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Qual o segredo da modelagem de negócios digitais em um mundo de incerteza?

Se as tecnologias não oferecem necessariamente uma vantagem competitiva, pelo seu fácil acesso, como criar um negócio de sucesso?

Novo curso ajuda a formula estratégias em contexto 100% digital (foto/Getty Images)

Novo curso ajuda a formula estratégias em contexto 100% digital (foto/Getty Images)

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Publicado em 24 de abril de 2023 às 17h00.

Última atualização em 25 de abril de 2023 às 07h58.

A pergunta do título pode surpreender. Afinal, ouvimos tanto sobre tecnologias disruptivas no dia a dia, que nos acostumamos a pensar que são elas que geram valor. Mas para o professor da Fundação Dom Cabral (FDC), Fabian Salum, não é bem assim. Como as tecnologias ficaram mais comuns, pode-se dizer que elas viraram commodities. Se, com isso, os negócios ficam mais parecidos, a chave do sucesso é exatamente a capacidade de criar algo diferente. E para desenvolver um negócio com grande diferencial, nada melhor do que colocar a mão na massa. Ou melhor, em um laboratório repleto de experiências.

Essa foi a ideia central que levou a escola de educação executiva  Fundação Dom Cabral (FDC)  a fazer uma parceria com a consultoria de TI e negócios, NTT DATA, para a montagem de um curso de modelagem de negócios digitais para executivos C-Level, empresários, dirigentes e outros executivos sêniores.

A ideia é que eles saiam capacitados a formular estratégias e a liderar equipes em um contexto 100% digital. Para entendermos um pouco mais sobre o cenário atual de algumas tecnologias, leapfrogging, modelagem e sobre a liderança ideal para os novos negócios digitais, entrevistamos o professor Fabian Salum, que é o diretor acadêmico do curso, pela FDC, e o head de Inovação da NTT DATA, Roberto Celestino. A dupla quer fomentar uma mudança de mentalidade para atender a uma nova realidade de negócios onde a única coisa definitiva é a incerteza.

Bússola: Como modelar negócios no contexto digital? Quais são os passos essenciais?

Fabian Salum: É importante ressaltar que o contexto digital não é sobre tecnologia e sim sobre mudança de cultura. Atualmente, é possível observar uma grande mudança de comportamentos e das necessidades dos consumidores em decorrência dos novos cenários e opções de consumo. Na economia digital as organizações deverão adotar novas práticas de gestão que serão capazes de contribuir para seu novo modelo de gestão e de negócios.

Muitas organizações não terão êxito com meras alterações incrementais de práticas administrativas bem-sucedidas no passado. A tecnologia ainda é apenas um meio. Como quase todas as organizações podem adquiri-la e usá-la, a tecnologia digital não oferece necessariamente uma vantagem competitiva, pelo seu fácil acesso. Assim sendo, o segredo de modelagem de negócios no contexto digital é a capacidade de diferenciar seu negócio oferecendo aos clientes algo novo e atraente para atender as expectativas de consumo. E tudo isso sendo viabilizado pela adoção da tecnologia digital. Existem alguns passos essenciais para fazer a modelagem, a partir de respostas para questões-chave, como: quão forte é a ameaça digital para seu modelo de negócio?  Qual modelo de negócio é o melhor para o futuro de sua organização? Qual é sua vantagem competitiva? Como você usará as tecnologias móveis e a internet das coisas (IOT) para se conectar e aprender? Você está comprando opções para o futuro e se preparando para a necessária cirurgia organizacional? Você tem liderança em todos os níveis para fazer a transformação acontecer?

Bússola: O que é leapfrogging? E por que ela é relevante para criar modelos de negócios digitais?

Fabian Salum: Leapfrogging é uma prática na qual a ausência de infraestrutura em uma determinada oportunidade é utilizada como plataforma para a adoção de métodos mais avançados para supri-la. Também conhecido por technology leapfrogging, esse fenômeno se caracteriza pela aplicação de práticas tecnológicas mais atuais sem necessariamente percorrer estágios anteriores da tecnologia.

Constitui-se, portanto, em um salto de etapas tecnológicas, e por essa razão, tem sido uma estratégia altamente eficaz para países em desenvolvimento nas últimas décadas. Países em desenvolvimento representam terrenos férteis para a prática do leapfrogging. Os grandes gaps de infraestrutura, tecnologias e políticas para inovação comuns à América Latina, África e Ásia, demandam soluções disruptivas para proporcionar avanços econômicos e sociais às suas populações. Ademais, os patamares tecnológicos e seus upgrades, indispensáveis para a produtividade, ocorrem nesses países com frequência bem menor em relação ao restante do mundo.

Assim, o leapfrogging pode funcionar nessas regiões como um acelerador rumo à fronteira tecnológica presente em países desenvolvidos, possibilitando a redução das diferenças em termos de competitividade econômica e desigualdades sociais. O desafio que se coloca aos modelos de negócios digitais não está apenas em criá-los, mas sim em transformá-los em conhecimento e uso prático. A correlação entre Modelos Negócios Digitais e Leapfrogging pode promover uma maior velocidade na criação de valor para os stakeholders em diversos setores da economia

Portanto, a tecnologia digital potencializa o acesso à vasta base de dados existente e busca oferecer uma resposta adequada ao uso pretendido por uma modelagem de negócios. Recentemente iniciamos o ano com a disseminação de várias tecnologias de Inteligência Artificial (IA), fato esse que materializa a prática de leapfrogging. Assim sendo, acredito que seja cada vez mais relevante proporcionar uma experiência de interação entre demandas, cada vez mais diversas da sociedade, com a capacidade de respostas confiáveis. Isso posto, acredito que a abordagem dos sistemas cognitivos nos modelos de negócios digitais é diferente dos sistemas tradicionais ou analógicos. Ela pode ser resumida em três ações recomendadas: entender a demanda,  raciocinar sobre a melhor pergunta e  aprender com as respostas obtidas.

Bússola: Que tipo de liderança é essencial no processo de modelar e conduzir negócios digitais?

Fabian Salum: Para prosperar num universo digitalizado, as organizações, independente de seu porte, precisarão se reinventar e mudar de forma substancial seu relacionamento com os clientes por meio da criação de novas formas de interação digital entre eles. Isso é uma condicionante cada vez mais clara e evidente. O desafio hoje não é mais acesso à tecnologia e agilidade nos processos.

Acredito que o maior desafio nas organizações é possuir um corpo de líderes adaptativos para entender as novas variáveis de contorno dos mercados. O líder para este novo contexto é algo raro, quase uma “mosca branca”. Creio que nunca vivemos um desafio tão grande na condução das empresas.

Temos hoje, uma transição da cadeia de valor para o ecossistema, o que exige uma mudança significativa da cultura organizacional e de algumas capacidades técnicas. Para promover uma transição, sugere-se que os líderes das organizações iniciem investimentos capacitacionais em opções estratégicas que possibilitem essa reinvenção. Essas capacidades promoveriam, na organização, um movimento orientado para a transformação digital de forma mais amena e mais protegida para com os possíveis erros que podem surgir no transcorrer do tempo.

Nunca fomos tão desafiados como líderes do que o momento que se vive no mundo. O compromisso com a formulação de estratégias e liderança de equipes, muitas em modelo híbrido de trabalho no contexto digital, exige que sejam identificados líderes em todas as áreas de uma organização para obter o máximo desempenho congruente. Quando os líderes para exercer ou colocar em prática as estratégias num contexto 100% digital forem identificados e designados, provavelmente, seu percentual de tempo na gestão de processos da organização dobrará. O foco será especificamente na melhoria da experiência do cliente e, ao mesmo tempo, no aumento da eficiência operacional com a automação e  a inteligência artificial trabalhando para o melhor nível de entrega para os stakeholders.

Bússola: A digitalização nas empresas não é um processo novo, mas está longe de estar completo. As empresas brasileiras, de um modo geral, estão fazendo o melhor uso de tecnologias como IA generativa, metaverso, blockchain etc, em seus negócios?  Em que estágio de maturidade elas estão?

Roberto Celestino: Na comparação com outros países da América Latina, o Brasil está na vanguarda. As empresas brasileiras, de um modo geral, têm mais apetite ao risco para explorar as tecnologias emergentes. Mas ainda há muito espaço para crescimento. Eu faço a seguinte analogia: em relação ao potencial do uso das tecnologias emergentes, estamos como na fase da internet discada antes do salto da banda larga.

No começo da internet, nem imaginávamos os serviços que viriam com o uso da internet rápida e do smartphone. Estamos engatinhando no uso das tecnologias emergentes. Não temos nem ideia do que vem pela frente. E é justamente por isso que as empresas precisam ter projetos pilotos, que gerem conhecimento. Elas precisam testar o uso dessas tecnologias. Não adianta ficar parado esperando que a magia vá acontecer.

Quem fizer isso verá um concorrente, que aceitou o risco, criar novos negócios e assumir a liderança do setor. Claro que essas tecnologias têm o potencial de aumentar a eficiência dos processos, mas precisamos enxergá-las não como ferramentas auxiliares nos processos existentes e que farão inovações pontuais. A mudança é muito mais radical: essas tecnologias irão criar negócios que ainda não existem, mas que serão criados à medida que nosso entendimento avance.

Bússola: Quais os desafios hoje para a maior implantação dessas tecnologias nas empresas?

Roberto Celestino: Executivos de negócios de grandes empresas olham com entusiasmo para as possibilidades que essas novas tecnologias oferecem. Já os executivos de tecnologia têm muitos desafios: Jornada para a nuvem, riscos cibernéticos, proteção dos dados e lidar com os sistemas legados. São desafios que impedem um maior uso dessas tecnologias nas empresas.

Bússola: E como as empresas usam essas tecnologias hoje?

Roberto Celestino: Posso falar sobre setores. Os bancos estão testando diversos serviços ligados à Inteligência Artificial e Metaverso. Há diversos projetos pilotos para testar o potencial dessas tecnologias e capacitar os colaboradores. Se não usam blockchain, ligado à criptomoedas, é por conta de questões regulatórias. Mas, na tokenização de ativos há diversos testes sendo feitos.

O varejo está usando muita IA e querendo investigar o blockchain. Mas o setor está tateando no metaverso. Setor de saúde está adotando a internet das coisas e realidade aumentada para melhorar a jornada dos pacientes. Para isso avançar, os executivos precisam aprofundar o conhecimento sobre essas tecnologias, testar o uso delas na prática. Como disse, vivemos um cenário de oceano azul e quem tiver a disposição de abraçar o novo irá colher os resultados nos próximos anos.

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