Tubarões e raias em extinção são comercializados no Brasil
A designação "cação" também é dada a tubarões pequenos, o que reforça problema da venda irregular pela delimitação errada das espécies
EFE
Publicado em 19 de outubro de 2016 às 21h11.
Última atualização em 19 de outubro de 2016 às 22h57.
São Paulo - Na região sul do país, mais de 16 espécies de tubarões e raias, algumas seriamente ameaçadas de extinção, têm sido pescadas e comercializadas irregularmente com o nome de cação, segundo alerta a Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), do Rio Grande do Sul.
A designação "cação" também é dada a tubarões pequenos, o que reforça problema da venda irregular pela delimitação errada das espécies que podem desaparecer, como a raia-viola (Squatina occulta), enquadrada como "criticamente ameaçada".
O caso do tubarão-martelo-entalhado (Sphyrna lewini), um dos mais raros de serem encontrados na zona marítima brasileira, também preocupa: a espécie corresponde a 23% do total das amostras recolhidas nos pontos de venda, classificado em quadro de sobrepesca, "vulnerável" para desaparecer.
A situação foi divulgada à Agência Efe pelo pesquisador da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) Victor Hugo Valiati e seu orientando, Christian Sperb, cujo estudo teve apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.
"Como saber se o peixe que está sendo vendido é aquele mesmo? Muitas vezes o consumidor não tem informação e pode colaborar, involuntariamente, com um mercado que explora espécies em extinção", pontuou.
A coleta se deu a partir de 15 pontos de venda entre o norte de Santa Catarina e o sul do Rio Grande do Sul durante os anos de 2012 e 2013, quando os pesquisadores notaram que havia irregularidades na venda nos mercados.
Através de análises genéticas das amostras foi observado que, para evitar fiscalizações, a cabeça e as barbatanas dos animais foram retiradas pelos pescadores ainda no mar, o que quase inviabiliza a identificação das espécies ameaçadas.
Em terra, a carne é vendida diretamente como filé, o que dificulta o reconhecimento por parte do consumidor.
"Nós acreditamos que, mesmo sendo possível haver enganos em alguns casos, nos quais, por exemplo, vende-se espécies permitidas e mais caras por preços menores, há sim má-fé", observou Valiati.
O pesquisador aponta que a prática pode causar danos irreversíveis e "desequilíbrio nos oceanos" por meio da pesca excessiva de espécies como tubarão-azul e amarelo, as quais têm pouca variação genética, facilitando o consumo irregular.
Para a diretora executiva da Fundação Grupo Boticário, Malu Nunes, a descoberta choca e permite estimar que casos similares ocorram há muito tempo e em grande escala no Brasil, como a coleta de barbatanas de tubarão no Nordeste, que se torna material para exportações ilegais, sobretudo para países orientais.
Nunes ressaltou que somente 1,5% da área marinha do Brasil é devidamente protegida, enquanto há pesquisas que sugerem que o número deveria ser de 30% para evitar intensa exploração e poluição dos oceanos.
A Agência Efe entrou em contato com o Ministério da Agricultura, que informou não saber do processo descrito na reportagem e que só toma conhecimento da existência de pesca ilegal quando notificado pelo setor pesqueiro.
Segundo Nunes, a Fundação costuma reunir suas pesquisas e levá-las ao conhecimento de autoridades com intenção de colaborar para a solução dos problemas.
Entre 2003 e 2015, o Ministério da Pesca e Aquicultura era o responsável pela elaboração de um Plano Nacional para combater a pesca ilegal, em parceria com os ministérios do Meio Ambiente, Defesa, Agricultura e Justiça, além da Marinha.
Com a extinção da pasta em 2015, esta política institucional não foi rediscutida.
Ainda no ano passado, o Ministério da Agricultura criou a Câmara Setorial de Pesca e Aquicultura para "analisar o cenário das duas cadeias produtivas e propor medidas para fortalecê-las, seja no aprimoramento da legislação ou em aspectos econômicos".
De acordo com Sami Pinheiro de Moura, diretor do Departamento de Planejamento e Ordenamento da Pesca do Ministério, o órgão diretamente responsável pela fiscalização da atividade de pesca no Brasil é o Ministério do Meio Ambiente.
Como fruto do estudo elaborado pelos pesquisadores da Unisinos, foi feita uma cartilha destinada a pescadores para que saibam reconhecer as espécies ameaçadas.