Em nenhuma das crises sanitárias mundiais do século 21 o número de mortes foi tão grande (Naeblys/Getty Images)
Bússola
Publicado em 9 de fevereiro de 2022 às 15h47.
Por Euclides Matheucci Jr.*
Por toda minha vida profissional, por curiosidade, me perguntei como seria viver um fato histórico disruptivo. Eis que em março de 2020, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou a covid-19 como uma pandemia, a população mundial ainda não tinha ideia do que poderia acontecer nos próximos meses. Muitos nem acreditavam na possibilidade dela durar muito tempo.
Agora, após quase dois anos desde a confirmação do primeiro caso no país, a sociedade vem se recuperando aos poucos de uma das piores crises sanitárias que levou mais de 620 mil brasileiros. Essa pandemia trouxe um período terrível na história da humanidade, precipitando mudanças de comportamento social e alterações de mercado.
Não bastassem os impactos na saúde, os efeitos negativos se estendem à economia. Um dos reflexos foi o aumento do desemprego. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem atualmente 13,5 milhões de desempregados, com uma taxa de 12,6%. A pandemia atingiu aspectos socioeconômicos globais, com graves recessões, prejudicando o acesso à alimentação básica, saúde e educação, mas principalmente em países em que a desigualdade social já é elevada, como no Brasil.
Em nenhuma das crises sanitárias mundiais do século 21 o número de mortes foi tão grande ou exigiu do Estado a injeção de recursos financeiros em escala tão elevada. Dessa forma, a pandemia do coronavírus ensinou a necessidade de construir uma agenda de saúde pública com uma perspectiva integral e integrada, que reconheça a interdependência que existe entre as dimensões sanitária, social, econômica e ambiental.
Se o controle da pandemia tivesse sido mais rígido no Brasil desde o início com o isolamento social e criação de auxílio para as famílias mais pobres, não teríamos lotação de UTIs, falta de insumos básicos e atendimento insuficiente que levaram a colapsos nos sistemas de saúde, como o que foi presenciado em Manaus no início do ano com a falta de oxigênio em hospitais.
Felizmente, mas sem esquecer dos que se foram, o cenário foi mudando com o avanço da vacinação e os sistemas de saúde conseguiram desafogar.
Mas agora existe outra preocupação em relação ao setor de saúde que foi trazida pela pandemia. A brecha que se abriu com a falta de acompanhamento médico de outras doenças devido à necessidade de isolamento social e lotação de hospitais dedicados quase 100% à covid-19 já demonstra algumas consequências negativas.
No Brasil, a população deixou de realizar tratamentos médicos, incluindo quimioterapia e radioterapia, e cirurgias. De acordo com um estudo da Universidade de São Paulo (USP) coordenado pelo professor Nivaldo Alonso, cerca de um milhão de procedimentos cirúrgicos foram desmarcados ou adiados. Com a menor atenção e procura para o diagnóstico e tratamento de outras enfermidades recorrentes, as chances de cura podem ser menores.
Esse certamente está sendo um desafio para o setor médico público e privado. Uma alternativa é acelerar a adoção da digitalização dos sistemas de saúde que estimulem a procura por teleconsultas, ou até mesmo questionários online, nos quais os pacientes poderão relatar informações e sintomas que possibilitem a identificação de suspeitas de doenças.
Os cidadãos também devem ser estimulados a procurarem os sistemas de saúde de forma presencial para consultas e exames de rotina utilizando-se dos protocolos padrões de segurança contra covid-19, por meio de campanhas públicas de saúde.
Com tantos efeitos negativos trazidos pela pandemia, o questionamento que fica é o que conseguimos aprender com ela. Talvez a primeira das lições foi valorizar a ciência e as instituições de pesquisa e a saúde pública. A segunda, e não menos importante, foi valorizar as relações humanas, o afeto e o cuidado com o próximo. Também aprendemos a melhorar nossos hábitos de higiene e nos adaptamos a um novo formato de vida, onde a maior parte das nossas atividades foram feitas à distância.
Ainda nos perguntamos quando a pandemia vai acabar ou se isso pode acontecer um dia, mas as respostas divergem mesmo entre a comunidade científica, pois não existe definição para o fim de uma pandemia. Encontrar maneiras de desacelerar a propagação de uma doença e controlar os seus efeitos é o caminho mais seguro.
Nesse cenário, as vacinas e a tecnologia se provaram essenciais e fazem a diferença. As vacinas contra a covid-19 disponíveis são seguras e eficazes. Portanto, a vacinação em massa é a única forma de acabar com a pandemia mais rápido e com menor mortalidade. Assim sendo, é de extrema importância garantir o seu acesso no mundo todo.
Muito provavelmente nossa sociedade conviverá com o novo vírus por anos, como ocorre com os vírus da gripe, e deveremos manter sempre a atenção para isso, já que nosso sistema imune tem contato com o SARS-CoV-2 há pouco tempo, e isso ainda poderá gerar complicações futuras. As doses de reforço da vacina deverão ser consideradas e a periodicidade de aplicação será discutida, além disso, os hábitos de higiene precisarão ser mantidos pela população.
Para evitar novas pandemias, a estratégia mais efetiva é a vigilância, ou seja, monitorar animais e as viroses já existentes. Existem locais propícios para o aparecimento de microrganismos que conseguem passar de animais para seres humanos, como lugares que não possuem saneamento básico e acesso à educação sanitária e que praticam o abate e comércio de animais sem os devidos cuidados com a higiene. Esses locais devem ser pontos de atenção para medidas preventivas.
Além disso, é necessário a classificação de vacinas como bens públicos; instituir mecanismos de financiamento voltados às essas situações e implementar um sistema de vigilância com o poder de informar a população a respeito de novas doenças.
*Euclides Matheucci Jr. é co-fundador e diretor científico da empresa de biotecnologia DNA Consult
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