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Como elas chegaram lá

Por meio de sérios programas de desenvolvimento, companhias mostram o caminho da inclusão e dão o exemplo para aqueles que insistem em olhar para a lei de cotas apenas como uma obrigação

Funcionários com deficiência da EY em São Paulo: entre seus 200 PCDs, 120 são formados e 30 fazem faculdade (Fabiano Accorsi / VOCÊ RH)
DR

Da Redação

Publicado em 21 de julho de 2014 às 15h57.

São Paulo - Em julho, a legislação que estabelece cotas de contratação de pessoas com deficiência (PCDs) completará 23 anos. É inegável que, embora ainda tímida, a entrada desses profissionais no mercado brasileiro é constante e tem mudado positivamente as relações de trabalho no país.

Segundo dados do censo do Ministério do Trabalho e da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), em 2012, 330.296 profissionais com deficiência já faziam parte da população economicamente ativa do país. Em 2009, havia 288.593 empregados formalmente.

Apesar do longo tempo de vigência da lei e de comprovado seu efeito positivo, a obrigatoriedade da contratação incomoda ainda muita empresa que se apoia no discurso desgastado da falta de mão de obra qualificada e da alta rotatividade dos profissionais com deficiência. Afinal, se há um déficit de qualificação (e, sim, ele é evidente), isso vale para todos — não apenas para essa parcela da população.

Portanto, se esconder atrás de obstáculos como esse é cruzar os braços para o problema. Não que preencher de 2% a 5% do quadro de funcionários com pessoas com deficiência (dependendo do número de empregados de sua empresa) seja uma tarefa simples. Não se trata disso.

Mas em 23 anos algumas empresas entenderam que a lei nasceu não para forçar uma nova situação, mas para educar os empresários a pensar uma nova gestão. Quem aprendeu isso conseguiu cumprir suas cotas e se beneficiar da contribuição que esses profissionais trazem para o negócio.

São casos como os da Ericsson , da Rhodia , da Volvo e da EY , empresas de setores e tamanhos diferentes que, em vez de se apoiarem em políticas de tapa buracos, construíram uma consistente política de inclusão. Aprender com elas é uma forma inteligente de cumprir seu dever e garantir práticas sustentáveis para seus negócios.

Ericsson

Ao longo de sua história no Brasil, a Ericsson sempre contratou pessoas com deficiência. “Com a legislação, só ajustamos os números e, em 2010, fechamos com percentual maior do que o proposto por lei”, afirma Janaina Khatchikian, diretora de recursos humanos da multinacional.

No ano seguinte, porém, com a economia mais aquecida, a empresa sentiu a disputa do mercado por esses profissionais e registrou um turnover de 40% entre seus PCDs. Em vez de lamentar e culpar o cenário, a Ericsson decidiu desenvolver um programa para capacitar esses profissionais e assegurar uma entrada mais qualificada dessas pessoas no mercado de trabalho.

O SuperAção nasceu em 2012 com a missão de promover a inserção social, especialmente daqueles com defasagem educacional e não habituados com o ambiente corporativo. Além da oportunidade de conhecer a empresa e sua cultura, o programa visa ao autoconhecimento e à descoberta de habilidades e competências das pessoas com deficiência.

Atualmente, 36 PCDs (cegos, surdos e profissionais com deficiência física e intelectual) participam do curso, composto por sete módulos, entre eles, informática, português, inglês e ética no trabalho. Com duração de um ano, os alunos ficam quatro horas por dia na sala de aula e podem conhecer os setores da companhia para se familiarizar com o negócio, no caso de contratação.

Ainda na fase de aprendizagem, eles são remunerados e contemplados com benefícios, como alimentação, plano de saúde e transporte. Mesmo que não sejam contratados na fase final, são indicados para outras companhias. Na equipe que conduz o SuperAção, há profissionais especializados em gestão de pessoas, pedagogia, assistência social, além dos funcionários voluntários, que fazem as vezes de professores.

Mais do que investir em infraestrutura, a Ericsson precisou sensibilizar as equipes, principalmente a liderança, para colocar de pé o projeto e torná-lo uma ação sustentável. “Era preciso criar uma consciência de acolhimento dessas pessoas, estimular a participação e o voluntariado”, diz Janaina. Hoje, por exemplo, 120 funcionários estão fazendo curso de libras para se relacionar com os profissionais com deficiência auditiva.

Os PCDs na Ericsson estão espalhados por todos os departamentos, e não apenas em níveis operacionais. Há, por exemplo, engenheiros e advogados trabalhando na companhia. A rotatividade? Após o SuperAção, a empresa tem registrado um turnover de apenas 5% entre seus profissionais com deficiência.

Alunos do programa SuperAção, da Ericsson: hoje 36 PCDs recebem aulas do curso que tem duração de um ano. Ao final, se não contratados, são indicados para outras companhias (Fabiano Accorsi / VOCÊ RH)

Rhodia

Em fevereiro deste ano, a multinacional finalmente atingiu sua cota de pessoas com deficiência. Mas o trabalho de inclusão começou há dez anos, com o Programa Rhodia de Inclusão Social (Prhis), quando a necessidade de qualificação desses profissionais já se mostrava latente.

“Tivemos a ideia de ter um programa voltado para o lado social, encontramos uma entidade parceira — o Instituto Pró-Cidadania — e aprendemos a trabalhar com PCDs”, diz Paulo Rocco, diretor de recursos humanos. Aprender é o verbo correto. Antes da iniciativa do Prhis, a Rhodia cometeu um erro bastante comum entre as companhias que tentam desesperadamente preencher sua cota: o de associar apenas os perfis das vagas aos tipos de deficiência.

“Muitas pessoas nunca tinham trabalhado na vida”, diz Rocco. “Foi aí que decidimos oferecer uma oportunidade de aprendizado para aqueles que gostaríamos de ter com a gente.” Ao longo do curso, que tem duração de dois anos e conta com a presença de gestores, foi mais fácil para a empresa identificar as atividades adequadas para alocar os alunos.

“Nesse caminho, algumas vagas foram criadas”, diz Rocco. Em 2007, quando o ciclo de formação começou efetivamente, foram criadas 70 vagas em toda a organização — da recepção à manutenção. Os primeiros seis meses do curso são exclusivamente dentro da sala de aula, com módulos de rotinas administrativas, atendimento ao cliente, língua portuguesa, matemática e informática.

Volvo

Foi também por meio de um programa formal de capacitação e desenvolvimento profissional, criado em 2000, que a Volvo trilhou seu caminho da inclusão. A montadora sueca mantém parceria com a Universidade Livre para Eficiência Humana (Unilehu), que ajuda no recrutamento de pessoas com deficiência.

A partir daí, elas passam pelo programa Diversidade que Fortalece, na própria fábrica na Grande Curitiba. Lá, as PCDs ficam até dois anos em processo de aprendizagem remunerado, 50% do tempo na sala de aula e, a outra metade, em atividades na companhia. O Senai faz parte do projeto e é o responsável por aulas de português, matemática e disciplinas técnicas.

“Queremos deixar um legado para a comunidade”, diz Carlos Ogliari, diretor de RH da Volvo. “A educação é um patrimônio que não se perde, independentemente de o profissional ficar na Volvo ou não.” Na companhia trabalham cadeirantes, cegos, surdos e pessoas que tiveram membros amputados — elas atuam tanto na área administrativa como na produção.

“Há pessoas com deficiência visual que, pela sensibilidade aguda no tato, conseguem identificar imperfeições na pintura e ajudam a corrigir o processo produtivo”, diz Ogliari. Assim como a Ericsson, a Volvo também vem formando diversos funcionários não surdos para se comunicar em libras, pois há um número significativo de empregados com deficiência auditiva.

Mais de 100 funcionários já aprenderam a língua de sinais. Nos últimos cinco anos, a montadora tem se mantido entre cumprir totalmente a cota ou estar muito próxima dela. A variação costuma ocorrer em momentos de contratações de grandes quantidades de funcionários ou diante de um número considerável de contratos por prazo determinado.

O turnover voluntário desse pessoal, porém, é baixo. Ao oferecer condições de crescimento de carreira, a Volvo tem conseguido manter seus profissionais com deficiência por longos anos na companhia. A taxa de rotatividade está na casa de 0,2%.

EY

Foi a partir do EY Able, lançado no Brasil há dois anos, que a EY, líder global em consultoria e auditoria, conseguiu acelerar a inclusão de profissionais com deficiência e, assim, preencher sua cota. Nos mesmos moldes dos outros programas de formação, o EY Able incentiva o desenvolvimento do potencial dos profissionais com deficiência.

“A grande diferença é que não criamos um programa específico para PCDs”, diz Elisa Carra, diretora de recursos humanos. “Ele faz parte dos treinamentos, que são válidos para todos.” As vagas abertas são divulgadas e, internamente, qualquer empregado pode indicar pessoas para participar — gente de dentro ou fora da companhia. O time de recrutamento do RH fica responsável pela seleção.

“Buscamos as competências de cada um, não procuramos pessoas com deficiência para transformá-las em uma posição”, afirma Elisa. Por esse motivo, há profissionais com deficiência em várias áreas do negócio, como marketing, jurídica, financeira, operações e consultoria.

Além dos programas da universidade corporativa, que são acessados por todos, a EY paga — integralmente ou quase a totalidade — do Ensino Superior aos interessados. Dos 200 PCDs que atuam na empresa, 120 já são formados e 30 estão na faculdade.

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São Paulo - Em julho, a legislação que estabelece cotas de contratação de pessoas com deficiência (PCDs) completará 23 anos. É inegável que, embora ainda tímida, a entrada desses profissionais no mercado brasileiro é constante e tem mudado positivamente as relações de trabalho no país.

Segundo dados do censo do Ministério do Trabalho e da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), em 2012, 330.296 profissionais com deficiência já faziam parte da população economicamente ativa do país. Em 2009, havia 288.593 empregados formalmente.

Apesar do longo tempo de vigência da lei e de comprovado seu efeito positivo, a obrigatoriedade da contratação incomoda ainda muita empresa que se apoia no discurso desgastado da falta de mão de obra qualificada e da alta rotatividade dos profissionais com deficiência. Afinal, se há um déficit de qualificação (e, sim, ele é evidente), isso vale para todos — não apenas para essa parcela da população.

Portanto, se esconder atrás de obstáculos como esse é cruzar os braços para o problema. Não que preencher de 2% a 5% do quadro de funcionários com pessoas com deficiência (dependendo do número de empregados de sua empresa) seja uma tarefa simples. Não se trata disso.

Mas em 23 anos algumas empresas entenderam que a lei nasceu não para forçar uma nova situação, mas para educar os empresários a pensar uma nova gestão. Quem aprendeu isso conseguiu cumprir suas cotas e se beneficiar da contribuição que esses profissionais trazem para o negócio.

São casos como os da Ericsson , da Rhodia , da Volvo e da EY , empresas de setores e tamanhos diferentes que, em vez de se apoiarem em políticas de tapa buracos, construíram uma consistente política de inclusão. Aprender com elas é uma forma inteligente de cumprir seu dever e garantir práticas sustentáveis para seus negócios.

Ericsson

Ao longo de sua história no Brasil, a Ericsson sempre contratou pessoas com deficiência. “Com a legislação, só ajustamos os números e, em 2010, fechamos com percentual maior do que o proposto por lei”, afirma Janaina Khatchikian, diretora de recursos humanos da multinacional.

No ano seguinte, porém, com a economia mais aquecida, a empresa sentiu a disputa do mercado por esses profissionais e registrou um turnover de 40% entre seus PCDs. Em vez de lamentar e culpar o cenário, a Ericsson decidiu desenvolver um programa para capacitar esses profissionais e assegurar uma entrada mais qualificada dessas pessoas no mercado de trabalho.

O SuperAção nasceu em 2012 com a missão de promover a inserção social, especialmente daqueles com defasagem educacional e não habituados com o ambiente corporativo. Além da oportunidade de conhecer a empresa e sua cultura, o programa visa ao autoconhecimento e à descoberta de habilidades e competências das pessoas com deficiência.

Atualmente, 36 PCDs (cegos, surdos e profissionais com deficiência física e intelectual) participam do curso, composto por sete módulos, entre eles, informática, português, inglês e ética no trabalho. Com duração de um ano, os alunos ficam quatro horas por dia na sala de aula e podem conhecer os setores da companhia para se familiarizar com o negócio, no caso de contratação.

Ainda na fase de aprendizagem, eles são remunerados e contemplados com benefícios, como alimentação, plano de saúde e transporte. Mesmo que não sejam contratados na fase final, são indicados para outras companhias. Na equipe que conduz o SuperAção, há profissionais especializados em gestão de pessoas, pedagogia, assistência social, além dos funcionários voluntários, que fazem as vezes de professores.

Mais do que investir em infraestrutura, a Ericsson precisou sensibilizar as equipes, principalmente a liderança, para colocar de pé o projeto e torná-lo uma ação sustentável. “Era preciso criar uma consciência de acolhimento dessas pessoas, estimular a participação e o voluntariado”, diz Janaina. Hoje, por exemplo, 120 funcionários estão fazendo curso de libras para se relacionar com os profissionais com deficiência auditiva.

Os PCDs na Ericsson estão espalhados por todos os departamentos, e não apenas em níveis operacionais. Há, por exemplo, engenheiros e advogados trabalhando na companhia. A rotatividade? Após o SuperAção, a empresa tem registrado um turnover de apenas 5% entre seus profissionais com deficiência.

Alunos do programa SuperAção, da Ericsson: hoje 36 PCDs recebem aulas do curso que tem duração de um ano. Ao final, se não contratados, são indicados para outras companhias (Fabiano Accorsi / VOCÊ RH)

Rhodia

Em fevereiro deste ano, a multinacional finalmente atingiu sua cota de pessoas com deficiência. Mas o trabalho de inclusão começou há dez anos, com o Programa Rhodia de Inclusão Social (Prhis), quando a necessidade de qualificação desses profissionais já se mostrava latente.

“Tivemos a ideia de ter um programa voltado para o lado social, encontramos uma entidade parceira — o Instituto Pró-Cidadania — e aprendemos a trabalhar com PCDs”, diz Paulo Rocco, diretor de recursos humanos. Aprender é o verbo correto. Antes da iniciativa do Prhis, a Rhodia cometeu um erro bastante comum entre as companhias que tentam desesperadamente preencher sua cota: o de associar apenas os perfis das vagas aos tipos de deficiência.

“Muitas pessoas nunca tinham trabalhado na vida”, diz Rocco. “Foi aí que decidimos oferecer uma oportunidade de aprendizado para aqueles que gostaríamos de ter com a gente.” Ao longo do curso, que tem duração de dois anos e conta com a presença de gestores, foi mais fácil para a empresa identificar as atividades adequadas para alocar os alunos.

“Nesse caminho, algumas vagas foram criadas”, diz Rocco. Em 2007, quando o ciclo de formação começou efetivamente, foram criadas 70 vagas em toda a organização — da recepção à manutenção. Os primeiros seis meses do curso são exclusivamente dentro da sala de aula, com módulos de rotinas administrativas, atendimento ao cliente, língua portuguesa, matemática e informática.

Volvo

Foi também por meio de um programa formal de capacitação e desenvolvimento profissional, criado em 2000, que a Volvo trilhou seu caminho da inclusão. A montadora sueca mantém parceria com a Universidade Livre para Eficiência Humana (Unilehu), que ajuda no recrutamento de pessoas com deficiência.

A partir daí, elas passam pelo programa Diversidade que Fortalece, na própria fábrica na Grande Curitiba. Lá, as PCDs ficam até dois anos em processo de aprendizagem remunerado, 50% do tempo na sala de aula e, a outra metade, em atividades na companhia. O Senai faz parte do projeto e é o responsável por aulas de português, matemática e disciplinas técnicas.

“Queremos deixar um legado para a comunidade”, diz Carlos Ogliari, diretor de RH da Volvo. “A educação é um patrimônio que não se perde, independentemente de o profissional ficar na Volvo ou não.” Na companhia trabalham cadeirantes, cegos, surdos e pessoas que tiveram membros amputados — elas atuam tanto na área administrativa como na produção.

“Há pessoas com deficiência visual que, pela sensibilidade aguda no tato, conseguem identificar imperfeições na pintura e ajudam a corrigir o processo produtivo”, diz Ogliari. Assim como a Ericsson, a Volvo também vem formando diversos funcionários não surdos para se comunicar em libras, pois há um número significativo de empregados com deficiência auditiva.

Mais de 100 funcionários já aprenderam a língua de sinais. Nos últimos cinco anos, a montadora tem se mantido entre cumprir totalmente a cota ou estar muito próxima dela. A variação costuma ocorrer em momentos de contratações de grandes quantidades de funcionários ou diante de um número considerável de contratos por prazo determinado.

O turnover voluntário desse pessoal, porém, é baixo. Ao oferecer condições de crescimento de carreira, a Volvo tem conseguido manter seus profissionais com deficiência por longos anos na companhia. A taxa de rotatividade está na casa de 0,2%.

EY

Foi a partir do EY Able, lançado no Brasil há dois anos, que a EY, líder global em consultoria e auditoria, conseguiu acelerar a inclusão de profissionais com deficiência e, assim, preencher sua cota. Nos mesmos moldes dos outros programas de formação, o EY Able incentiva o desenvolvimento do potencial dos profissionais com deficiência.

“A grande diferença é que não criamos um programa específico para PCDs”, diz Elisa Carra, diretora de recursos humanos. “Ele faz parte dos treinamentos, que são válidos para todos.” As vagas abertas são divulgadas e, internamente, qualquer empregado pode indicar pessoas para participar — gente de dentro ou fora da companhia. O time de recrutamento do RH fica responsável pela seleção.

“Buscamos as competências de cada um, não procuramos pessoas com deficiência para transformá-las em uma posição”, afirma Elisa. Por esse motivo, há profissionais com deficiência em várias áreas do negócio, como marketing, jurídica, financeira, operações e consultoria.

Além dos programas da universidade corporativa, que são acessados por todos, a EY paga — integralmente ou quase a totalidade — do Ensino Superior aos interessados. Dos 200 PCDs que atuam na empresa, 120 já são formados e 30 estão na faculdade.

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