Ursula von der Leyen, presidente da União Europeia (Nicolas Tucat/AFP)
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Publicado em 10 de janeiro de 2025 às 13h00.
Por Patrick Sabatier*
Vivemos um momento histórico, em que a China se arrisca fora da Grande Muralha e parece tecer sua teia olhando a América Latina com muito apetite e interesse, tanto como mercado para comprar commodities, como para vender produtos manufaturados, além de trabalhar em alianças sul-sul visando a desdolarização do mundo. Nesse cenário, vale nos perguntar dos dois lados do Atlântico se o acordo UE-Mercosul não é a oportunidade para criarmos um grande mercado de 730 milhões de habitantes e de US$ 22 trilhões. E assim reforçar parcerias fortes e estratégicas entre as duas regiões, oferecendo oportunidades de maior independência para ambas.
Podemos olhar a foto ou o filme. A foto junta a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, com os presidentes Lula e Milei, os irmãos inimigos do Mercosul, e é o símbolo do acordo alcançado pelos dois blocos, em Montevideo. O filme é mais complexo: do lado europeu, falta o aval do Conselho e do Parlamento da UE, e isso significa que o acordo ainda pode ser bloqueado se não houver uma maioria qualificada.
Falta ainda saber, portanto, se cinco dos 27 estados da UE, representando mais de 35% da população, irão jogar contra o acordo. A França já anunciou estar contra o documento, em negociação há mais de 20 anos. A França acredita que o acordo não apresenta as garantias ecológicas e sanitárias necessárias. Polônia e a Itália expressam dúvidas…
Para a França, trata-se também de salvar uma agricultura que teve papel fundamental em transformar o país na capital mundial da gastronomia e do vinho, além de preservar a beleza das paisagens do interior francês. Politicamente existe na França uma união sagrada entre a esquerda anti-liberal e os ecologistas, que consideram o agro brasileiro como um grande vilão, e a direita conservadora, querendo proteger o setor e seus valores tradicionais.
Podemos focar nas razões para não se fazer o acordo, como eventual impacto negativo para a indústria sul-americana ou para o agro europeu. Sabemos que hoje a palavra liberalismo virou o palavrão e parece estar longe de um conceito que valorizava a liberdade de circulação de mercadorias, pessoas e ideias. Podemos ainda buscar melhorias e assegurar que o crescimento econômico induzido venha acompanhado de desenvolvimento social e ambiental. Porém, também podemos continuar a criar pontes entre continentes, entre regiões que têm muitos valores em comum.
Nesta parte do oceano, a mídia proclama um acordo comercial histórico. Na Europa, o anúncio gera mais controvérsias. Isso significa que a partida não acabou e que o jogo tem um segundo tempo pela frente. Nesse sentido, é importante considerar a possibilidade de que o documento ainda esteja longe do ideal e venha a merecer ajustes, de acordo com os novos tempos que vivemos.
*Patrick Sabatier é formado em Direito pela Universidade de Bordeaux, é diretor de Relações Corporativas da L’Oréal e presidente da Câmara de Comércio França-Brasil no Rio de Janeiro.
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