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Reflexões sobre o caso Theranos e a importância da validação numa startup

Startups são, de fato, um investimento de risco; mas isso não quer dizer que a escolha de onde aportar e em quem confiar também precisa ser

Investidores enganados não se aprofundaram e não fizeram as perguntas que deveriam ter sido feitas (David Odisho/Getty Images)

Investidores enganados não se aprofundaram e não fizeram as perguntas que deveriam ter sido feitas (David Odisho/Getty Images)

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Publicado em 11 de janeiro de 2022 às 12h21.

Por João Kepler*

Se você faz parte do ecossistema de Startups, seja como empreendedor ou investidor, certamente deve ter acompanhado a repercussão e desdobramentos do caso da Startup Theranos. Afinal, trata-se de um dos processos judiciais mais emblemáticos do Vale do Silício e que chegou ao fim na última semana. Eu demorei a me pronunciar sobre esse caso porque estava esperando esse julgamento.

Só para relembrar, a fundadora Elizabeth Holmes, de 37 anos, foi julgada culpada por fraude e conspiração em quatro das 11 acusações contra ela em um tribunal da Califórnia, isso porque ela vendeu a promessa de realizar exames de sangue com poucas gotas do material de forma rápida e eficaz. E o que seria melhor: mais rápido, indolor e por menos da metade do preço praticado no mercado.

Com isso, a empreendedora conseguiu aporte de quase US$ 1 bilhão com investidores. O investidor visionário Tim Draper aportou pela primeira vez em 2003.

Sim, o número é impressionante — assim como inicialmente aquela solução também parecia ser: a promessa da empresa era revolucionar os exames de sangue, com testes indolores capazes de identificar ao menos 70 marcadores diferentes de doenças e resultados disponíveis pelo celular.

E a questão aqui é a prática de investimento, que neste caso se deu no Vale do Silício, mas que poderia ter acontecido em qualquer outra comunidade.

A primeira reflexão é em relação aos sinais. Principalmente por se tratar de uma área muito específica como a saúde, é preciso manter o ceticismo científico — mesmo que a ideia pareça genial, inovadora, única.

Neste caso que estamos analisando, quando Elizabeth vendeu a ideia de que conseguiria realizar centenas de testes para doenças com apenas algumas gotas de sangue extraídas do dedo do paciente, isso deveria ter sido no mínimo melhor validado, mesmo sendo apenas uma promessa.

A Startup tinha levado um protótipo a mercado, sem validação científica, com resultado de exames que apresentavam grande variação e não seguiam os protocolos de segurança e qualidade estabelecidos pela Sociedade Americana de Patologia Clínica.

Reflexão número dois: algumas startups vão, de forma estratégica, usar da falta de conhecimento específico do investidor (ou da dificuldade de checagem em alguns casos) para convencê-lo de que tudo que está na apresentação bem montada é uma realidade palpável. Mesmo que nunca tenha sido mais do que isso, um slide, um storytelling ou um protótipo bem construído. No caso da Theranos, os investidores disseram acreditar que os relatórios foram redigidos por empresas farmacêuticas.

Reflexão número três: cuidado com o carisma do fundador. Algumas pessoas são, naturalmente, encantadoras, agradáveis. Mas essas não são características suficientes para você acreditar em tudo que dizem. Quando se trata de negócios então, é preciso manter-se atento à coerência, ética e atitudes de quem você opta por confiar.

Além desses pontos focais, nunca é demais lembrar também aos leitores que “quando a esmola é muita o santo desconfia”. Fuja (ou realmente comprove) de ofertas que parecem ser boas demais para ser verdade. Geralmente elas não são mesmo.

Startups são, de fato, um investimento de risco. Mas isso não quer dizer que a escolha de onde aportar e em quem confiar também precisa ser. O que eu quero dizer com isso é que se você fizer o dever de casa, estudar, entender as validações, as métricas e o mercado, fazer parte de grupos idôneos, diluir e diversificar seus investimentos em Startups, Pools de investidores e fundos, com isso, as chances de dar certo, de ter experiência embarcada e de obter resultados no longo prazo, serão bem mais consistentes.

Acredito que neste caso em específico, talvez o maior pesar dos investidores tenha se dado pela constatação própria de que não fizeram ou obtiveram respostas para perguntas óbvias. E para que isso não aconteça com você também, deixo aqui ainda algumas dicas que poderão te ajudar a erros evitáveis quando se trata de investimentos:

Faça o dever de casa bem feito: se você não estiver seguro em relação ao investimento, não se preocupe em “perder” uma grande e exclusiva oportunidade. Gaste mais tempo pesquisando, certificando-se de que além de promissor aquele negócio realmente é confiável.

Existe uma linha bem tênue entre o sucesso e o fracasso. No meio do caminho ainda há espaço para fraudes, decisões erradas e omissão. Por isso, escolha a dedo a quem irá associar seu nome.

Validação. Particularmente eu sempre investi em negócios já validados, funcionando e com alguma receita (clientes). Mas para aqueles que apostam em ideias, muito cuidado com propostas inacabadas, inconclusivas e que carecem de aprovação regulatória. Tem projetos que inevitavelmente nunca vão passar disso: uma proposta, ou seja, os dados não demonstravam um racional sólido para prosseguir com a parceria.

Investidores não devem se influenciar por opiniões de terceiros. No caso da Theranos muitas celebridades do mundo dos negócios recomendaram como George Shultz, Jim Mattis, Tim Draper, Rupert Murdoch e Henry Kissinger. A startup chegou a usar o logotipo de farmacêuticas como a Pfizer em seus documentos, como forma de demonstrar credibilidade.

Por mais que exista alguma competição entre investidores ou até mesmo entre os empreendedores na ânsia de ser o próximo unicórnio, nunca se esqueça de que pressa, ansiedade e velocidade demais sem estrutura e direcionamento, é o primeiro passo para tudo desmoronar.

O caso Theranos ajuda a diferenciar o que são riscos mensuráveis ou evitáveis. Mas fica claro que os investidores que foram enganados por Holmes apesar de experientes, não aprofundaram e demandaram corretamente respostas para as óbvias e costumeiras perguntas que deveriam ter sido feitas previamente.

*João Kepler é CEO da Bossa Nova Investimentos

Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.

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