COP29 - Azerbaijao - Baku - 2024 - novembro Foto: Leandro Fonseca data: 15/11/2024
Head da Beon - Colunista Bússola
Publicado em 18 de novembro de 2024 às 10h24.
Quem acompanha as conferências do clima há algum tempo convive com uma grande frustração: a recorrente e enorme distância entre discursos e ações práticas. A indignação da sociedade civil, por vezes representada em figuras como a de Greta Thunberg (cansamos do blá blá blá), é mais do que justificada: apesar do amplo conhecimento sobre a gravidade e urgência do problema, as emissões de gases de efeito estufa (GEE) continuam a crescer anualmente. Já faz muito tempo que a ciência nos alerta sobre a emergência climática e suas consequências, mas deixamos as coisas piorarem ao ponto em que eventos extremos catastróficos já se tornaram mais frequentes e graves em todo o planeta.
No nível individual, a consequência é indignação, ansiedade climática, descrédito e desesperança no multilateralismo como ferramenta para a humanidade tomar melhores decisões. Por vezes, parece não haver solução viável, especialmente em um mundo com crescentes conflitos armados, relativização da verdade e vício no curto-prazo. Contudo, ainda pode haver esperança. Um dos problemas para a formulação de políticas públicas e estratégias empresariais que respondam aos desafios da emergência climática é a falta de informação específica sobre as fontes de emissão, o que poderia direcionar decisões, oferecendo maior potencial de impacto positivo e eficiência na alocação de recursos.
Até o momento, temos informação confiável sobre o volume de GEE na atmosfera e dados agregados sobre as principais fontes de emissão. Mas a granularidade das informações não estava disponível de forma consolidada e acessível para agentes-chave como governos locais, gestores empresariais e sociedade civil. É este o espaço que a iniciativa Climate Trace se propõe a preencher com o lançamento de seu novo inventário global de emissões, na última sexta-feira (15/11) durante a COP29.
Nas palavras do ex-vice-presidente dos EUA e cofundador do Climate Trace, Al Gore, “apesar das promessas e compromissos, as emissões globais de gases de efeito estufa continuam seu aumento constante, trazendo consigo a poluição atmosférica tóxica que impacta desproporcionalmente comunidades com menos recursos. Agora, com a ajuda de avanços em IA, o Climate TRACE está preenchendo um vazio de informações que antes impedia os líderes locais de tomarem medidas eficazes para combater a crise climática global e a injustiça ambiental.”
A ferramenta, produzida por uma coalizão de mais de 100 universidades, cientistas e especialistas em IA, agrega dados mensais de mais de 660 milhões de fontes de emissão, permitindo filtro e visualização dos dados por cada país e estado (ou província). No nível das municipalidades, a ferramenta permite visualizar emissões em mais de 9 mil cidades - 80% delas não tinham inventários de GEE.
Informações detalhadas e atualizadas são ótimas para orientar decisões estratégicas. “Vemos um padrão gritante de que, muitas vezes, muitos recursos já foram investidos na medição e redução de emissões em algumas comunidades, enquanto outras foram totalmente ignoradas”, disse Gavin McCormick, diretor executivo da WattTime e cofundador do Climate Trace. “O novo inventário mostra um enorme potencial inexplorado para reduções de emissões ao investir nessas comunidades negligenciadas. Curiosamente, descobrimos que isso geralmente reduz a desigualdade da poluição e reduz mais emissões no total – sem exigir mais recursos.”
Os dados mostram, por exemplo, a correlação entre pobreza e exposição à poluição e impactos das mudanças climáticas. É o caso do monitoramento de gases poluidores que não causam efeito estufa, mas geram impacto direto na saúde humana - 8,7 milhões de pessoas morrem anualmente por conta da poluição do ar. E ao redor de todo o mundo, a exposição a esse tipo de poluição é mais frequente em populações mais pobres.
No campo empresarial, as informações podem ser usadas para orientar e acelerar as jornadas de descarbonização. Por exemplo, uma empresa de tecnologia com consumo considerável de energia elétrica em seus data centers pode comparar as emissões de diferentes geradoras para reduzir suas emissões de escopo 2 apenas escolhendo a localidade com maior presença de renováveis na matriz energética.
Nos governos, com dados melhores e mais precisos, gestores poderão desenvolver políticas públicas em nível nacional, estadual e municipal que gerem reduções relevantes nas emissões. Como a informação é apresentada no nível da fonte de emissão, é possível identificar em quais fontes específicas há oportunidades mais imediatas de cortes. Nunca se falou tanto sobre políticas públicas baseadas em evidências. No campo ambiental, a abordagem é fundamental e urgente. E agora pode se valer de uma poderosa ferramenta.
É claro que boas ferramentas não produzem efeito sem vontade política para aplicá-las. Há esperança e soluções disponíveis, mas continua essencial que a sociedade civil exerça pressão para que o tema receba a atenção e urgência que merece.
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