Iniciativa deve servir de modelo para adoção de políticas públicas em todo o Brasil (Divulgação/Divulgação)
Bússola
Publicado em 7 de outubro de 2021 às 18h00.
Última atualização em 7 de outubro de 2021 às 18h33.
O projeto Revitalizando a Educação com Liberdade promove a recuperação de escolas em estado precário da rede estadual de ensino de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, utilizando a mão de obra de detentos em regime semiaberto. Cerca de 10% do salário que esses detentos recebem pelo trabalho realizado é destinado às reformas das instituições escolares. A projeção é que, em breve, o projeto seja ampliado para a rede municipal de ensino e há interesse de outros estados em adotar a iniciativa.
Idealizado pelo juiz Albino Coimbra Neto, titular da segunda Vara de Execução Penal de Campo Grande, o projeto é viabilizado por meio da parceria entre a Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário, a Secretaria de Estado de Educação e o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
Em julho de 2020, foi formalizado um Termo de Cooperação Técnica entre o Conselho da Comunidade de Campo Grande e o Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul para equipar as escolas reformadas com novo mobiliário e computadores.
As instituições beneficiadas são transformadas em locais adequados, modernos e propícios à aprendizagem, ao ensino e ao bem-estar. As reformas são abrangentes e incluem novas instalações elétricas, hidráulicas e de infraestrutura, além dos novos espaços internos para estudo e lazer.
“Me dei conta de que aquelas instalações estavam piores do que a dos presídios que eu frequentava por força do meu trabalho. Percebi que algo tinha de ser feito para ajudar os dois lados, afirma o juiz.
Benefícios sociais
A iniciativa teve início em 2013 e vem trazendo inúmeros benefícios, como a redução da evasão escolar, uma vez que despertou o interesse dos pais em terem os filhos matriculados em uma escola melhor estruturada e mais moderna, a oferta de oportunidades de trabalho, capacitação profissional, geração de renda e remição da pena aos detentos envolvidos no projeto, diminuindo de 60% a 40% a reincidência entre eles.
Em 2017, o projeto chegou à Escola Estadual Aracy Eudociak, uma das 12 instituições de ensino contempladas pela iniciativa. A diretora Gisele Bacanelli destaca que o Revitalizando a Educação com Liberdade mudou a vida dos alunos, de seus familiares e também dos professores.
Mais de 10.000 alunos do ensino fundamental e médio já foram beneficiados com as novas instalações e melhorias estruturais das escolas. Cerca de 300 detentos já participaram do projeto e tiveram a chance de serem reinseridos na sociedade, por meio de uma ocupação produtiva.
Enquanto trabalham nas escolas, os presos recebem capacitação do Sesi e do Senai e ainda têm acesso a aulas de conhecimentos gerais. Todos são detentos do sistema semiaberto do Centro Penal Agroindustrial da Gameleira, unidade penal destinada a presos do sexo masculino. Muitos deles, ao trabalharem nas escolas, já manifestaram vontade de finalizar os estudos — 70% dos detentos participantes do projeto não concluíram o ensino médio.
A capacitação profissional dos detentos, na área da construção civil, é feita pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), parceiro do projeto. As aulas são dadas nas escolas, principalmente, durante as férias escolares. É também neste período que as reformas são feitas pelos detentos. Eles são acompanhados e supervisionados todo o tempo por um agente penitenciário. A jornada de trabalho dos detentos é de 8 horas por dia.
Benefícios econômicos
Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o custo médio de manutenção de cada detento é de cerca de 2.400 reais ao mês, podendo variar por estado. Mas, com a redução dos dias de pena (três dias de trabalho diminuem um dia de pena) e com as obras públicas realizadas pelos detentos, os cofres públicos economizam milhões de reais.
No Mato Grosso do Sul, mais de 13,3 milhões de reais já foram economizados pelo poder público com a mão de obra prisional. O valor refere-se à economia com a redução dos dias de pena e com as obras públicas realizadas pelos detentos.
Segundo levantamento realizado pela segunda Vara de Execução Penal (VEP) de Campo Grande, de janeiro a agosto de 2020, foram contabilizados 42.000 dias de remição de pena pelo trabalho de detentos em regime semiaberto. Esse número equivale a cerca de 126.000 dias de trabalho.
Considerando que o custo médio de manutenção de cada detento é de 2.400 reais ao mês, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há uma redução de 3,3 milhões de reais nos cofres públicos. De acordo com a Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário, o efetivo carcerário do Mato Grosso do Sul, até dezembro de 2020, era de mais de 19.000 presos e, destes, mais de 7.000 estavam em atividades de trabalho.
Expansão do projeto
No início de 2020, o ministro José Dias Toffoli, então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), mencionou a possibilidade de levar o projeto a outros estados brasileiros, por meio do programa Justiça Presente, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Não foi adiante por conta da pandemia. No entanto, o projeto é considerado modelo e, por isso, há possibilidades de que ele seja implantado em outros estados brasileiros.
No Brasil, existem iniciativas semelhantes com mão de obra prisional: no Paraná, o programa de ressocialização Mãos Amigas faz pequenos serviços de manutenção e conservação de prédios escolares e, em 2020, atendeu 90 colégios de oito Núcleos Regionais de Educação. Em São Paulo, em 2019, foi lançado o projeto Escola + Bonita para revitalizar 2.100 escolas estaduais. No Maranhão, o projeto Mutirão da Liberdade teve início em 2017 para fazer a manutenção de escolas da rede pública estadual de ensino.
Com esses exemplos, o projeto Revitalizando a Educação com Liberdade pode se tornar um exemplo de política pública.
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