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A corrida global do planejamento patrimonial

Milionários aceleram transferência de fortunas para proteger legado em meio a mudanças tributárias e políticas. Entenda na coluna de Rafael Albuquerque com participação do advogado Alexandre Piquet

 (Prostock-Studio/Getty Images)

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Rafael Albuquerque
Rafael Albuquerque

Colunista Bússola

Publicado em 5 de novembro de 2024 às 10h00.

Com participação de Alexandre Piquet, fundador da Piquet Law Firm – Miami

O cenário atual está levando famílias de alto patrimônio nos Estados Unidos e no Brasil a acelerar seus planos de sucessão patrimonial.

Nos EUA, uma isenção fiscal significativa sobre transferências de herança, sancionada em 2017, está prevista para expirar no final de 2025, criando uma oportunidade única — e temporária — para a passagem de fortunas sem a incidência de impostos pesados. 

Já no Brasil, as famílias se antecipam a uma iminente reforma tributária que pode quadruplicar o valor do ITCMD, Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações, elevando drasticamente o custo de transferências patrimoniais. Ambas as situações estão intensificando o uso de soluções de planejamento patrimonial complexas e personalizadas.

Estados Unidos: A corrida contra o tempo

Nos EUA, a legislação sancionada durante o governo de Donald Trump permite a transferência de até US$ 14 milhões para herdeiros sem o pagamento de impostos. Esse valor será reduzido para cerca de US$ 7 milhões a partir de 2026, criando uma “isenção use ou perca”. Para evitar a tributação futura de até 40%, muitas famílias estão buscando maneiras de transferir ativos agora, enquanto ainda há uma janela de isenção.

Uma estratégia que tem ganhado popularidade entre os consultores de patrimônio é o Spousal Lifetime Access Trust (SLAT). O SLAT permite que um dos cônjuges transfira ativos para um trust, garantindo que o outro cônjuge tenha acesso a eles enquanto ambos estão vivos. Assim, os ativos podem ser transferidos para os herdeiros no futuro sem a incidência de impostos ao falecer. O SLAT oferece uma combinação de flexibilidade e controle, especialmente para aqueles que ainda desejam manter acesso indireto aos recursos enquanto reduzem a carga tributária futura.

Além do SLAT, muitos milionários americanos têm utilizado o Private Placement Life Insurance (PPLI). Esse tipo de seguro combina proteção patrimonial e benefícios fiscais, permitindo que o patrimônio cresça de forma isenta de impostos sobre ganhos de capital, dependendo da jurisdição. O PPLI oferece privacidade e preserva o valor dos ativos, uma vez que os bens investidos na apólice não precisam ser divulgados publicamente. É uma solução discreta e eficiente para proteger o patrimônio enquanto facilita o processo sucessório.

Brasil: Prevenindo o impacto da reforma tributária 

Enquanto nos Estados Unidos as famílias enfrentam o desafio da expiração das isenções, no Brasil, a preocupação gira em torno do aumento do ITCMD. A reforma tributária brasileira pode elevar esse imposto em até quatro vezes, o que representa um impacto significativo para famílias de alto patrimônio que buscam proteger seus legados para as próximas gerações. Com isso, o planejamento patrimonial no país se torna não apenas uma questão de eficiência fiscal, mas uma necessidade para evitar a diluição do patrimônio familiar.

Para as famílias brasileiras, estruturas offshore em países como Ilhas Cayman, Ilhas Virgens Britânicas (BVI) e Bahamas se tornaram opções atraentes. Esses locais permitem a criação de trusts e fundações que protegem o patrimônio de impostos locais e oferecem confidencialidade. Dentro da jurisdição das BVI, por exemplo, empresas offshore são isentas de impostos sobre ganho de capital, o que permite o crescimento patrimonial sem tributações adicionais. Além disso, essas jurisdições oferecem proteção contra disputas jurídicas, garantindo a preservação dos ativos e flexibilidade para o planejamento sucessório. Um trust offshore consolida os ativos globais sob uma governança comum, facilitando a sucessão patrimonial e reduzindo os custos tributários, ao mesmo tempo em que permite uma gestão estratégica e segura, adequada ao cenário regulatório brasileiro.

Outro recurso bastante utilizado é o contrato ISDA (International Swaps and Derivatives Association), que oferece proteção contra oscilações de mercado, como variações de câmbio e taxa de juros. Isso permite às famílias afluentes protegerem seus ativos globais sem transferir ou liquidar participações, evitando assim implicações fiscais. A flexibilidade oferecida por um contrato ISDA é especialmente vantajosa para famílias com patrimônio diversificado em várias jurisdições, garantindo que o capital seja protegido das volatilidades macroeconômicas.

Planejamento estratégico de longo prazo

O planejamento patrimonial moderno inclui não apenas soluções fiscais e estruturais, mas também uma abordagem estratégica para preservar e potencializar o legado familiar. Nos Estados Unidos, famílias como a de Harold Hamm, magnata do petróleo, e Phil Knight, fundador da Nike, usaram ferramentas avançadas de planejamento para transferir bilhões a seus herdeiros, aproveitando ao máximo as isenções disponíveis. Esses exemplos demonstram que o planejamento patrimonial é, para muitos, uma forma de reduzir a desigualdade entre gerações e garantir que o patrimônio esteja preparado para sustentar as próximas gerações.

No Brasil, a reforma tributária leva consultores e advogados a sugerirem uma revisão profunda do planejamento atual. Além das estruturas tradicionais, ferramentas como fundações culturais e museus privados também se destacam para famílias que possuem acervos de arte e culturais de alto valor. Esses espaços preservam o patrimônio cultural enquanto otimizam o planejamento sucessório, oferecendo vantagens fiscais e reforçando o legado familiar na sociedade.

Soluções personalizadas e consultoria integrada

Para famílias com filhos jovens e um patrimônio ainda em formação, a doação de grandes parcelas de ativos pode não ser viável. Nessas situações, consultores sugerem estruturas mais flexíveis, que permitam a proteção de parte dos ativos sem comprometer o bem-estar financeiro dos pais durante sua vida. Trusts de acesso vitalício para cônjuges e outras formas de planejamento adaptado são cruciais para alinhar as necessidades de preservação e transmissão de patrimônio com as expectativas individuais de cada família.

Além disso, a presença de um Trusted Advisor é essencial para famílias que buscam um planejamento patrimonial de longo prazo. Esse profissional atua como um elo entre a gestão financeira e os interesses pessoais da família, oferecendo uma visão consolidada e imparcial dos ativos globais. Um Trusted Advisor coordena com especialistas de diversas áreas — como advogados, gestores de investimentos e consultores tributários —, garantindo que o planejamento patrimonial esteja alinhado com os valores e objetivos da família.

Protegendo o futuro em um cenário de incertezas

Em conclusão, a antecipação na transferência de patrimônio tem sido impulsionada por um cenário global de mudanças fiscais e incertezas políticas. Nos Estados Unidos, a expiração das isenções fiscais em 2025 representa uma oportunidade única para famílias de alto patrimônio, enquanto no Brasil, a reforma tributária reforça a urgência de se planejar. Estruturas sofisticadas, como trusts, seguros e estruturas offshore, associadas a uma consultoria personalizada, permitem que as famílias se antecipem a esses desafios, protegendo seu legado e minimizando o impacto tributário.

O planejamento patrimonial para famílias de alto patrimônio, seja nos EUA ou no Brasil, vai muito além das ferramentas fiscais. Ele inclui uma visão estratégica e integrada, permitindo que o patrimônio seja preservado e potencializado, alinhado aos objetivos e valores da família. Dessa forma, é possível garantir que o legado se mantenha forte e preparado para atravessar gerações em um cenário de crescente volatilidade econômica e rigor regulatório.

*Alexandre Piquet é advogado, fundador da Piquet Law Firm, sediada em Miami, especializados em imigração e internacionalização há 14 anos.

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