Profissional infeliz (kieferpix/Thinkstock)
Claudia Gasparini
Publicado em 25 de setembro de 2017 às 15h00.
Última atualização em 25 de setembro de 2017 às 15h00.
São Paulo — Você diria que profissionais responsáveis, ambiciosos e motivados podem acabar sabotando sua própria felicidade no trabalho? Por mais insólita que pareça, essa possibilidade existe. E mais: nem é tão remota assim.
Tudo depende das razões por trás de comportamentos aparentemente inofensivos ou até saudáveis, explica o psicólogo israelense Tal Ben-Shahar, que ministra um popular curso sobre felicidade na Universidade de Harvard.
“A eletricidade é uma coisa ruim?”, questiona o professor em entrevista a EXAME.com. “Ela é ótima quando é usada para trazer mais luz para as nossas vidas, mas é péssima quando seu uso é a execução de um inocente em uma cadeira elétrica”.
A depender da sua finalidade, certas virtudes frequentemente recomendadas por especialistas em carreira também podem ter uma faceta sombria.
“Se você busca ser um profissional exemplar só porque deseja ser rico ou admirado, mais cedo ou mais tarde você terá problemas”, diz Ben-Shahar. “Se, por outro lado, você tem essa postura porque quer fazer o bem e ter uma vida cheia de significado, terá mais chances de ser feliz”.
Confira a seguir 4 atitudes positivas que podem comprometer a sua satisfação com a carreira:
Ser capaz de encontrar razões fortes para acordar na segunda-feira é uma qualidade rara e absolutamente necessária em tempos difíceis para o país. Em excesso, porém, essa atitude pode levar à estafa ou burnout.
“Olhe para as startups, que são campeãs de motivação”, afirma Alexandre Teixeira, autor do livro “Felicidade S/A” (Arquipélago Editorial). “Muitas delas são notórias por suas jornadas de trabalho exageradas e pelas frequentes histórias de esgotamento físico e mental na equipe”.
Os hipermotivados excedem seus próprios limites voluntariamente. A situação se aproxima, pelo menos em parte, à do workaholic — que enxerga o trabalho como fuga para outros aspectos disfuncionais de sua vida.
Para Teixeira, um símbolo do problema são as hackathons, maratonas em que profissionais de tecnologia passam horas, dias ou até semanas resolvendo desafios de programação. “É claro que a ideia da hackaton é ótima, mas não como rotina”, explica. "Mais cedo ou mais tarde, virar dezenas de madrugadas trabalhando acaba trazendo problemas de saúde".
O desejo de crescer na carreira é essencial para o sucesso, mas pode se converter em problema quando se transforma em excesso de competitividade. "Você se torna cego para o impacto que as suas ações têm sobre si mesmo e sobre os outros, e os seus relacionamentos são prejudicados”, alerta Annie McKee, professora da Universidade da Pensilvânia, em artigo para o site “Harvard Business Review”.
De acordo com o psicólogo e consultor Caio Farhat, profissionais ambiciosos ao extremo correm o risco de se transformar em competidores desenfreados. "Rat race [corrida de ratos, em tradução livre], em psicologia positiva, significa correr atrás de objetivos que não lhe trazem prazer, mas que supostamente trarão felicidade no futuro", explica. "O problema é que as conquistas passam a ter cada vez menos valor".
Ter consciência sobre os seus deveres, e persegui-los de forma constante, é um dos pilares mais básicos do profissionalismo. No entanto, é preciso tomar cuidado para não confundir responsabilidade com submissão. "Muita gente se fixa apenas nas demandas da empresa, e acaba deixando de lado suas próprias exigências e necessidades", explica Farhat.
Segundo McKee, o senso de responsabilidade excessivo cria "super-heróis". “Muitas pessoas escondem qualquer coisa que possa fazê-las parecer fracas ou vulneráveis, como dificuldades em casa ou a sensação de esgotamento, porque sentem que precisam ser fortes o tempo todo”, escreve a professora.
O problema se agrava quando a obediência cega à empresa é recompensada com bônus, aumentos e promoções. Afinal, qual seria o problema de contrariar as suas vontades se você está ganhando bem? Mais cedo ou mais tarde, porém, negligenciar a própria felicidade cobrará seu preço.
As empresas não querem mais funcionários; elas buscam profissionais afinados com sua missão e seus valores. Ao mesmo tempo, grande parte dos profissionais, sobretudo os mais jovens, não desejam só um emprego: querem um trabalho com sentido e significado.
Tudo isso é ótimo, diz Teixeira, mas pode virar um pesadelo a depender da intensidade. “A busca por propósito pode criar uma insatisfação crônica com a própria carreira”, explica o especialista. É o que o especialista chama de ansiedade hedônica: a angústia por não estar se sentindo bem o tempo todo.
Como a realidade nem sempre acompanha esse ideal, também é possível ter mais dificuldade para escolher uma profissão ou área de especialização. Você pode acabar pulando de emprego em emprego, atrás de uma realização grandiosa que nunca chega a se materializar.