Calar... ou entregar?
Os chefes de Alberto são ótimos. Mas estão lesando a empresa
Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h33.
Alberto é um jovem de 27 anos que trabalha há quatro numa das filiais de uma empresa prestadora de serviços na área de tecnologia. Nos últimos tempos, Alberto não tem conseguido dormir. O escritório onde fica é administrado por três ge-rentes com poderes praticamente iguais. Ele descobriu que todos os gerentes recebem comissões de fornecedores por indicações nos serviços terceirizados. Apesar de ter como provar isso, Alberto sentia-se incapaz de levar os fatos ao conhe-cimento da matriz por não ter nenhum contato mais próximo com a diretoria.
Mas eis que surge a oportunidade de que Alberto precisava: um dos sócios diretores está passando uns dias na filial. Eles têm conversado bastante. Até já almoçaram juntos. Alberto ainda não criou coragem para abrir o jogo por medo de perder o emprego. Ele está no último ano da faculdade de administração, casou seis meses atrás e acaba de saber que a mulher está grávida. Além do mais, os gerentes estão na casa há mais de 10 anos e, pelo jeito, são credores de toda a confiança da empresa.
Suas dúvidas não param aí. Pensar que o futuro da empresa corre o risco de ser comprometido por conta dos benefícios "extras" dos gerentes o revolta. Os custos atuais estão 10% acima dos da concorrência e, se continuar assim, ela vai perder mercado. Ao mesmo tempo, Alberto se sente torturado em denunciar pessoas que sempre o trataram de forma impecável: foram eles que lhe deram o emprego quando nem faculdade tinha, que o treinaram e que o promoveram duas vezes.
Alberto não sabe a quem deve lealdade. À empresa ou aos chefes?
Alberto está numa situação difícil porque se defronta com pessoas inescrupulosas e mais experientes, que têm poder nas mãos e toda a confiança da empresa. A decisão que precisa tomar é, sem dúvida, apenas uma entre muitas outras igualmente conflitantes que Alberto enfrentará ao longo da vida. Em primeiro lugar, ele deve ser leal à sua consciência e à sua integridade profissional. Isso implica preservar a conduta ética em relação à empresa em que trabalha. O fato de já estar perturbado pela situação, com dificuldades até para dormir, demonstra que é uma pessoa moral e eticamente saudá-vel, o que é muito bom.
Onde existe respeito, confiança e ética existe lealdade. O profissional leal não aceita falcatruas, desvios de caráter ou irresponsabilidades. Não se posicionando em relação à conduta dos ge-rentes, estaria sendo conivente com a situação e, se a empresa viesse a descobrir, ele poderia ser visto como uma pessoa omissa e inconseqüente. Antes, quando o ambiente econômico era pouco competitivo, as empresas agiam com mais complacência em questões dessa natureza. Mas hoje existe mais rigor em relação a qualquer coisa que ameace ou ponha em risco o futuro dos negócios.
Alberto tem em mãos uma oportunidade que pode facilitar sua decisão: utilizar o canal do diálogo já aberto com o sócio diretor. Trata-se de uma instância superior que, com certeza, gostaria de ter uma avaliação do funcionário sobre a situação da empresa (avaliação que envolveria uma descrição dos custos e do diferencial em relação ao mercado de riscos). Sem citar nomes, Alberto poderia até mesmo aconselhar uma auditoria, fazendo uma análise objetiva, com base em dados que a curto prazo afetariam o posicionamento competitivo da empresa. Na conversa, poderia agradecer pelas oportunidades que tem tido na empresa e explicitar seu ponto de vista sobre o desempenho da organização.
É claro que ele precisa se preparar para os desdobramentos e as conseqüências dos seus atos. O risco de colocar seu emprego na balança estará presente o tempo todo. Mas considero que Alberto deva ser, antes de tudo, fiel à sua própria consciência e à empresa, evitando o conflito e tentando de, alguma maneira, ajudar sua organização.
Elismar Alvares da Silva Campos é psicóloga, gerente de negócios da Fundação Dom Cabral e consultora em desenvolvimento organizacional, gestão de RH e sucessão em empresas familiares
Vou responder de várias formas, para Alberto refletir sobre sua vida e sobre o papel que está desempenhando nessa história - o miserável papel de vítima!
A história nos leva a ficar com pena de Alberto. Vamos com calma. A coisa não é bem assim. Como se sabe - e os Albertos sabem muito bem do que vou opinar -, ninguém é vítima de nada, com exceção de tragédias, como terremotos, acidentes de aviões, ou coisas assim. Nas demais histórias de vítimas, criamos, permitimos ou provocamos as situações que acontecem em nossa vida. Toda pessoa que conta uma história de vítima geralmente "esquece" alguns detalhes importantes. Detalhes que, se fossem "lembrados", mudariam a situação.
No caso de Alberto, esses detalhes estão muito claros. Ele não sabe a quem deve lealdade? Na verdade, Alberto não está em dúvida. Está é com medo - ou, quem sabe, com inveja. E não é medo de perder o emprego, mas sim de perder a aprovação daqueles que o conhecem, além dos chefes. Ninguém perde o emprego por denunciar uma falcatrua, ainda mais quando se possui provas. Se Alberto não denunciar, vai perder o emprego de qualquer maneira, já que a empresa está perdendo mercado. Ele poderá comprovar o que estou dizendo respondendo, com sinceridade, à seguinte pergunta: se eu não tivesse medo, o que faria realmente? A resposta interior vai deixar claro o lado em que ele está.
Responder sinceramente também irá lhe mostrar quais são os verdadeiros sentimentos que o estão mobilizando. Pode ser, por exemplo, que ele esteja com inveja de não estar no lugar de algum dos gerentes, fazendo exatamente o que eles estão fazendo. Uma pessoa íntegra parte do pressuposto de que todos são íntegros. Geralmente nem percebe que algo de errado está acontecendo. E quando sabe de um caso concretamente comprovado de quebra de integridade, seja por parte de quem for, não tem tantas dúvidas sobre a atitude a ser adotada. Age, em geral, com discrição, preservando a imagem da empresa.
Alberto deve pensar sinceramente sobre tudo isso e decidir de que lado vai ficar. Prefere se manter em sua "zona de conforto" e deixar tudo como está, ou tem mesmo é inveja dos chefes? Alberto não precisa se desesperar se responder um sim a qualquer uma destas opções. Afinal, somos humanos. Mas deve abandonar seu papel de vítima e encarar com mais responsabilidade suas atitudes. Coragem, Alberto! Tomar decisões não é fácil. Sempre implica correr riscos, mas vale a pena. Essa situação pode ser uma grande lição para a sua vida.
Bene Catanante é terapeuta organizacional, consultora em excelência profissional e sócia diretora da Com Ciência Comunicação e Desenvolvimento Pessoal
Estas questões de desvios e corrupção dentro das empresas apresentam sempre facetas delicadas. Mas o que deve nortear a conduta de quem mantém uma relação empregatícia é a preservação dos princípios éticos e da fidelidade. O contrato de trabalho de Alberto é com a empresa, e não com seus superiores hierárquicos. É a ela que deve lealdade. É em relação à empresa que tem direitos e obrigações. Isto posto, Alberto deve estar se perguntando como agir, já que a situação é embaraçosa. A resposta é: com bom senso e inteligência.
Em primeiro lugar, Alberto precisa ter a mais absoluta certeza de que seus superiores estão aceitando comissões dos fornecedores. Na dúvida, não deve nem pensar em delatar os suspeitos. O melhor é poder provar. Não seria sensato pura e simplesmente acusar os culpados e expor-se totalmente a ter que medir forças com seus superiores. O que pode acontecer, como atestam inúmeros casos semelhantes, é a "corda" se romper. E ela sempre rompe do lado mais fraco. Eu deixaria que o assunto tomasse um rumo mais cauteloso, sem estabelecer um confronto irreversível de proporções e conseqüências imprevisíveis. Tentaria mostrar ao diretor que os custos dos serviços estão exageradamente elevados em relação aos preços praticados pelo mercado, sem nenhuma justificativa plausível. E sugeriria uma análise mais profunda sobre esse assunto.
Mediante as evidências, o diretor certamente chegaria a uma conclusão desfavorável aos gerentes da filial. Desconfiaria de corrupção, incompetência ou desleixo por parte deles na condução da filial. A perda de prestígio desses gerentes seria inevitável. E a confiança na capacidade gerencial e ética deles também estaria comprometida. O tempo se encarregaria de resolver o problema, ou mesmo o diretor concluiria que estaria sendo lesado pelos seus gerentes. Alberto livraria a empresa de dirigentes larápios e, já que cumpriu suas obrigações, certamente ganharia um voto de confiança dos diretores. Voto que seria de vital importância tanto para a sua carreira quanto para a sua consciência.
João de Assis Benvegnús é diretor da Benvegnús Recursos Humanos, empresas de headhunting. É advogado com pós-graduação em administração de empresas e especialização em RH
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