LGBTQIA+ não é o pink money da pandemia
Inclusão precisa acontecer o ano todo e da porta pra dentro, em posições de liderança
Bússola
Publicado em 29 de junho de 2021 às 21h40.
Última atualização em 30 de junho de 2021 às 10h44.
Por Rizzo Miranda
Criadora de conteúdo desde o Orkut, Beta Boechat é um dos nomes proeminentes na popularização do ativismo corporal. Do Youtube à Midia Ninja, Beta atua hoje na produção de conteúdo sobre gênero, corpo e diversidade, além de trabalhar conectando marcas e influenciadores na FALA.agency. Beta é um símbolo de diversidade que a gente precisa ouvir em tempos de covid-19.
Bússola: Beta, a questão da diversidade parece ter vindo à tona com mais força para as marcas durante a pandemia. Isso aconteceu mesmo?
Beta Boechat: O objetivo desta celebração é mostrar que nós existimos e que estamos convivendo na sociedade. Com a pandemia e a ocupação física impossibilitada, a estratégia foi passar a ocupar o digital, e as marcas notaram esse movimento. Do improviso de 2020, quando a pandemia chegou três meses antes da festa, conseguimos chegar em um 2021 com muito mais corpo, tanto dos ativistas e organizações quanto das empresas, que perceberam a oportunidade de falar com mais pessoas e também iniciar uma descentralização da comemoração do eixo Rio-SP.
Bússola: Uma das questões mais sérias sobre o debate LGBTQIA+ é que muita marca faz movimentos de "brain washing" (rainbow washing). Como você vê isso?
Beta Boechat: A gente brinca que pessoas LGBTQIA+ parecem só existir em junho para algumas marcas. Não há programas de inclusão e diversidade nas empresas, pessoas LGBTQIA+ em posição de liderança ou mesmo posicionamentos que protejam essa comunidade durante o ano todo. Mas é só chegar junho que tudo fica colorido.
E não adianta tentar disfarçar para parecer consciente, a comunidade sabe quais marcas realmente estão juntas e tentando fazer a diferença e quais estão usando o mês em busca do “pink money”, o dinheiro LGBT. É claro que fazer campanhas e se posicionar publicamente, mesmo que uma vez no ano, já é um começo. Mas nada disso se sustenta se os LGBTs só estão da porta pra fora. Precisamos estar da porta para dentro.
Diversidade hoje não é caridade, é diferencial competitivo. As marcas que ainda não entenderam isso, estão perdendo hoje e vão perder mais. As novas gerações e o mundo pandêmico estão cada vez mais conectados ao propósito, e é fácil perceber quando esse propósito não é verdadeiro.
Bússola: Cancelamento se tornou um movimento de ódio que a pandemia parece ter ampliado. Você acha que isso veio da nossa condição de saúde mental ou de outra situação de comportamento das pessoas?
Beta Boechat: Não acho que o cancelamento aumentou na pandemia, mas com certeza ganhou novas cores. O cancelamento é só um novo nome para o que nós chamávamos de “linchamento”, seja ele social ou até físico, mas agora nas redes. Não é novidade que a pandemia e todo o contexto do país ajudaram a agravar a saúde mental de quem está minimamente atento.
Estamos em tempos difíceis, mais difíceis ainda por estarmos hiperconectados e lidando com a dor 24 horas por dia. O cancelamento tem um caráter conectado ao sentimento pessoal de superioridade, nos sentimos melhores quando descobrimos e expomos a falha do outro. Em alguns momentos, a exposição é justa, mas perdemos a mão quando somos radicais e esquecemos que todos nós estamos abertos a cometer deslizes e que, mesmo errando, ainda podemos melhorar. Se não acreditarmos nisso, na mudança e na melhoria, então pra que estamos lutando?
*Rizzo Mirandaé sócia-diretora Digital&Inovação da FSB Comunicação
Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.
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