Como seres humanos, temos uma tendência irresistível a acreditar que possam existir soluções simples para problemas complexos (NicoElNino/Getty Images)
Bússola
Publicado em 5 de abril de 2022 às 12h41.
Última atualização em 5 de abril de 2022 às 14h11.
Por Danilo Maeda*
Como seres humanos, temos uma tendência irresistível a acreditar que possam existir soluções simples para problemas complexos. É algo tão forte que movimenta diversos mercados. Gurus, autores de autoajuda e influenciadores dos mais diversos tipos ganham a vida com promessas de que está próximo o acesso a um novo nível de consciência, um lugar onde tudo funciona como deveria. Basta aderir imediatamente aos conceitos que pautam a moda mais recente e desembolsar módicas quantias para participar de “imersões” que normalmente exigem pouca dedicação e possuem a profundidade de um pires.
É um pouco disso que temos visto em alguns conteúdos que prometem um novo mundo a partir da adesão de empresas aos “conceitos ESG”. Sim, é verdade que a agenda avançou rapidamente nos últimos anos, com recordes em alocação de capital e adesão, em escala inédita, de boas práticas sociais, ambientais e de governança. Para quem está no meio da onda, parece mesmo que nada será como antes. Mas também é verdade que os desafios adiante estão longe de serem endereçados e ainda há muito o que se fazer. A empolgação com o meio (gestão de aspectos ESG) não pode nos fazer perder de vista o objetivo final, que deveria ser o desenvolvimento sustentável.
O ESG não é capaz de gerar desenvolvimento sustentável sozinho. Isso porque foca em mitigar riscos e capturar oportunidades em temas socioambientais que possam impactar o lado financeiro do negócio. Natural que seja assim, por ser um instrumento do mercado — e nada de errado com isso. Buscam-se reduções de custos, conquista de novos consumidores e ganhos reputacionais. Tudo muito válido, mas insuficiente para a sustentabilidade dos sistemas sociais e ambientais. Simplesmente por que a lógica de “cada um fazer sua parte” não basta.
Essa é uma verdade dura de encarar, mas necessária. Especialmente quando boa parte dos agentes se omite em relação aos seus principais impactos — fazem isso criando cortinas de fumaça com temas de menor relevância — e outros tantos atuam deliberadamente para maximizar retornos individuais e imediatos em detrimento de prejuízos coletivos de curto, médio e longo prazos.
Por isso, me parece importante resgatar a definição do Relatório Brundtland: “desenvolvimento sustentável é aquele que satisfaz as necessidades presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras atenderem suas próprias necessidades”. Publicado há mais de 30 anos, o relatório já trabalhava conceitos como a interdependência entre aspectos sociais, ambientais, econômicos e políticos, fatores atualmente predominantes nos debates atuais.
Em outro trecho, o documento diz: “a Comissão acredita que a pobreza generalizada não é mais inevitável. A pobreza não é apenas um mal em si mesma, mas o conceito de desenvolvimento sustentável requer que se atenda às necessidades básicas de todos e que todos tenham oportunidades de realizar suas aspirações por uma vida melhor. Um mundo em que a pobreza é endêmica será sempre propenso a catástrofes, ecológicas e de outras origens. [...] Sabemos que o processo não é fácil ou direto. Escolhas dolorosas devem ser feitas. Assim, em última análise, o desenvolvimento sustentável deve repousar na vontade política”.
Em outras palavras, o desenvolvimento sustentável é entendido como fator diretamente relacionado a condições de vida progressivamente melhores, a partir da utilização consciente dos recursos naturais, sociais e econômicos e do entendimento de que é preciso, tanto no nível individual quanto coletivo, abrir mão de benefícios de curto prazo que possam gerar prejuízos às gerações futuras.
Outro conceito fundamental para aprofundar a conversa iniciada com o ESG é o de resiliência, proposto pelas professoras Melinda Harm Benson e Robin Kundis Craig. Elas argumentam que o entendimento de sustentabilidade como a capacidade de continuar realizando uma atividade, processo ou uso específico dos recursos naturais no longo prazo não é adequado para provocar as mudanças de comportamento na velocidade e escala necessárias para combater as emergentes mudanças climáticas. Como alternativa, as autoras propõem o conceito de resiliência, que foca na capacidade de adaptação mais do que na busca por um (às vezes inalcançável) “ponto de equilíbrio”.
Debates qualificados e mais profundos devem gerar avanços na definição de políticas públicas e na própria governança do desenvolvimento sustentável. Enquanto isso, vale ao menos conhecer os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para além de seus 17 temas e explorar um pouco das metas específicas ligadas aos seus temas de interesse.
Um dos grandes méritos dos ODS é o de apresentar de forma organizada e integrada o que seria o ponto de equilíbrio entre uso dos recursos ecossistêmicos e desenvolvimento socioeconômico. Talvez esse “lugar” não exista, dada a natureza complexa dos sistemas, mas a busca por ele, mesmo que imperfeita, tem o efeito de contribuir para a redução dos impactos e, consequentemente, elevar a resiliência dos recursos. Mas para isso funcionar é preciso ir além do ESG.
*Danilo Maeda é head da Beon, consultoria de ESG do grupo FSB
Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a EXAME. O texto não reflete necessariamente a opinião da EXAME.
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