Por que a MP dos combustíveis deve ter pouco impacto para o consumidor
Produto adquirido nos postos tem valor composto de diferentes parcelas, além de sofrer influência do mercado internacional
Bússola
Publicado em 23 de agosto de 2021 às 19h46.
Última atualização em 23 de agosto de 2021 às 19h57.
Com certa frequência o brasileiro se depara com notícias sobre o reajuste de preços dos combustíveis na bomba dos postos. Mas poucos sabem como funciona a formação do preço dos combustíveis.
Recentemente, o Executivo Federal editou uma medida provisória (MP) que abre a possibilidade de comercialização de combustíveis de outros fornecedores em postos com marcas específicas, o que trouxe a questão ainda mais para o debate. A MP sofreu críticas de boa parte dos especialistas por desorganizar o setor, sem benefícios aos consumidores em relação aos preços.
Basicamente, a composição do preço dos principais combustíveis (diesel e gasolina) é dividida em seis partes: margem de lucro dos postos, margem das distribuidoras, tributo estadual (ICMS) — cada estado define sua alíquota, tributo federal (PIS/Cofins e Cide), preço da refinaria ou do importador e o custo da mistura de biocombustível (etanol ou biodiesel). No caso do etanol, não há a fatia da mescla de biocombustíveis.
Em geral, o maior peso na estrutura do valor está no produtor/importador, que chega a 61% no etanol; 48% no diesel e 30% na gasolina. Os impostos (federais e estaduais) representam a maior fatia na gasolina (44%), além de 24% no diesel e 23% no etanol, em média. A margem das empresas distribuidoras e dos postos corresponde a uma parcela menor: entre 3% e 4% e de 6% a 9%, respectivamente.
Mercado externo
É importante destacar que o preço dos combustíveis sofre influência do mercado internacional e da cotação do dólar, pois no país se pratica a Paridade de Preço Internacional (PPI) para os combustíveis. Essa política inclui custos de frete de navios, de transporte, taxas portuárias, margem sobre riscos à operação (volatilidade do câmbio e preços de estadias em portos), lucro e tributos.
A PPI tem como principal indicador de acompanhamento o preço do barril de petróleo e de seus derivados no mercado externo, cotados em dólar. Ou seja, quando este valor sobe, o preço dos derivados nas refinarias pode aumentar. Se o barril ficar mais barato, pode ser reduzido.
Medidas do governo
A Medida Provisória 1.063, que permite a venda de combustíveis de outros fornecedores em postos com marcas específicas, foi assinada tendo como um dos argumentos do governo a redução do preço dos combustíveis para o consumidor. Porém, consultores e agentes do setor, ouvidos pela Bússola, discordam.
A medida desorganiza o setor, inibe investimentos, abre espaço para mais fraudes e sonegação de tributos e fere o direito do consumidor de escolher a marca que quer abastecer seu veículo.
Em última análise, pode comprometer o abastecimento nacional diante das dificuldades de levar os produtos aos postos em um país continental — uma atribuição das distribuidoras.
Para Adriano Pires, sócio-fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), a MP 1.063 é um equívoco do governo, que deveria centrar esforços em soluções tributárias para tornar o setor mais atrativo e equilibrado.
“O governo está equivocado. Em vez de aumentar a concorrência, vai desorganizar o setor, estimulando a sonegação. Esse argumento de que aparentemente a MP vai reduzir o preço, na prática, não vai acontecer. O ICMS tem de ser isonômico, incidir na refinaria com uma alíquota fixa em real (ou centavos de real) por litro, como no PIS/Cofins. Essa seria a discussão central a ser feita”, afirma Pires.
Além da incerteza sobre a redução do preço final na bomba, a MP 1.063 enfrenta questionamentos relacionados ao direito do consumidor.
Segundo parecer assinado por Cláudia Marques, do Lima Marques, Miragem Advogados, escritório referência em direito do consumidor, a quebra da fidelidade à bandeira prejudica o cliente no momento de identificar a marca de combustíveis que deseja comprar.
“É prejuízo ao interesse do consumidor e risco notório de violação do seu direito básico à informação clara e adequada acerca de produtos e serviços”, diz o estudo, que foi apresentado em Consulta Pública da ANP sobre o assunto.
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