. Indagar sobre o assunto seria o mesmo que perguntar se o presidente de tal país fumava maconha quando jovem, ou se tal senador teve um envolvimento extra-conjugal há 30 anos. A pergunta é: e daí? O que interessa é o presente, a capacidade profissional e a competência do executivo, do presidente ou senador. O resto não é da conta de ninguém. Optar por informar aos entrevistadores a respeito seria o mesmo que dar uma importância indevida ao assunto. Caso ele fosse confrontado no futuro pelos empregadores, a posição de Escobar deveria ser a mesma: e daí? Afinal, quem pode afirmar categoricamente que não tem telhado de vidro?

Lucila de Ávila, presidente da Arco Química

Acho que a parte mais difícil para Escobar foi largar definitivamente o vício. É algo que requer coragem e agora ele não deveria ter medo de enfrentar outros desafios por causa do passado. Escobar certamente amadureceu com o processo. Não acho que ele deveria falar que se envolveu com drogas em uma primeira entrevista. Se por acaso algum conhecido maldoso trouxer o passado dele à tona e a empresa questionar o que aconteceu, ele deve ser sincero. Deve admitir que o fato é verdadeiro, mas reforçar que já superou essa etapa e há cinco anos não toca mais na droga. Ele deveria aproveitar a ocasião para enfatizar os resultados que obteve nos negócios nos últimos anos. Eles servem como prova de sua competência para assumir o cargo.

O fato não deveria influenciar na decisão da empresa para a sua contratação. O que a companhia deveria considerar é se seu comportamento gerencial está alinhado com os valores da companhia e se seu perfil técnico e suas competências são adequadas aos desafios previstos para a função que ele vai ocupar. Se ele é o melhor candidato e a empresa deixar de contratá-lo exclusivamente por essa razão, então ela merece ter um executivo medíocre no lugar de Escobar. E ele que durma tranqüilo, pois aquela não era uma empresa adequada para seu talento.

Andrea Huggart-Caine Reti, sócia-diretora da Hewitt Associates

Paulo certamente tem motivos de sobra para estar preocupado em não errar em seus próximos passos. Ele venceu a batalha contra as drogas e está prestes a concretizar um sonho que viria a coroar sua vida profissional.

Durante a entrevista, Paulo deverá dar repostas honestas a todas as perguntas, demonstrando segurança e autoconfiança. Caso não seja questionado diretamente sobre o assunto, não deve mencionar nada sobre sua experiência com drogas. Se souberem mais tarde, provavelmente os dois lados já terão convivido o suficiente para avaliar com maior profundidade se as intenções, impressões e expectativas de ambas as partes correspondem ao esperado.

Será muito difícil que lhe perguntem algo a respeito. Se desconfiassem disso e tivessem restrições ao fato, Paulo nem estaria fazendo parte do processo seletivo. Além de disso, é preciso lembrar que questões pessoais dessa natureza rondam o mundo das empresas. É ilusão vislumbrar um mundo sem elas.

Em nenhum momento as questões pessoais devem ser consideradas como fator determinante numa contratação, e sim o potencial e o talento do candidato. Na entrevista os europeus perceberão a dedicação ao trabalho e analisarão a trajetória profissional de Escobar. E isso sim é que o empregador precisará saber sobre ele.

Ricardo Penteado Camargo, diretor de recursos humanos da Chocolates Garoto

Os personagens e o enredo desta seção são fictícios. Mas os especialistas chamados a dar sua opinião são genuinamente de carne e osso. Caso você tenha uma história a contar, entre em contato conosco pelo e-mail: avidacomoelae@email.abril.com.br

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