"Trumpismo chega ao Brasil", diz revista americana sobre Bolsonaro
Revista relembra posições polêmicas do candidato, compara suas ideias às de Trump e diz que há risco às normas e instituições democráticas
Guilherme Dearo
Publicado em 29 de outubro de 2018 às 18h50.
São Paulo - Lembrando que Jair Bolsonaro já saudou a bandeira americana durante um evento - enquanto a plateia gritava o nome dos Estados Unidos - e que, para seus opositores, ele é radical e inexperiente para ocupar a presidência, a revista americana Foreign Affairs, uma das mais prestigiadas do mundo quando o assunto é política externa, comparou o recente presidente eleito no Brasil a Donald Trump nos EUA. Trump, aliás, ligou para Bolsonaro e o parabenizou pouco após o resultado das urnas ontem (28).
O texto reforça como Bolsonaro já disse que Trump teria um grande aliado no hemisfério sul caso ele fosse eleito. Para a revista, Bolsonaro quer ser um dos grandes aliados de Washington e quer pegar emprestado do manual de Trump ideias sobre a maneira de lidar com a agenda internacional.
O artigo relembra falas de Bolsonaro, como quando ele defendeu o legado da Ditadura Militar, prometeu proteger o país dos "comunistas" e "ladrões", criticou as fake news contra ele e disse que daria "carta branca" a policiais para eles combaterem traficantes e outros criminosos.
Política externa
Para a Foreign Affairs, Bolsonaro provavelmente promoverá a maior mudança na política externa brasileira em muitos anos e que essas escolhas reverberarão na América e no globo. Para a publicação, Bolsonaro conseguiu convencer seus apoiadores que só há dois caminhos possíveis para o Brasil: se transformar "em uma Venezuela" ou se espelhar no sucesso americano e no governo de Trump. Também lembra uma grande contradição de Bolsonaro: em 1999, ele chamou Hugo Chávez de "a esperança da América Latina" e disse que queria trazer sua filosofia para o Brasil.
A revista elenca algumas das promessas do político do PSL no campo da política externa: prometeu sair do conselho de direitos humanos da ONU,mover a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, conter avanços econômicos da China e de mudar radicalmente as relações do país com a Venezuela. Também chegou a cogitar sair do acordo climático de Paris, mas, ao menos por enquanto, voltou atrás na decisão.
Segundo a revista, para alguns especialistas, as falas de Bolsonaro são apenas retórica que provavelmente não darão em nada. "Eles argumentam que as prioridades políticas em casa - como a economia, que não deu sinais de crescimento saudáveis desde 2012 e o crônico gasto excessivo do governo - vão rapidamente consumir Bolsonaro, enquanto a política externa brasileira inevitavelmente ficará em segundo plano. No final, a diplomacia brasileira ficará do mesmo jeito que nos últimos 30 anos", escreveu a Foreign Affairs.
Mas, também, há a possibilidade de haver mudanças sim, devendo considerar as promessas de Bolsonaro sérias e literais. "Ele pode usar a política externa como distração enquanto ataca as bases da crise econômica brasileira com medidas potencialmente impopulares", analisa.
Meio-ambiente
Sobre as mudanças climáticas e o meio-ambiente, a revista lembra que as decisões de Bolsonaro terão alcance global e que o governo do presidente eleito deve fundir as pastas de meio-ambiente e agricultura, tirar verba das agências de proteção ambiental e, virtualmente, dar aos produtores do agronegócio um cheque em branco para destruir florestas. "O resultado inevitável será um aumento do desmatamento, fator que mais responde pelas emissões de gases causadores do efeito estufa no Brasil".
"Ele pode não ter chamado o aquecimento global de 'invenção chinesa' (como Trump chamou), mas ele disse que o acordo de Paris e as demarcações de terras indígenas eram uma conspiração internacional para colocar a Amazônia sob controle mundial. Portanto, matar o acordo de Paris e se opor a qualquer acordo multilateral de mudanças climáticas será visto como questão de soberania", analisa.
Trumpismo
Para a revista, mesmo que em algumas áreas as ideias de Bolsonaro sejam diferentes das de Trump, há boas razões para acreditar que, no final, a "mentalidade trumpista" vai prevalecer. Apesar dele ter prometido respeitar as regras do Mercosul e de defender mais acordos de livre-comércio, os seus instintos nacionalistas emergirão.
"Bolsonaro tem repetidamente atacado a China - o maior parceiro comercial do Brasil e um companheiro de BRIC - dizendo que 'a China não está comprando no Brasil, sim está comprando o Brasil'. Depois dele visitar Taiwan em março, a embaixada chinesa em Brasília acusou Bolsonaro de violar a política de 'Uma China', que o Brasil segue desde 1970", escreve.
Venezuela
Para a Foreign Affairs, a Venezuela será a primeira a sentir os choques mais intensos e imediatos do "terremoto" da nova política externa brasileira. Lembrando que muitos venezuelanos estão entrando pelas fronteiras brasileiras, que 37 mil deles já pediram asilo ao Brasil esse ano e que a crise no país vizinho já entrou na esfera da política doméstica e gerou críticas da população, o texto da revista analisa que a antiga promessa brasileira de nunca apoiar ações militares contra Maduro pode ser revista.
"Quando Trump publicamente flertou com a ideia de tomar ações militares contra Maduro ou de apoiar um golpe militar em Caracas, o Brasil deixou claro que jamais apoiaria tais ações. Mas, sob Bolsonaro, 'jamais' é uma palavra forte. O candidato de extrema-direita é a favor de impor sanções e criar campos de refugiados para os venezuelanos na fronteira", escreve.
A revista conclui que a política externa brasileira sob Bolsonaro vai, muito provavelmente, agradar Washington em curto prazo. "Mas quais serão os efeitos em longo prazo é uma dúvida legítima para o Brasil e para os Estados Unidos. Antigas declarações de Bolsonaro e suas propostas atuais sugerem que sua presidência colocará em risco as normas e instituições democráticas, as leis, a justiça social e o aumento da segurança no Brasil. Os últimos 30 anos foram uma era de progresso para a maioria da América Latina, graças, em boa parte, a esses valores. Saudar a bandeira americana não pode compensar o risco de Bolsonaro abandonar tais princípios", conclui.