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Com escassez de profissionais, empresas reduzem exigências

As empresas começam a revisar e, por vezes, diminuir os critérios de exigência na hora de contratar

Edson Vieira, diretor de RH da EcoRodovias: novo critério de seleção prioriza valores em vez de competência técnica (Divulgação)
DR

Da Redação

Publicado em 28 de novembro de 2013 às 17h13.

São Paulo - Se de um lado os empresários reclamam que falta mão de obra no mercado brasileiro, do outro, dados revelam que existe um exército de pessoas sem trabalho no país. A taxa de desemprego de jovens entre 18 e 24 anos foi de 13,5% em maio, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

De acordo com a pesquisa, há duas explicações para essa realidade: baixa qualificação e falta de experiência. Entre os setores que mais sofrem na busca de profissionais-modelo, estão o de engenharia e tecnologia. Um estudo da Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom) revelou que, até o ano passado, existiam 600 000 trabalhadores na área, e mesmo assim havia a necessidade de mais 71 000 para suprir a demanda.

O cenário previsto para 2013 revela-se mais dramático: podem faltar 200 000 profissionais de TI. “Todo mundo está disputando um pool de talentos muito parecido e o problema é que o mercado não tem capacidade de formar profissionais com a qualidade que precisamos e muito menos com a velocidade que queremos”, afirma Claudia Portella Perrone, head de recursos humanos da UBS Brasil Holding Financeira.

Diante da escassez de gente para acompanhar o crescimento das empresas, a solução adotada por algumas é rever o nível de exigência para cada vaga. Ou, mais popularmente, “baixar a régua”. “Você acaba optando por flexibilizar o processo e começa a pensar no que realmente quer de um candidato”, explica Claudia, da UBS. Isso não significa que as organizações vão deixar fatores importantes de lado para preencher as posições abertas a qualquer custo, mas sim diminuir alguns critérios de exigência e principalmente a expectativa de quem contrata. “É possível ser flexível no processo, porém, não dá para abrir mão da qualidade”, argumenta Claudia.

Na UBS Brasil, por exemplo, chegou-se à conclusão de que inglês era algo imprescindível, uma vez que o idioma faz parte do dia a dia da organização. No entanto, a avaliação da experiência do candidato poderia ser um pouco menos rígida. “O ideal é que a pessoa tenha atuado em um banco de investimento, mas hoje aceitamos a vivência profissional em outro tipo de banco ou instituição financeira”, conta Claudia. Segundo ela, essa nova mentalidade é decorrente do desafio que a instituição financeira vive hoje. Até o fim de 2012, a UBS Brasil deve alcançar a marca de 600 profissionais. Hoje, ela conta com 320. “Estamos à procura de um CFO e de um diretor jurídico há oito meses. Uma das maiores dificuldades é encontrar um executivo fluente em inglês.”


O Grupo EcoRodovias , companhia de infraestrutura logística integrada, passa pela mesma dificuldade. Há pouco mais de quatro meses, a equipe de RH precisou refletir sobre as medidas de sua régua. Tudo porque a empresa simplesmente não conseguia fechar as contratações de engenheiros, analistas e cargos de liderança. “Esse cenário trouxe para a organização a necessidade de efetuar algumas mudanças em suas práticas de contratação”, conta Edson Camargo Vieira, diretor de RH da EcoRodovias.

Antes de reformular o processo de seleção e impor um novo perfil de contratados na empresa, foi necessário explicar as mudanças aos diretores. Mais do que isso, convencê-los de que “baixar a régua” era uma das saídas (se não a única) para suprir a carência de pessoas. “Tivemos que fazer um trabalho de reeducação da mentalidade dos executivos. E não foi nada fácil”, desabafa Vieira.

O primeiro passo foi elaborar relatórios periódicos sobre as entrevistas e o processo de recrutamento, além de enviar pesquisas e reportagens que comprovavam o problema da falta de talentos. Ainda resistente sobre a história de baixar o nível de exigência, a diretoria passou para uma segunda etapa com o RH: acompanhar a seleção dos candidatos de perto. “Eles se aproximaram do processo e estavam em cada uma das etapas. Só assim, vivendo os desafios do recrutamento, os executivos aceitaram a redução dos critérios na hora de contratar”, completa Vieira.

A Nestlé também entende que o processo de flexibilização do recrutamento deve ser acompanhado pelos gestores. “Sabemos que a maioria dos processos de demissão é decorrente de aspectos comportamentais em detrimento dos aspectos técnicos”, afirma Lucimar Lencioni, gerente de RH da Nestlé Brasil. “Tentamos demonstrar isso aos nossos gestores.” A ideia é mostrar para a diretoria que, uma vez escolhido um profissional com comportamentos alinhados ao da empresa, será mais fácil treiná-lo com relação às questões técnicas. “O contrário é sempre mais difícil”, argumenta Lencioni.

Na EcoRodovias foi adotado o seguinte critério para determinar as competências que seriam flexibilizadas: as deficiências técnicas e que podem ser sanadas com cursos ou treinamentos seriam relevadas pelo recrutador. No entanto, quanto às competências comportamentais, não tem conversa. “Quem tem inglês básico pode estudar para ser fluente, mas não existe uma escola que ensine valores, como comprometimento, honestidade e ética”, afirma Edson Vieira.

Por isso, o novo sistema adotado tem o foco nos candidatos com a cultura similar à da companhia e com potencial de aprendizado e crescimento. Ou seja, não buscam mais a pessoa “pronta”. “Estamos trabalhando com mentoring para que os novos profissionais aprendam e se desenvolvam com aqueles que acumulam mais tempo de casa.”


Para isso, a EcoRodovias contratou alguns aposentados, que hoje atuam como mentores. “É um desafio, porque os engenheiros mais antigos precisam aprender a lidar e a aceitar a nova geração, e os recém-chegados devem ser humildes o suficiente para absorverem o conhecimento dos mais velhos”, explica o diretor de RH.

Em sua passagem por São Paulo em abril deste ano, o headhunter argentinoClaudio Fernández-Aráoz, sócio da consultoria suíça Egon Zehnder, já tinha alertado que as companhias precisam mudar de atitude e procurar competências básicas em seus candidatos para depois desenvolvê-las. Só assim poderão dar suporte ao crescimento. “Não existe vice-deus, mas semideus”, afirmou na época.

Para lidar com essa realidade, a consultora Sofia Esteves aconselha as organizações a “trocarem suas réguas”, em vez de “baixarem”. “Não é possível abrir mão da qualidade porque isso, mais cedo ou mais tarde, vai se voltar contra a própria companhia”, ensina. A saída, então, é fazer uma reavaliação da estrutura da empresa.

A pergunta crucial nesse momento é: o que realmente é importante para o cargo e para empresa? “Primeiro, o RH deve conhecer a realidade do negócio, analisar quais fontes de recrutamento novas pode utilizar e o que pode ser alterado em seu processo”, pontua Sofia. Ela ainda ressalta que, atualmente, existem muitos profissionais desqualificados comportamental e tecnicamente. Portanto, o segredo é entender que é mais difícil mudar a essência do ser humano do que desenvolver as competências técnicas.

Sofia lembra que, antigamente, alguns processos de trainees descartavam imediatamente currículos de instituições menos renomadas. O erro é que, nessas seleções, a cultura e os valores do recém-formado muitas vezes eram deixados de lado. “O grande benefício de focar nos valores é que são escolhidas pessoas verdadeiramente engajadas com a empresa e com maior nível de motivação. Com isso, você vai diminuir o índice de turnover”, garante.

Hoje, a régua também está sendo revista para esse público jovem, que sempre foi alvo de muita exigência para conseguir ingressar nas companhias de ponta. A Unilever , por exemplo, tirou o inglês como item obrigatório na seleção do programa de trainees. O Itaú-Unibanco passou a buscar estagiários em faculdades do interior de São Paulo e de outros estados, saindo da mesmice das Federais.

A EcoRodovias é outra empresa que também ajustou sua régua para os jovens. Edson Vieira conta que no primeiro programa de trainees, há quatro anos, só foram selecionadas pessoas da Universidade de São Paulo (USP), Unicamp e outras de renome. O resultado? “Nos decepcionamos, porque a maioria chegou com empáfia, achando que sabia tudo e sem vontade de aprender”, revela.

Depois dessa experiência, eles deram chances a recém-formados de outras faculdades. Como consequência, os novos trainees mostraram maior envolvimento e dedicação. Desde que decidiu repensar seus processo de recrutamento, a EcoRodovias não tem do que reclamar. O nível de integração cresceu 15%, o número de pessoas desenvolvendo suas habilidades aumentou — hoje o programa de idiomas atende a 50 funcionários, mais do que o dobro do ano passado — e as vagas, antes vazias, aos poucos são preenchidas.

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São Paulo - Se de um lado os empresários reclamam que falta mão de obra no mercado brasileiro, do outro, dados revelam que existe um exército de pessoas sem trabalho no país. A taxa de desemprego de jovens entre 18 e 24 anos foi de 13,5% em maio, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

De acordo com a pesquisa, há duas explicações para essa realidade: baixa qualificação e falta de experiência. Entre os setores que mais sofrem na busca de profissionais-modelo, estão o de engenharia e tecnologia. Um estudo da Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom) revelou que, até o ano passado, existiam 600 000 trabalhadores na área, e mesmo assim havia a necessidade de mais 71 000 para suprir a demanda.

O cenário previsto para 2013 revela-se mais dramático: podem faltar 200 000 profissionais de TI. “Todo mundo está disputando um pool de talentos muito parecido e o problema é que o mercado não tem capacidade de formar profissionais com a qualidade que precisamos e muito menos com a velocidade que queremos”, afirma Claudia Portella Perrone, head de recursos humanos da UBS Brasil Holding Financeira.

Diante da escassez de gente para acompanhar o crescimento das empresas, a solução adotada por algumas é rever o nível de exigência para cada vaga. Ou, mais popularmente, “baixar a régua”. “Você acaba optando por flexibilizar o processo e começa a pensar no que realmente quer de um candidato”, explica Claudia, da UBS. Isso não significa que as organizações vão deixar fatores importantes de lado para preencher as posições abertas a qualquer custo, mas sim diminuir alguns critérios de exigência e principalmente a expectativa de quem contrata. “É possível ser flexível no processo, porém, não dá para abrir mão da qualidade”, argumenta Claudia.

Na UBS Brasil, por exemplo, chegou-se à conclusão de que inglês era algo imprescindível, uma vez que o idioma faz parte do dia a dia da organização. No entanto, a avaliação da experiência do candidato poderia ser um pouco menos rígida. “O ideal é que a pessoa tenha atuado em um banco de investimento, mas hoje aceitamos a vivência profissional em outro tipo de banco ou instituição financeira”, conta Claudia. Segundo ela, essa nova mentalidade é decorrente do desafio que a instituição financeira vive hoje. Até o fim de 2012, a UBS Brasil deve alcançar a marca de 600 profissionais. Hoje, ela conta com 320. “Estamos à procura de um CFO e de um diretor jurídico há oito meses. Uma das maiores dificuldades é encontrar um executivo fluente em inglês.”


O Grupo EcoRodovias , companhia de infraestrutura logística integrada, passa pela mesma dificuldade. Há pouco mais de quatro meses, a equipe de RH precisou refletir sobre as medidas de sua régua. Tudo porque a empresa simplesmente não conseguia fechar as contratações de engenheiros, analistas e cargos de liderança. “Esse cenário trouxe para a organização a necessidade de efetuar algumas mudanças em suas práticas de contratação”, conta Edson Camargo Vieira, diretor de RH da EcoRodovias.

Antes de reformular o processo de seleção e impor um novo perfil de contratados na empresa, foi necessário explicar as mudanças aos diretores. Mais do que isso, convencê-los de que “baixar a régua” era uma das saídas (se não a única) para suprir a carência de pessoas. “Tivemos que fazer um trabalho de reeducação da mentalidade dos executivos. E não foi nada fácil”, desabafa Vieira.

O primeiro passo foi elaborar relatórios periódicos sobre as entrevistas e o processo de recrutamento, além de enviar pesquisas e reportagens que comprovavam o problema da falta de talentos. Ainda resistente sobre a história de baixar o nível de exigência, a diretoria passou para uma segunda etapa com o RH: acompanhar a seleção dos candidatos de perto. “Eles se aproximaram do processo e estavam em cada uma das etapas. Só assim, vivendo os desafios do recrutamento, os executivos aceitaram a redução dos critérios na hora de contratar”, completa Vieira.

A Nestlé também entende que o processo de flexibilização do recrutamento deve ser acompanhado pelos gestores. “Sabemos que a maioria dos processos de demissão é decorrente de aspectos comportamentais em detrimento dos aspectos técnicos”, afirma Lucimar Lencioni, gerente de RH da Nestlé Brasil. “Tentamos demonstrar isso aos nossos gestores.” A ideia é mostrar para a diretoria que, uma vez escolhido um profissional com comportamentos alinhados ao da empresa, será mais fácil treiná-lo com relação às questões técnicas. “O contrário é sempre mais difícil”, argumenta Lencioni.

Na EcoRodovias foi adotado o seguinte critério para determinar as competências que seriam flexibilizadas: as deficiências técnicas e que podem ser sanadas com cursos ou treinamentos seriam relevadas pelo recrutador. No entanto, quanto às competências comportamentais, não tem conversa. “Quem tem inglês básico pode estudar para ser fluente, mas não existe uma escola que ensine valores, como comprometimento, honestidade e ética”, afirma Edson Vieira.

Por isso, o novo sistema adotado tem o foco nos candidatos com a cultura similar à da companhia e com potencial de aprendizado e crescimento. Ou seja, não buscam mais a pessoa “pronta”. “Estamos trabalhando com mentoring para que os novos profissionais aprendam e se desenvolvam com aqueles que acumulam mais tempo de casa.”


Para isso, a EcoRodovias contratou alguns aposentados, que hoje atuam como mentores. “É um desafio, porque os engenheiros mais antigos precisam aprender a lidar e a aceitar a nova geração, e os recém-chegados devem ser humildes o suficiente para absorverem o conhecimento dos mais velhos”, explica o diretor de RH.

Em sua passagem por São Paulo em abril deste ano, o headhunter argentinoClaudio Fernández-Aráoz, sócio da consultoria suíça Egon Zehnder, já tinha alertado que as companhias precisam mudar de atitude e procurar competências básicas em seus candidatos para depois desenvolvê-las. Só assim poderão dar suporte ao crescimento. “Não existe vice-deus, mas semideus”, afirmou na época.

Para lidar com essa realidade, a consultora Sofia Esteves aconselha as organizações a “trocarem suas réguas”, em vez de “baixarem”. “Não é possível abrir mão da qualidade porque isso, mais cedo ou mais tarde, vai se voltar contra a própria companhia”, ensina. A saída, então, é fazer uma reavaliação da estrutura da empresa.

A pergunta crucial nesse momento é: o que realmente é importante para o cargo e para empresa? “Primeiro, o RH deve conhecer a realidade do negócio, analisar quais fontes de recrutamento novas pode utilizar e o que pode ser alterado em seu processo”, pontua Sofia. Ela ainda ressalta que, atualmente, existem muitos profissionais desqualificados comportamental e tecnicamente. Portanto, o segredo é entender que é mais difícil mudar a essência do ser humano do que desenvolver as competências técnicas.

Sofia lembra que, antigamente, alguns processos de trainees descartavam imediatamente currículos de instituições menos renomadas. O erro é que, nessas seleções, a cultura e os valores do recém-formado muitas vezes eram deixados de lado. “O grande benefício de focar nos valores é que são escolhidas pessoas verdadeiramente engajadas com a empresa e com maior nível de motivação. Com isso, você vai diminuir o índice de turnover”, garante.

Hoje, a régua também está sendo revista para esse público jovem, que sempre foi alvo de muita exigência para conseguir ingressar nas companhias de ponta. A Unilever , por exemplo, tirou o inglês como item obrigatório na seleção do programa de trainees. O Itaú-Unibanco passou a buscar estagiários em faculdades do interior de São Paulo e de outros estados, saindo da mesmice das Federais.

A EcoRodovias é outra empresa que também ajustou sua régua para os jovens. Edson Vieira conta que no primeiro programa de trainees, há quatro anos, só foram selecionadas pessoas da Universidade de São Paulo (USP), Unicamp e outras de renome. O resultado? “Nos decepcionamos, porque a maioria chegou com empáfia, achando que sabia tudo e sem vontade de aprender”, revela.

Depois dessa experiência, eles deram chances a recém-formados de outras faculdades. Como consequência, os novos trainees mostraram maior envolvimento e dedicação. Desde que decidiu repensar seus processo de recrutamento, a EcoRodovias não tem do que reclamar. O nível de integração cresceu 15%, o número de pessoas desenvolvendo suas habilidades aumentou — hoje o programa de idiomas atende a 50 funcionários, mais do que o dobro do ano passado — e as vagas, antes vazias, aos poucos são preenchidas.

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