Ciclistas ficam sujeitos à buzinas e ao risco de serem atropelados fora das ciclovias (Creative Commons)
Da Redação
Publicado em 17 de março de 2013 às 14h16.
São Paulo - Topografia acidentada, sistema viário desordenado, congestionamentos diários, faixas de avenidas estreitas, tráfego agressivo disputado palmo a palmo por uma frota de 5,3 milhões de carros e cerca de 1 milhão de motocicletas. Em um primeiro olhar, São Paulo não seria uma cidade propícia ao uso da bicicleta. Apesar de todas essas adversidades, a cada dia aumenta o número de ciclistas que decidem desafiar o cenário inóspito para fazer uso de um meio de transporte que faz bem para a saúde e para o meio ambiente.
Por um lado, a tecnologia fez sua parte: inventou as marchas e tornou as bicicletas mais leves, o que contribuiu para que o terreno acidentado não fosse obstáculo à difusão do veículo. "A bicicleta evoluiu muito. Elas eram pesadas. Era difícil subir aclives. Hoje, muitas delas, inclusive, se prestam a serem carregadas nas mãos, dobradas para se entrar no transporte público ou no local de trabalho", disse o urbanista Pedro Taddei, professor de planejamento urbano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP).
Por outro lado, os congestionamentos e o tráfego agressivo ainda são os principais entraves para o uso seguro da bicicleta. No ano passado, 52 ciclistas morreram nas ruas da capital, segundo balanço da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), da prefeitura de São Paulo, e 3,2 mil foram internados em hospitais públicos do estado, de acordo com a Secretaria de Saúde do governo paulista.
Um acidente ocorrido no último domingo (10), em que um rapaz de 21 anos teve um braço decepado após ser atropelado, reacendeu o debate sobre o uso adequado das vias da cidade. O limpador de vidros David Souza, 21 anos, que trafegava por uma ciclofaixa da Avenida Paulista, foi atropelado por um carro dirigido em alta velocidade.
Não existem estatísticas oficiais sobre quantas pessoas utilizam a bicicleta como transporte diariamente, porém a CET faz o acompanhamento dos ciclistas que utilizam as ciclofaixas de lazer aos domingos. De acordo com a CET, pelo menos 100 mil pessoas pedalam nos quase 120 quilômetros das faixas especiais.
Na avaliação de Taddei, apesar de a bicicleta estar prevista no Código de Trânsito Brasileiro, com vigência desde 1998, não existem instrumentos práticos que assegurem uma circulação segura nas grandes cidades. "Talvez tenha-se liberado exageradamente o uso da motocicleta e, com isso, os poucos espaços disponíveis no sistema viário, carregados de veículos, são ocupados pelas motos. Não tem onde pôr a bicicleta", disse.
Diante desse quadro, o professor diz que o modelo de sistema viário mais a adequado para São Paulo é o que segrega ciclistas e motoristas. "Não é possível o convívio das bicicletas com veículos grandes. Esse é um convívio desigual. Haverá sempre o momento que, por um inconveniente qualquer, o motorista do veículo grande dá uma guinada e, por menor que ela seja, pode acabar com a vida do ciclista. O ciclista é menos visível que outros veículos", diz.
Taddei destaca que outras cidades podem comportar um tráfego compartilhado, mas as características paulistanas inviabilizam essa proposta. "No caso de uma cidade grande como São Paulo, com a nossa cultura de baixo índice de convívio urbano, de civilidade, eu acho que não há uma condição melhor que essa. É preciso segregar", disse.
Sobre a possibilidade das vias exclusivas para bicicletas gerarem mais insegurança nos cruzamentos, tendo em vista que ciclistas e motoristas poderiam estar desatentos nesse momento, o professor avalia que uma boa sinalização pode assegurar a integridade física de ambos. "Conheço estudos que tratam desse possível aumento de acidentes com ciclovias, mas há meios de proteger as travessias. Uma forma é fazer com que a movimentação da bicicleta não se dê em continuidade absoluta como a travessia de pedestre, que continua em linha reta no eixo na calçada", diz.
Entre as soluções viárias indicadas pelo professor, está a utilização de sinalizadores no piso ou de obstáculos que obriguem a diminuição da velocidade e chamem a atenção do ciclista. Ele reforça que a sinalização também deve ser eficaz para quem dirige o carro. "Frequentemente um motorista que vai fazer uma conversão à esquerda com uma ciclovia no centro, não vê o ciclista que vem a sua esquerda, ele vê o que vem à direita", explica.
O urbanista acredita que essa segregação é possível desde que se diminua a espaço de circulação dos outros veículos. "[A cidade] comporta [esse modelo], porque a malha viária de São Paulo não suporta mais o número de veículos que circulam na cidade. Retirar um pouco desse sistema viário para passar uma bicicleta não piora em nada de muito perceptível essa condição. Talvez o uso da bicicleta de forma mais segura contribua para se usar como meio alternativo ao carro", disse.
Para desencorajar o uso do carro, o professor defende a adoção do pedágio urbano. "Porque não cobrar justamente no núcleo do centro expandido onde está o carregamento maior do sistema viário", questiona. Ele avalia que é uma forma dos condutores assumirem o custo de manutenção da malha viária. "O carro custa caro na aquisição, mas o uso dele é muito barato. O que o IPVA [Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores] contribui para implantar e manter das vias é ínfimo. O contribuinte em geral, por meio dos impostos urbanos, contribui muito mais", disse.
Somente soluções viárias, no entanto, não são suficientes para mudar as estatísticas de acidentes no trânsito. Para Taddei, a falta de uma convivência harmoniosa do espaço público leva a situações como a presenciada no último domingo na Avenida Paulista. "Aqui, quem segue uma conduta de respeito às normas do bom convívio é tido como trouxa. O que se valoriza é justamente a lei da reação, tirar vantagem de tudo. Isso agrega um risco adicional não só ao ciclista, mas a todos que convivem no trânsito", disse.
Para além de cursos que abordem a educação no trânsito, ele propõe uma educação para o convívio. "Isso vem desde a escola. É uma cultura que o país ainda não adquiriu. Aos poucos, quem sabe, podemos atingir esse patamar de respeito", declarou.