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O novo sempre vem: dinâmicas da inovação e integração ao nosso dia a dia

A cultura é uma espécie de cabo de guerra: há tensão, mas também equilíbrio e estabilidade

Mudanças sensíveis demandam discussões igualmente sensíveis (Malte Mueller/Getty Images)

Mudanças sensíveis demandam discussões igualmente sensíveis (Malte Mueller/Getty Images)

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Publicado em 5 de setembro de 2022 às 11h30.

Última atualização em 5 de setembro de 2022 às 11h48.

Por Eduardo Cosomano* 

O que faz a inovação acontecer? Esta pergunta, aparentemente fácil de ser respondida, tem ocupado algumas das reflexões que tenho tido a partir da percepção de certo descompasso entre as novidades tecnológicas as quais temos tido cada vez mais contato e uma certa hesitação das pessoas em aderi-las. As dinâmicas da inovação, afinal, demandam um processo por vezes lento e silencioso de negociação entre as pessoas para serem realmente integradas ao dia a dia de um grande público. 

Uma anedota que circula bastante no meio jurídico dá o tom desta discussão. Em 1929, um juiz mineiro optou por datilografar determinada decisão, utilizando sua máquina de escrever, aparelho que ainda não era totalmente popular no país. Algum tempo depois, a Câmara Criminal do Tribunal da Relação de Minas Gerais (correspondente do atual Tribunal de Justiça do Estado) anulou a decisão. O motivo? À época, não se aceitavam documentos judiciais que não fossem produzidos pelos magistrados com o próprio punho. 

O entendimento era que a escrita manual pressupunha respeito a um dos valores basilares do processo penal brasileiro, isto é, o do sigilo das decisões antes da sua publicação. O raciocínio (que parece fazer pouco ou nenhum sentido à luz da atualidade) dizia respeito, na verdade, a um senso de tradição e continuidade de práticas consagradas das instituições nacionais. 

É claro que, com o passar do tempo, as máquinas de escrever foram absorvidas pelos tribunais, varas judiciais e escritórios de advocacia Brasil afora, sendo por sua vez substituídas por computadores com acesso à Internet décadas depois. Mas esse processo não veio através de um suposto choque tecnológico, mas por meio de uma intensa, por vezes ruidosa, negociação que permeou toda uma sociedade e mais de uma geração. 

Outro caso do passado (um pouco mais recente) se deu no ano de 1995, quando o apresentador David Letterman perguntou ao Bill Gates o que é a internet, uma incógnita para o grande público na época. “Há alguns meses houve um grande anúncio dizendo que na internet ou em algum negócio do computador iriam transmitir um jogo de baseball e que você poderia ouvir a partida e então eu pensei ‘ora, o rádio não soa familiar?”, disse em tom de ironia.  

Após risadas de Gates e do público, o fundador da Microsoft tenta explicar: “Olha, tem uma diferença. Você pode ouvir o jogo quando você quiser”, que vem seguido da resposta do apresentador. “Mas um gravador não soa familiar?”. Hoje, todos nós sabemos as diferenças entre rádio, gravadores e a internet, mas na época, foi difícil até para o Bill Gates explicar. 

Isso se dá não porque as pessoas não têm capacidade de entender os novos mecanismos que regem seus cotidianos, mas por uma questão demasiadamente humana: os padrões que seguimos são a síntese de intercâmbios culturais que, embora sempre dinâmicos, tendem a cristalizar determinados comportamentos em detrimento de outros. A cultura é uma espécie de cabo de guerra: há tensão, mas também equilíbrio e estabilidade. 

Podemos pensar, por exemplo, na nossa relação com questões como o home office, a telemedicina ou o e-commerce. Estas três práticas, que já existem há anos, ganharam tração com as políticas de isolamento social impostas pela pandemia, mas mesmo hoje ainda parecem estranhamente embrionárias. 

No auge da crise sanitária, em meados de 2020, o trabalho remoto só atingiu 10,4% da população empregada no Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As consultas médicas à distância, mesmo com cada vez mais demanda, seguem sendo um serviço mais acionado por públicos nichados, especificamente pessoas de classes mais altas, como indica um levantamento recente do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic). 

Por sua vez, o comércio eletrônico, que representou um passo importante nas dinâmicas de compra e venda em todo o mundo, não corresponde a mais que 11,6% do setor varejista do Brasil, conforme dados publicados pela Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm) em 2021. 

Percebemos como as mudanças em torno de novidades tecnológicas precisam de tempo para acontecerem, especialmente em seu aspecto mais estrutural. É claro que as condições de infraestrutura impactam (num país tão desigual como o Brasil, é difícil pensar em uma abrangência radical do home office, da telemedicina e do e-commerce, por exemplo), mas os atributos culturais e educativos têm forte protagonismo neste debate. 

Basta ver, por exemplo, a resistência de muitos gestores na manutenção do trabalho remoto após a atenuação da crise sanitária, por questões envolvendo aspectos como a verticalidade nas relações de trabalho no Brasil e o tradicional senso de controle e vigilância nos empreendimentos brasileiros, algo que remonta a nossa história mais profunda. 

Acredito que mudanças sensíveis demandam discussões igualmente sensíveis, que bagunçam nossas compreensões mais arraigadas. É preciso coragem, afinal, para tumultuar ideias que não se adequam mais às questões dos novos tempos. Penso sempre na canção Senhor Cidadão, quando o genial Tom Zé indaga: “com quantos quilos de medo se faz uma tradição?”. Em nosso contexto, reformulo: com quantas trocas e debates se faz uma inovação? 

*Eduardo Cosomano é jornalista, fundador da agência EDB Comunicação, e coautor do best-seller Saída de mestre: Estratégias para compra e venda de uma startup, e do recém-lançado Ouvir, Agir e Encantar: A estratégia que transformou uma pequena empresa em uma das líderes do seu setor, ambos publicados pela Editora Gente 

 

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