Nos picos de produção, a oferta supera a capacidade das linhas de transmissão
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Publicado em 15 de dezembro de 2025 às 10h00.
Por Vinicius Dias, CEO do Grupo Setta*
A rápida expansão das fontes renováveis transformou o Brasil em uma potência verde, mas também revelou um paradoxo: o país produz energia limpa em abundância, mas não consegue escoá-la.
Hoje, mais de 88% da matriz elétrica é renovável, de acordo com o Balanço Energético Nacional. Porém, a infraestrutura de transmissão e a regulação não acompanharam esse crescimento.
Sendo assim, como podemos aproveitar ao máximo todo o potencial de energia limpa que o Brasil produz?
Entre janeiro e outubro de 2025, 20,4% de toda a energia solar e eólica potencial deixou de ser aproveitada — volume três vezes superior ao registrado no mesmo período de 2024 —, segundo levantamento da Volt Robotics com dados do ONS.
Nos picos de produção, a oferta supera a capacidade das linhas de transmissão, obrigando o operador a intervir com cortes sistemáticos na geração renovável.
Essa prática, conhecida como curtailment, reduz a previsibilidade e afeta diretamente o retorno de projetos que dependem de operação contínua. Além das limitações físicas da rede, o modelo regulatório atual foi concebido para hidrelétricas e térmicas, que permitem controle imediato.
Já as fontes renováveis entregam picos concentrados e exigem uma flexibilidade que a estrutura vigente ainda não oferece.
Sem mecanismos modernos de previsão e resposta da demanda, as oscilações se intensificam. A geração distribuída amplia esse desafio ao reunir milhões de pequenos geradores injetando energia de forma descentralizada.
Essa participação democratiza a matriz elétrica, mas exige monitoramento contínuo e ferramentas digitais robustas para evitar desequilíbrios locais e regionais.
Nesse contexto, o armazenamento torna-se peça central para garantir estabilidade. Baterias de grande porte, usinas reversíveis e projetos de hidrogênio verde permitem absorver excedentes e devolvê-los ao sistema quando a demanda cresce.
Isso reduz desligamentos, preservando receitas e tornando a operação mais confiável. A digitalização também desempenha papel decisivo.
Redes inteligentes e sistemas avançados de monitoramento permitem prever a geração renovável, ajustar fluxos automaticamente e integrar diferentes perfis de produtores. A combinação entre dados, tecnologia e inteligência operacional fortalece a resiliência do sistema diante da intermitência.
O Brasil tem a oportunidade de transformar sua abundância renovável em uma vantagem estrutural. Para isso, precisa alinhar infraestrutura, regulação e tecnologia à nova realidade do setor elétrico.
Quando esses elementos caminham juntos, o país supera o paradoxo atual e consolida uma matriz elétrica estável, competitiva e compatível com sua liderança global. O futuro da energia limpa no Brasil depende da nossa capacidade de transformar potencial em resultado concreto.
*Vinicius Dias é CEO do Grupo Setta, empresa com mais de 29 anos de experiência e sólida atuação em engenharia elétrica no Brasil.