Universidade alemã não confirma pós-doutorado de ministro da Educação
A Universidade de Wuppertal disse que o professor Carlos Alberto Decotelli fez pesquisa na instituição, mas não no período especificado em seu currículo
Carolina Riveira
Publicado em 29 de junho de 2020 às 06h52.
Última atualização em 29 de junho de 2020 às 20h48.
Após a Universidade de Rosário afirmar que o ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli, não terminou seu doutorado na instituição, seu pós-doutorado também foi colocado em xeque. Contatada, a Universidade de Wuppertal (Bergische Universität Wuppertal), onde o professor afirma ter concluído seu pós-doutorado, respondeu que ele não esteve na universidade por todo o período que consta em seu currículo.
Decotelli foi nomeado Ministro da Educação na última quinta-feira, 25.
Segundo a primeira nota emitida nesta segunda-feira, 29, pela instituição alemã, Decotelli esteve na universidade para uma pesquisa de três meses em 2016, no programa de uma professora que é agora emérita na instituição.
De acordo com o currículo Lattes de Decotelli, cuja última edição havia sido feita em 27 de junho no momento desta reportagem, o professor teria obtido seu pós-doutorado na Universidade de Wuppertal entre 2015 e 2017 (sem indicar os meses).
Questionada novamente sobre se esse tipo de pesquisa configuraria um pós-doutorado na instituição, apesar do prazo curto de permanência, a universidade não confirmou.
"O senhor Carlos Decotelli esteve na Universidade de Wuppertal para uma pesquisa de três meses sobre sustentabilidade. Ele não era pós-doc na nossa universidade. Ele não lecionou e não obteve nenhum certificado", escreveu a universidade por meio de seu departamento de imprensa, em uma segunda nota enviada à EXAME.
O título de pós-doutor, na academia, não implica em um título formal como mestrado ou doutorado, e requer apenas um trabalho em pesquisa feito por um doutor. Mas o próprio título de doutorado de Decotelli foi questionado na semana passada pela Universidade de Rosário, na Argentina, que afirma que ele não teve a tese aprovada.
A reportagem aguarda resposta do Ministério da Educação (MEC) sobre a situação do pós-doutorado. É comum, para universidades, receber professores estrangeiros como pesquisadores e professores visitantes, sem a obtenção de um título específico. No geral, os trabalhos de pós-doutorado duram por períodos mais longos, de pelo menos um ano, embora não haja regras globais, uma vez que o título não é formal.
O currículo Lattes é um documento eletrônico usado por pesquisadores brasileiros para registrar sua produção e experiência acadêmica. A plataforma é controlada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), mas o preenchimento é feito pelo próprio usuário.
Doutorado na Argentina
O reitor da Universidade Nacional de Rosário na Argentina, Franco Bartolacci, usou sua conta oficial do Twitter na sexta-feira, 26, para dizer que Decotelli não obteve o título de doutor na faculdade argentina.
“Nos vemos na necessidade de esclarecer que Carlos Alberto Decotelli da Silva não obteve na @unroficial o título de doutor que se menciona nesta comunicação”, escreveu Bartolacci, citando uma publicação do presidente Jair Bolsonaro em que consta a titulação do novo chefe do MEC.
A reportagem procurou o MEC, que enviou um documento da Universidade de Rosário mostrando que Decotelli cursou todos os créditos do curso. Não foi esclarecido se isso basta para lhe conferir o título de doutor. Segundo disse o reitor da universidade argentina em entrevistas, Decotelli de fato cursou o doutorado, mas não concluiu o programa.
Além de doutorado e pós-doutorado, em seu currículo, Decotelli informa ainda que é formado em Ciências Econômicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e mestre em Administração pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
No mestrado, surgiram ainda nos últimos dias acusações de que sua tese, obtida em 2008, teria plagiado outros trabalhos. Em nota sobre o mestrado, o MEC disse que o ministro "refuta as alegações de dolo, informa que o trabalho foi aprovado pela instituição de ensino e que procurou creditar todos os pesquisadores e autores que serviram de referência" e que eventuais omissões são resultado de "falhas técnicas ou metodológicas". O MEC diz ainda na nota que Decotelli "revisará seu trabalho e que, caso sejam identificadas omissões, procurará viabilizar junto à FGV uma solução para promover as devidas correções".
A última modificação no currículo de Decotelli foi feita em 27 de junho, após as controvérsias sobre o doutorado. Mas o professor não retirou a titulação de doutorado ou pós-doutorado.
Procurado nesta manhã sobre a titulação de pós-doutorado de Decotelli, o MEC ainda não se manifestou. O espaço segue aberto para manifestações.
Abaixo, a primeira nota completa enviada pela Universidade de Wuppertal.
Carlos Decotelli veio para a cadeira da Prof. Drª. Brigette Wolf para uma pesquisa de três meses em 2 de janeiro de 2016.
Até 2017, ela foi professora de teoria do design, com foco em: metodologia, planejamento e estratégia na Universidade de Wuppertal e é agora emérita.
Ele não obteve um título em nossa universidade. A Universidade de Wuppertal não pode fazer nenhuma declaração sobre títulos adquiridos no Brasil.
*A reportagem foi atualizada para esclarecer as especificidades do trabalho de pós-doutorado, que não está ligado à obtenção de um título formal em universidades e, na sequência, para incluir a segunda nota enviada pela Universidade de Wuppertal.