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Danilo Maeda: A fome não espera sua estratégia ESG amadurecer

Não existe desenvolvimento com fome, não existe progresso em uma sociedade na qual 55% das pessoas convivem com insegurança alimentar

Uma estratégia de ESG que não considera a realidade social na qual a organização está inserida não faz sentido e pode (deve) ser abandonada. (Thithawat_s/Getty Images)
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Bússola

Publicado em 18 de abril de 2022 às 18h10.

Por Danilo Maeda*

Em espaços como este e outros em que recebo oportunidade de falar sobre sustentabilidade, tenho repetido que poucas coisas são tão urgentes como o longo prazo. Estamos em um ponto crítico da história para impedir ou reduzir os resultados do acúmulo de  impactos produzidos pela humanidade sobre os sistemas naturais do planeta Terra. Temos uma janela de oportunidade relativamente curta para aumentar as chances de sobrevivência de diversas populações contemporâneas e de futuras gerações. Poucas coisas são mais urgentes do que isso. A fome é uma delas.

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Não existe desenvolvimento com fome. Não existe progresso em uma sociedade na qual 55% das pessoas convivem com insegurança alimentar (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional — Rede Penssan, 2020). Eram 116,8 milhões de brasileiros sem acesso pleno e permanente a alimentos no final de 2020, período em que foi realizada a pesquisa disponível no link acima. Crescimento econômico simultâneo ao agravamento da miséria é eticamente injustificável.

A ideia de sustentabilidade, por definição, está ligada a atender às necessidades da população sem comprometer o futuro. O crescimento da fome e da miséria são evidências de nosso fracasso como civilização.

Vale ressaltar que o agravamento das disparidades econômicas, uma das principais causas, não é exclusividade do Brasil. Segundo a ONU, a América Latina está presa em uma “armadilha do desenvolvimento”, com alta desigualdade de renda e baixo crescimento econômico. No mundo, a tendência também é de agravamento: Segundo a Oxfam, os dez homens mais ricos do mundo têm hoje seis vezes mais riqueza do que os 3,1 bilhões mais pobres.

Eles mais que dobraram seu patrimônio durante a pandemia. No mesmo período, a renda de 99% da humanidade caiu, mais de 160 milhões de pessoas foram empurradas para a pobreza e um novo bilionário surgiu a cada 26 horas. No Brasil, os 20 maiores bilionários têm mais riqueza do que 60% da população.

Soma-se a isso o risco que a guerra na Ucrânia adiciona às cadeias globais de alimentos. Um editorial da revista Nature deste mês destaca que 30% das exportações mundiais de trigo, bem como 60% do óleo de girassol, são de Rússia e Ucrânia. E mais uma vez, são os mais pobres que ficam mais expostos às consequências de uma quebra de produção ou de restrições nas exportações de alimentos.

“Os impactos podem ser catastróficos para algumas das pessoas mais pobres e vulneráveis do mundo. Pelo menos 26 países, incluindo Somália, Senegal e Egito, dependem da Rússia e da Ucrânia para algo entre 50% e 100% de seu trigo. Se a guerra continuar, muitos países já sobrecarregados com dívidas pandêmicas podem ser forçados a pedir mais empréstimos para subsidiar alimentos básicos, criando mais dificuldades. Claramente, a ação deve ser tomada agora. As prioridades devem incluir prevenir e reverter proibições de exportação e financiar os esforços de ajuda emergencial do Programa Mundial de Alimentos”, defende a revista científica.

E o que você tem a ver com isso? Depende de qual(is) posição(ões) você ocupa. Independente disso, vale lembrar de pensamentos como o de Martin Luther King Jr e de Desmond Tutu: “Teremos que nos arrepender nesta geração não apenas pelas palavras e ações virulentas das pessoas más, mas pelo silêncio terrível das pessoas boas” (MLKJ) / “Se você fica neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor” (DT).

Por definição, modelos que concentram riqueza e excluem partes da sociedade não são sustentáveis. Mesmo que reduzam parte dos impactos ambientais produzidos pela humanidade. E sem um olhar sistêmico, realista e consciente do mundo em que vivemos, dificilmente irá além de boas intenções e ações superficiais.

No relatório de riscos mais recente do Fórum Econômico Mundial, temas como “erosão da coesão social”, “crises de subsistência” e “deterioração da saúde mental” foram apontados entre os que mais pioraram, sendo que os dois primeiros estão entre as dez maiores preocupações. O crescimento das desigualdades é visto como um fator relevante de instabilidade.

Uma estratégia de ESG que não considera a realidade social na qual a organização está inserida não faz sentido e pode (deve) ser abandonada. Ignorar os problemas alarmantes e urgentes da fome e da desigualdade revela desconhecimento, falta de preparo e/ou desonestidade. Não dá para pensar no longo prazo quando a próxima refeição não está garantida. E isso precisa ser prioridade de todos nós.

*Danilo Maeda é head da Beon, consultoria de ESG do grupo FSB

Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.

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