Carreira

A revolta dos bacharéis contra os escritórios tradicionais

Advogados jovens, porém experientes, têm deixado as grandes bancas para montar escritórios menores com um modelo de gestão mais moderno

Alfredo Zucca, do AidarSBZ, de São Paulo, que fundou o próprio escritório e tirou 70 advogados do ex-empregador: gestão participativa e 
videogame nas horas vagas (Ricardo Benichio/EXAME.com)

Alfredo Zucca, do AidarSBZ, de São Paulo, que fundou o próprio escritório e tirou 70 advogados do ex-empregador: gestão participativa e videogame nas horas vagas (Ricardo Benichio/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 13 de junho de 2013 às 07h48.

São Paulo - Terça-feira do mês de maio, 5 da tarde. Dez advogados, quase todos jovens e sem gravata, assistem pela TV à eletrizante partida de futebol em que o time inglês Chelsea eliminou o rival espanhol Barcelona, na semifinal da Copa dos Campeões.

O jogo termina, a turma deixa a “salinha de descompressão” — que, além da TV, tem um videogame Xbox — e volta para a mesa de trabalho. Esse é mais um dia comum no escritório AidarSBZ, de São Paulo.

Sem a sisudez típica das bancas de advocacia, o escritório nasceu há exatamente um ano de uma dissidência do tradicional Felsberg e Associados, que tem atualmente mais de 100 advogados e filiais em Nova York, Washington e Xangai.

De uma só vez, quatro sócios e outras 70 pessoas, número não confirmado pelo Felsberg, deixaram um dos escritórios mais renomados do país em busca de um modelo de trabalho mais flexível e menos focado em estrelas, como os advogados mais novos se referem aos pares mais experientes e mais reconhecidos pelo mercado.

“Aqui, a única cobrança é entregar o que se está fazendo no prazo combinado”, diz Alfredo Zucca, de 36 anos, o Z do AidarSBZ. “As pessoas não vieram para ganhar mais. Elas querem ascender mais rápido”, completa Paulo Sigaud, um dos sócios. 

Segundo os dissidentes do Felsberg, a gestão de pessoas do AidarSBZ é mais participativa em relação ao antigo empregador, o que significa dizer, segundo os sócios e demais advogados, que há mais espaço para falar de assuntos relacionados a carreira, desenvolvimento profissional e, claro, remuneração.

Eles chegaram a esse modelo depois de uma série de rodadas de conversas, que envolveram todos os funcionários. Com a ajuda de uma consultoria, ouviram as críticas e as expectativas dos profissionais e, a partir delas, criaram as políticas e os processos de recursos humanos. No AidarSBZ, os advogados recebem um salário fixo e têm, em média, uma remuneração variável de quatro vezes e meia o salário por ano. Não existe teto.

“Por isso, há uma preocupação geral com os custos. O sujeito sai da sala e apaga a luz. Quanto mais dinheiro sobra no caixa, mais ele pode ganhar”, diz Paulo.

Esse sistema de remuneração rompe com o modelo clássico, que paga o advogado pela sua hora de serviço, prática que gera distorções na medida em que os sócios ficam com os clientes que pagam mais pela hora de trabalho e os jovens advogados ficam com os clientes preteridos pelos sócios — justamente os que pagam menos. Na opinião de Thomas Felsberg, o ex-empregador, esse discurso é irrelevante. “A cisão aconteceu porque tínhamos vocações diferentes”, diz o fundador do escritório Felsberg e Associados.


O êxodo dos ex-advogados do Felsberg chama atenção pelo tamanho. Mas ele não é o único no mercado. Descontentes com o sistema de gestão e de remuneração das grandes bancas, vários outros profissionais estão seguindo o caminho de Alfredo e Paulo. Cisões sempre foram comuns nos escritórios de advocacia. A diferença é que, agora, elas estão ganhando uma motivação diferente.

Os novos escritórios já nascem abolindo o sistema de remuneração apenas por horas trabalhadas. O objetivo é criar um modelo que premie mais o coletivo do que o individual e ofereça mais oportunidades de ascensão na carreira.

O advogado passa a ser avaliado por critérios técnicos e comportamentais, como a qualidade de um parecer jurídico, a relação com o cliente e com seus pares e o grau de comprometimento com o negócio.  

“Nos grandes escritórios, criou-se a cultura da máquina de moer carne, de baixa recompensa. Se você trabalha muitas horas, fatura bem. O que a gente quer é uma avaliação mais equilibrada e uma partilha mais equitativa”, diz Eduardo Soares, que, ao lado de dois sócios e outras 32 pessoas, deixou o Tauil & Chequer, 80 advogados e filiais no Rio de Janeiro e Vitória, para fundar, em São Paulo, o Soares Bumachar Chagas Barros Advogados, em setembro do ano passado.

Na tentativa de criar um modelo mais atraente, sobretudo para os jovens, o escritório vai distribuir para os associados um bônus que varia conforme o resultado. “Isso compromete todo mundo com a economia de recursos, que é a forma de trazer os resultados”, diz Eduardo. Segundo ele, não se retêm talentos só com dinheiro. “Eles só ficam se sentirem que vão subir na carreira.”

A saída de Eduardo já era esperada, segundo Alexandre Chequer, que fundou o Tauil & Chequer em 2000 e hoje é associado ao escritório americano Mayer Brown — o que faz com que ele tenha um modelo diferente do das bancas tradicionais do país. “Aqui, o que vale é a meritocracia. O cara fora da curva vai subir rápido. A avaliação não é individualista como nos escritórios tradicionais, mas a gente não premia as pessoas igualmente”, diz Alexandre.

No último ano, segundo ele, 80% dos associados ganharam bônus de pelo menos dois salários e 25% receberam acima de seis salários. “O discurso deles pode ser muito bonito, mas o bem-estar do profissional passa pelo financeiro. Aqui, o associado não divide o risco junto comigo. Quem apaga a luz é o sistema eletrônico.”

Vantagens de mudar

A possibilidade de crescer mais rápido é o prêmio ao trocar uma bandeira forte e consolidada por um negócio novo. A oportunidade de acompanhar o crescimento do novo empreendimento também é um fator motivador.


“O custo para montar um escritório hoje é baixo e há um excesso de oferta no mercado. As pequenas e médias empresas, que correspondem à maior parte dos negócios, não precisam de um escritório grande”, diz Luiz Fernando Halembeck, que há sete meses deixou a sociedade no Lacaz Martins, 70 advogados e filiais no Rio de Janeiro e Brasília, para montar uma espécie de butique de advocacia na capital paulista.

“Saí porque quis ser pequeno, para fazer só fusões e aquisições de pequenas e médias empresas”, conta Luiz Fernando. E completa: “Aqui, o cara que faz chover é o que entrega. O advogado mais velho tem que trabalhar”.

O sistema de compensação conhecido no mercado pelo jargão “eat what you kill” (você come o que matar), que foi muito comum nas bancas de Wall Street, em Nova York, fez o Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados, de São Paulo, chegar ao posto de um dos maiores escritórios do país, com 300 advogados.

Mas o que o trouxe até aqui não é mais o que pode levá-lo adiante. “Era um modelo muito individualista, que foi importante para o escritório se desenvolver.

Só que, a partir de determinado momento, começou a gerar muita ineficiência. O advogado acabava focando naquele cliente que ia gerar mais dinheiro para ele”, diz Roberto Quiroga, presidente do Mattos Filho. “O coletivo agora vale mais do que o individual.” A mudança, iniciada em 2009, foi feita para dar mais oportunidades para as pessoas.

Segundo Roberto, em menos de três anos o escritório recebeu mais seis sócios. “Ficou mais profissional, menos ligado a grandes estrelas”, diz o presidente. “Você consegue dividir o trabalho entre todos. Então, não vai mais existir aquela discrepância de ter um sujeito que trabalha 3 000 horas e outro que trabalha 1 000”, afirma o advogado. Para Roberto, essa é uma tendência forte no mercado.

O advogado acredita que um grande escritório não se sustenta com o modelo convencional de remuneração. “O sistema individualista não permite que uma sociedade continue crescendo. Você começa a ter muita competição interna”, diz o presidente do Mattos Filho.

Segundo ele, os dez maiores escritórios dos Estados Unidos já aderiram a esse modelo, assim como os cinco maiores de Londres, os três maiores da Espanha e os dois maiores de Portugal. No mercado, já andam brincando que se trata de uma revolução árabe — só que sem sangue.

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