Há um buraco orçamentário aberto na figura apocalíptica do ministro Paulo Guedes, do tamanho de quase R$ 90 bilhões (Gustavo Mellossa/iStock/Getty Images)
Bússola
Publicado em 16 de setembro de 2021 às 20h09.
Última atualização em 16 de setembro de 2021 às 20h17.
Por Márcio de Freitas*
Não saber o que vai acontecer torna impossível o planejamento de empresas, órgãos de governo e a vida privada de milhões de brasileiros. A forma básica de minimizar isso é criar rotinas organizadas com previsões documentadas de atos e ações, com estimativas de gastos durante períodos determinados. A parolagem acima se traduz na forma de orçamento público.
Nele está o arroz com feijão da administração pública: quanto entra e quanto sai, de quem para onde. Contratos, licitações, pagamento de salários, investimentos, novas políticas públicas e antigas estão todas previstas nos detalhamentos financeiros da Lei Orçamentária. No Brasil, é uma lei irreal. E caminha para o realismo fantástico com velocidade perdida no labirinto político instalado em Brasília.
Há um teto de gastos criado para gerar limitações e obrigar o gestor público a fazer escolhas racionais — objetivo era dar força às reformas estruturantes do setor público nacional. Em tese era isso. Na prática se dá o contrário, a racionalidade diminuiu. E por absoluta falta de capacidade do próprio governo de eleger suas prioridades para o país.
Há um buraco orçamentário aberto, no próximo ano, por um meteoro, na figura apocalíptica do ministro Paulo Guedes, do tamanho de quase 90 bilhões de reais. Ou cerca de 45 bilhões de reais além dos gastos previstos com esse item. Enquanto isso, o governo precisa estipular quanto vai pagar de Auxílio Brasil, que pode incluir mais brasileiros com valor maior do que o bolsa-família atual — numa conta que passa de 25 bilhões de reais. Um mais outro, somam 70 bilhões de reais. Em época de crise pandêmica, crise hídrica, aumento de inflação e elevação de juros.
O governo federal trata desse assunto como um suplicante por encontrar uma saída do labirinto, ou procura um guia que indique uma mágica que mantenha o teto de gastos e permita fazer gastos adequados às ambições eleitorais de 2022. Ao mesmo tempo, quer também aprovar uma reforma do imposto de renda com redução de arrecadação de mais de 30 bilhões de reais — distribuído entre os entes federados. Note-se: reforma deixou todos insatisfeitos, com reclamação de uns por terem sido incluídos e outros por ainda não terem conseguido sair do rol de maior carga tributária.
Há ainda emendas parlamentares, incluídas nisso a modalidade secreta de relator, ou RP9. Cuja pressão por garantia de execução só aumenta. Esse é um caso para ser analisado por psiquiatras, dado que o país já viveu uma CPI do Orçamento e se arrisca a repetir a dose pelo que se fala nos corredores do Congresso.
O governo ainda debate a reforma administrativa, com custos elevados de desgaste, já que os parlamentares não desejam votar a matéria nas vésperas de ano eleitoral, pois sindicatos de servidores públicos podem se mobilizar nas bases e pulverizar votos fundamentais para garantir a reeleição de vários deles. A radiação é tão forte nesta pauta que o presidente Jair Bolsonaro só passa perto dos debates com colete a provas de prótons.
Esse detalhe é importante porque mostra descasamento da gestão econômica com a prioridade política. O Ministério da Economia caminha numa direção, mas o Palácio do Planalto vai em outra, puxando vários ministérios de ação direta sobre o eleitorado — os que inauguram obras e fazem festa pelo país afora. Esses últimos com grande apelo aos eleitores. Esse movimento isola a área econômica do restante da Esplanada dos Ministérios, o que é normal por ser uma pasta que diz não na maior parte do ano durante grande parte do mandato. O problema é dizer não no período em que o chefe está nas ruas em busca da reeleição.
Falta, portanto, a definição de para onde vai o Orçamento Geral da União e, em última instância, o próprio governo. Interesses conflitantes há demais, além daqueles provocados pelas manifestações políticas rotineiras do próprio presidente que gosta de brincar de MMA com ministros do STF.
Dentro do governo a divisão é latente, mas passa também pelo choque com o Congresso — e basta lembrar a dificuldade de sancionar a peça aprovada pelo parlamento que está em execução neste ano. O rescaldo da insatisfação está sendo administrado até hoje pelo Palácio do Planalto, basta ver a barreira interposta pelo senador Davi Alcolumbre em pautar o nome do indicado do presidente ao Supremo Tribunal Federal, André Mendonça.
A busca por mediação do Judiciário é como buscar o Oráculo de Delfos. Há um enigma à luz de todos. A resposta muitas vezes é óbvia, mas só alguns conseguem solucionar. E ao governo, o Oráculo mandou governar primeiro, conversar depois...
*Márcio de Freitas é analista político da FSB Comunicação
Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a EXAME. O texto não reflete necessariamente a opinião da EXAME.
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