A Recuperação Judicial e a Recuperação Extrajudicial constituem instrumentos legítimos de reestruturação empresarial (SrdjanPav/Getty Images)
Plataforma de conteúdo
Publicado em 25 de dezembro de 2025 às 07h00.
Por Camila Somadossi e João Otávio Segalla*
A Recuperação Judicial e a Recuperação Extrajudicial, previstas na Lei nº 11.101/2005, constituem instrumentos legítimos de reestruturação empresarial, voltados a empresas viáveis que enfrentam desequilíbrios financeiros ou operacionais.
Amparadas pelo princípio da preservação da empresa (art. 47 da LREF), essas medidas têm como objetivo restabelecer a saúde econômica do negócio, preservando atividades produtivas, empregos e a geração de riqueza, por meio da reorganização de passivos e da renegociação ordenada de dívidas.
Mas afinal, como identificar o momento certo de buscar proteção judicial ou extrajudicial? Quais sinais indicam que a empresa pode estar diante de uma crise que exige medidas estruturais?
A resposta pode variar conforme o setor e o porte do negócio, mas há sintomas recorrentes que, quando ignorados, costumam anteceder crises mais profundas. A seguir, apresentamos cinco sinais clássicos observados em empresas que acabaram optando por algum dos mecanismos de recuperação.
Um dos sinais mais evidentes de crise é quando a empresa não gera caixa suficiente para arcar com suas dívidas vencidas e vincendas.
Trata-se da clássica insolvência operacional, situação em que o negócio continua faturando, mas não dispõe de liquidez para cumprir compromissos cotidianos, como folha de pagamento, fornecedores e parcelas bancárias.
Na prática, o problema se manifesta por meio de atrasos recorrentes em pagamentos, uso excessivo de crédito rotativo, antecipações de recebíveis com juros elevados ou renegociações pontuais e sucessivas.
Nessas condições, a gestão passa a atuar de forma reativa, concentrando esforços em “apagar incêndios” diários, sem espaço para planejamento ou reestruturação estratégica — um ciclo que tende a agravar a crise se não houver intervenção tempestiva.
Quando os credores passam a atuar de forma pulverizada, promovendo ações judiciais, bloqueios de contas bancárias, penhoras de máquinas ou apreensões de bens, a gestão da crise tende a sair do controle.
Em poucos dias, a rotina operacional pode ser comprometida: um fornecedor ajuíza pedido de falência, outro ingressa com execução, e um terceiro obtém liminar de busca e apreensão de equipamentos. O resultado é a paralisação das atividades e o colapso do fluxo de caixa.
Esse cenário de “guerra judicial” é recorrente em empresas que chegam ao ponto de ruptura. Mesmo negócios com histórico sólido e boa reputação comercial podem ser asfixiados por uma sequência de constrições simultâneas, especialmente quando faltam mecanismos jurídicos de proteção ao devedor.
A restrição de crédito é um dos sinais mais críticos de deterioração financeira.
Quando instituições financeiras começam a negar crédito, reduzir limites, encurtar prazos ou exigir garantias excessivas, e fornecedores passam a exigir pagamento antecipado, o mercado já demonstra desconfiança quanto à capacidade de pagamento da empresa ou de seu controlador.
Essa perda de confiança costuma gerar um efeito dominó: um banco reduz o limite, outros seguem o mesmo caminho; fornecedores adotam o modelo “cash on delivery” (pagamento na entrega); e o setor financeiro da empresa se vê forçado a buscar soluções emergenciais, de custo elevado e prazos curtos, o que aumenta o endividamento e aprofunda a crise de liquidez.
Empresas com elevado passivo fiscal e trabalhista também devem acender o sinal de alerta. Multas, execuções fiscais, FGTS não recolhido, débitos de INSS, exclusão de parcelamentos, são indicativos de que o negócio deixou de honrar obrigações básicas com o Estado e com seus colaboradores, comprometendo tanto a sustentabilidade financeira quanto a credibilidade institucional.
Além do impacto patrimonial, esses passivos têm reflexos diretos na operação: impedem a emissão de certidões negativas (CNDs), inviabilizam contratos com o poder público e podem gerar bloqueios judiciais e restrições que comprometem até mesmo o pagamento da folha salarial.
Em muitos casos, esse é o ponto em que o passivo se torna estrutural — e a reorganização formal se impõe como única via para preservar a empresa.
Nem toda crise decorre de má gestão. Muitas empresas economicamente viáveis são levadas à instabilidade por fatores externos ou litígios de grande impacto, capazes de paralisar operações inteiras.
Embargos ambientais, disputas societárias, queda abrupta na demanda, eventos climáticos, pandemias ou inadimplência de grandes clientes são exemplos de choques exógenos que escapam ao controle do empresário.
Nessas situações, o problema não reside no modelo de negócio, mas em um evento extraordinário que desorganiza a operação e compromete a previsibilidade financeira.
Empresas sólidas em condições normais passam, então, a enfrentar desequilíbrio temporário de caixa e perda de resiliência, o que torna a Recuperação Judicial ou extrajudicial uma ferramenta estratégica para reorganizar a atividade e preservar valor.
A crise empresarial é, muitas vezes, um processo silencioso. Ela começa em pequenas tensões de caixa, passa por atrasos pontuais e, quando não enfrentada a tempo, se transforma em uma sucessão de eventos que paralisam a operação.
Reconhecer os sinais precocemente é o primeiro passo para evitar que uma dificuldade transitória se torne uma insolvência estrutural.
A Recuperação Judicial e Extrajudicial não são, e não devem ser, o último recurso de uma empresa em crise socioeconômica.
Pelo contrário: são mecanismos que, se adotados a tempo, permitem renegociar dívidas de forma organizada, restabelecer o equilíbrio financeiro e preservar empresas viáveis, que continuam a gerar emprego, renda e tributos.
Mais do que uma alternativa jurídica, a recuperação deve ser encarada como uma decisão estratégica de gestão — um movimento de coragem e responsabilidade empresarial. Em um ambiente econômico cada vez mais instável, agir no tempo certo pode significar salvar um negócio.
*Camila Somadossi é especialista em Recuperação Judicial e sócia do escritório Finocchio & Ustra Advogados.
João Otávio Segalla é advogado da área de Recuperação Judicial do escritório Finocchio & Ustra Advogados.