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Niver Maria Bossle: Infidelidade conjugal e o direito de família

Lealdade é um valor que parte de uma decisão consciente, espontânea e voluntária; já a fidelidade é uma regra de incomunicabilidade física

Conflito entre o casal: Fidelidade vai muito além de lealdade e precisa se aprofundar em mais qualidades (AnaBGD/Thinkstock/Getty Images)
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Bússola

Publicado em 6 de julho de 2022 às 12h30.

Por Niver Maria Bossle Acosta*

Em que se baseia o relacionamento conjugal? Fidelidade ou lealdade?

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Em um tempo não tão distante, o código penal enquadrava o adultério como ato ilícito penal e previa, inclusive, pena de detenção para os infiéis. Particularmente, eu nunca soube de alguém cujo antecedente penal foi o adultério e, muito provavelmente, você também não. De tempos para cá os infiéis ganharam melodias cantadas por vozes que propagam a melancolia e a dor de corações partidos. Histórias de traídos que seguindo a intuição se surpreendem com a cena da traição, mas vez ou outra superaram a decepção, imputando a culpa do parceiro na outra(o).

Então o que leva o casal ao extremo da separação?

Com frequência escuto relatos sobre relacionamentos extraconjugais, mas nem todos se tornam estopim para uma crise entre casais. Nessas ocasiões me questiono o que de fato avilta mais: viver o fantasma do outro nos braços de alguém ou encarar a frustração da quebra dos princípios e regras que norteiam a honra daquela relação a dois. Talvez seja as duas coisas! Conversando com profundidade sobre o assunto com uma amiga advogada, escutei que a fidelidade está inserida na lealdade, mas que não são sinônimos, não significam a mesma coisa. Concordei. E ouso reforçar, que a fidelidade é apenas uma das qualidades da pessoa que é leal, mas não a única.

A lealdade é um valor que parte de uma decisão consciente, espontânea e voluntária. Já a fidelidade, é uma regra de incomunicabilidade física. Para uns a regra é preponderantemente egoísta, para outros, é zelo em reciprocidade. O pacífico é que a fidelidade precisa ser uma escolha mútua, consciente e madura, algo bem além de uma sugestão da lei.

O Código Civil assegura a proteção do matrimônio determinando a fidelidade recíproca, mas o descumprimento não gera sanção de forma clara, ou seja, não há previsão de responsabilidade objetiva a reparação de qualquer dano pela traição. Então, sem comprovação, a pena para o infiel pode ser a perda do outro pela intolerância do parceiro à condição de vítima.

Mas, se a infidelidade for confirmada?

A infidelidade comprovada até pode gerar dever de indenizar em casos extremos de constrangimento social, demasiada humilhação ou expressivo impacto psicológico. Mas para isso acontecer, será preciso expor minuciosamente todo o caso ao judiciário e aguardar uma decisão que pode resumir a situação em mero dissabor. Agora imagine a realidade da extraconjugalidade exposta de forma cronológica e minuciosa, na forma escrita!!! Como um livro de romance despido de requinte, confiado para a figura de terceiro, o juiz togado, que decidirá, baseado no que está escrito, o grau da dor de quem sofreu o trauma.

Consegue imaginar?

No meio disso, sem outra alternativa mais eficiente, a regra de fidelidade descumprida acaba por gerar, tão somente, a quebra de confiança. Variável que pode ser, ou não, a consequência para o fim do casamento. A continuidade depende do grau de tolerância de quem é surpreendido pela infidelidade e do cumprimento dos pactos verbais que passam a nortear a relação dali para frente.

Mas e a lealdade?

Bem, você já deve ter ouvido falar sobre casais que permanecem juntos mesmo após vivenciarem o trauma da traição conjugal e vivem bem após isso.

Ou casos em que o parceiro ignora as escapadas do outro, extraindo do casamento outras benesses que vão além do mero domínio físico.

Creio que esses sejam casos exemplares de superação do conceito possessório do casamento. Casos no qual os parceiros encontram seu equilíbrio na convivência, na certeza de que se precisarem o outro estará ali, ou apenas pela segurança de estarem inseridos em uma entidade familiar, ainda que ferida internamente.

O Código Civil, inclusive, regula que o casamento implica em comunhão plena de vida. Segundo a lei, quem o adere está disposto a deixar sua individualidade de lado em prol dos interesses do grupo familiar constituído.

Então, talvez a lealdade esteja mais alinhada com atitudes racionais, quando o casal pondera a continuidade pautada em solidariedade, segurança econômica, companheirismo e criação dos filhos.

Já a fidelidade se alicerce em bases mais sensíveis, porque a quebra geralmente vem de atos emocionais, sem racionalização.

Verdade ou não, a realidade aponta que é mais fácil ver casais se separando por atos atentatórios contra o patrimônio do casal, do que por infidelidade.

Para contextualizar, Ana e Marco eram casados há 5 anos. Todos sabiam que Marco dava umas belas puladas de cerca. Sobre os rumores, Ana dizia “se fizer, faça bem feito”.

Um valor importante para o casal e a atitude consciente fortificou a confiança entre os dois e deixou claro os limites daquele relacionamento. Foram leais ao expor previamente o que para eles era base, dando a garantia contratual para o que a lei por si só não consegue alcançar.

É assim que a lealdade se ampara, em valores complexos. Atende a um propósito e vai muito além da fidelidade. Implica, necessariamente, na defesa do respeito mútuo a partir daquilo que o casal julga ser essencial, que pode ser ou não a exclusividade da relação sexual. Exige compromisso, cuidado e conexão.

A depender do modelo de relacionamento adotado pelo casal, ser fiel nem sempre é obrigação. Contudo, ser leal ainda parece ser a espinha dorsal que sustenta todas as relações promissoras.

* Niver Maria Bossle Acosta é advogada graduada e pós-graduada em direito pela PUC/RS e especialista em negociações pela Harvard Business School, Boston (EUA)

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