Daniel Momoli, 31 anos, da BR Malls: até teste para avaliar a ética (Marcelo Almeida/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 17 de junho de 2013 às 15h24.
São Paulo - Se você tem considerado a hipótese de mudar de empresa ou está interessado em participar da seleção de uma grande companhia, prepare-se. A entrevista de emprego ficou mais complicada.
Descarte as velhas respostas prontas para perguntas como “Por que você quer esse trabalho?” e “Onde você se imagina daqui a cinco anos” e acostume-se à ideia de contar aos entrevistadores sobre sua vida pessoal e características de personalidade que vão muito além do tradicional “Fale-me sobre seus principais pontos fortes e fracos”.
Antes, interessava ao empregador conhecer o currículo do candidato e as experiências profissionais que pudessem contribuir para o desempenho do funcionário no cargo pretendido. O processo era mais rápido e o nível de conhecimento sobre a personalidade, o caráter e o comportamento do candidato era avaliado de forma superficial.
Essas dimensões eram consideradas importantes, mas não havia uma predisposição para escarafunchar esses tópicos na entrevista de emprego. Hoje, isso mudou. As empresas, principalmente as grandes corporações, estão mais exigentes na hora de contratar. A análise do currículo está mais criteriosa, o processo de seleção ganhou mais etapas e ficou mais longo.
Isso se deve ao aumento do número de competências que são verificadas. Em média, o candidato a um posto de nível médio deve estar preparado para enfrentar uma bateria de seis entrevistas, feitas por gestores dos diversos departamentos que vão interagir com o novo funcionário.
“A contratação para um posto gerencial tem durado cerca de dois meses, para um posto de direção, em torno de seis meses e para a presidência, até dez meses”, afirma Mariá Giuliese, diretora executiva da Lens & Minarelli, consultoria de recolocação.
As competências pessoais e os valores das pessoas se tornaram determinantes para a contratação. Informações sobre história de vida, visão de mundo, crenças e desejos passaram a fazer parte das entrevistas. A ideia é saber o quanto o perfil do candidato está alinhado à cultura da empresa.
Segundo a Society for Human Resource Management, entidade que reúne profissionais e consultorias de RH nos Estados Unidos, hoje, 54% dos recrutadores baseiam sua decisão final de contratação na “química” com o candidato.
As companhias têm percebido que a maior parte das demissões ocorre por dificuldades de adaptação ao ambiente e à filosofia da empresa. Quando o candidato não está feliz na companhia, mais cedo ou mais tarde acaba saindo.
“E o processo para substituir a contratação que falhou sai caro, seja pelo custo de uma seleção, seja pelo desgaste da equipe numa troca de chefia, ou pelo atraso no cronograma que essas transições provocam”, diz o consultor de carreira e coach Nélio Bilate.
Para conquistar a vaga de gerente financeiro do Shopping Curitiba, que pertence à BR Malls, o administrador de empresas Daniel Momoli, de 31 anos, percebeu o quanto o processo de entrevista está mais complexo. No início deste ano, precisou conquistar a aprovação de sete pessoas. “Em empregos anteriores, eu só passava pelo RH e pelo meu futuro supervisor”, compara Daniel.
Numa das etapas ele teve de fazer um teste de ética, com cem perguntas. “Precisei dizer o que pensava sobre uso de drogas, suborno, mentira e transgressão de regras entre a população”, recorda. “Até minha expressão corporal durante essa etapa foi avaliada.”
Imprevisibilidade
As perguntas feitas pelos entrevistadores também mudaram, com o objetivo de extrair respostas mais espontâneas. Entram em cena questões como “Quanto você sente que controla o seu destino” e “Dê uma nota de 1 a 10 à sua felicidade”, por meio das quais os recrutadores avaliam quesitos como autoconfiança, autonomia e atitude entusiasmada ou pessimista do candidato.
Isso porque as empresas estão cada vez mais preocupadas com a qualidade do ambiente de trabalho e o impacto que as pessoas têm sobre ele. Segundo o Guia VOCÊ S/A-EXAME – As Melhores Empresas para Você Trabalhar, as 150 companhias listadas têm uma rentabilidade sobre o patrimônio de 12,7%, ante 3,5% das empresas presentes na lista das 500 Maiores & Melhores, publicada pela revista EXAME.
As empresas também querem saber se o candidato consegue equilibrar vida profissional e pessoal. “Pergunto aos profissionais como se divertem e o que fazem nos momentos de lazer”, diz Fábia Barros, gerente da Foco Talentos. “Digo que quero saber como o candidato é quando está de bermuda e chinelo.”
O relacionamento familiar, aliás, ganhou lugar de destaque. O headhunter Gil van Delft, diretor da Page Personnel, conta que, antes de contratar, alguns clientes fazem questão que uma das entrevistas aconteça na frente da mulher do candidato, durante um jantar.
“O candidato dificilmente vai conseguir mentir quando perguntarmos se ele consegue equilibrar bem vida pessoal e trabalho e se realmente tem disponibilidade para viajar ou se mudar”, conta o headhunter.
O administrador de empresas Denício Neto, de 32 anos, foi contratado há cerca de um ano para uma vaga de executivo de atendimento e relacionamento na Totvs. A vaga exigia habilidades de comunicação e relacionamento interpessoal para vender softwares de gestão corporativa. “Para essa atividade, não basta ter o conhecimento técnico sobre o programa, é preciso falar a mesma língua dos empresários.”
Para avaliar a capacidade de Denício se relacionar, os entrevistadores fizeram perguntas sobre sua infância. “O headhunter me perguntou se fui uma criança extrovertida e se tinha facilidade para fazer amizades”, recorda o executivo.
Autoconhecimento
No Brasil, uma das empresas onde a busca pela “química perfeita” com o candidato é mais emblemática é a Natura. Autonomia, iniciativa e sustentabilidade são itens verificados na entrevista. “Conta muito a capacidade de assumir responsabilidade pelas ações e escolhas que faz na sua vida e na carreira”, explica Rogério Chér, diretor corporativo de RH da Natura.
Manuela Bernis, de 39 anos, aprovada recentemente na seleção para gerente de recursos humanos da Natura, teve de responder perguntas como “Em que momento da sua vida o autoconhecimento fez a diferença?”. Até assuntos considerados polêmicos, como religião, foram abordados.
“Falar de religiosidade era um tabu para mim porque considerava uma questão pessoal”, diz ela. Agora, a executiva avalia positivamente o grau de abertura desde a contratação. “Como houve muita transparência de ambas as partes, sinto que a empresa me conhece bem e eu a ela. Sinto que fui escolhida, mas que também escolhi e isso só aumenta o meu comprometimento”, diz.
Em maior ou menor grau, o desejo de saber mais sobre o caráter do candidato tem aparecido nas entrevistas. Na seleção do trainee Fábio Lima, de 27 anos, no grupo Ale, o entrevistador o questionou sobre seu alinhamento com um dos valores do grupo — o respeito pelas pessoas.
Fábio relatou um fato que até então não julgava relevante para a seleção: durante o tempo em que morou na Austrália, trabalhou como faxineiro e como entregador de pizza. “Fui destratado em várias ocasiões e aprendi na pele o que é respeito pelas pessoas. Essa experiência valeu minha aprovação no processo”, diz.
O principal conselho que ele dá para quem pretende passar por um processo seletivo é o autoconhecimento. “Seja autêntico e espontâneo, e não tente dançar conforme a música, porque certamente não vai funcionar”, avisa Fábio.