André do Rap: discussão sobre prisão em 2ª instância reacendeu com a soltura do traficante, apontado como líder do PCC (Arquivo pessoal/Reprodução)
Estadão Conteúdo
Publicado em 13 de outubro de 2020 às 11h43.
Última atualização em 13 de outubro de 2020 às 12h39.
Deputados que integram a comissão especial formada para discutir a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância anunciaram que vão entregar nesta terça-feira, 13, ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), um novo pedido para retomar os trabalhos do colegiado.
O requerimento é assinado pelo presidente da comissão, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), pelo relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC), deputado Fábio Trad (PSD-MS), e pelo autor da proposta, Alex Manente (Cidadania-SP).
Os trabalhos do grupo foram suspensos em razão da pandemia da covid-19. Desde março, toda a pauta da Câmara está voltada para projetos que visem contornar os efeitos da crise sanitária.
A discussão, no entanto, reacendeu com a soltura do traficante André Oliveira Macedo, o André do Rap, apontado como líder do Primeiro Comando da Capital (PCC).
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu habeas corpus por considerar que o prazo para manutenção da prisão preventiva havia se esgotado e que a continuidade da medida cautelar era ilegal uma vez que não houve decisão judicial decretando sua renovação nos últimos 90 dias - conforme prevê a legislação desde que foi aprovado o Pacote Anticrime.
"Esse episódio de soltura do tal André do Rap torna ainda mais urgente uma solução estruturante pro nosso sistema processual. Essa solução é a PEC da Segunda Instância. Com ela, André do Rap não estaria em prisão preventiva, estaria já cumprindo a pena!", escreveu nas redes sociais o deputado Marcelo Ramos.
"Renovamos o apelo para que o colegiado de líderes coloque na pauta o Projeto de Resolução que permite reinstalar as Comissões e que o presidente reinstale a comissão da PEC 199 para que possamos analisar e votar o relatório", completou o parlamentar.
Também já existem decisões nas cortes superiores que divergem da posição de Mello - o que tornaria essencial a posição do plenário do STF. O ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato no Supremo, negou em maio soltar um investigado que recorreu ao tribunal com o mesmo argumento de André do Rap.
Para Fachin, a ausência de reavaliação não retira do juiz o poder de averiguar a presença dos requisitos da prisão. Portanto o ministro só determinou que o magistrado responsável analisasse o caso. Foi o mesmo entendimento do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, do STJ. "Eventual atraso na execução deste ato não implica automático reconhecimento da ilegalidade da prisão, tampouco a imediata colocação do custodiado cautelar em liberdade", escreveu em decisão de junho.
Mello rejeitou a avaliação de que o tema precisa ser analisado pelo plenário. Para ele, a "onde a norma é clara e precisa, não cabe interpretação". "O que precisamos é nos acostumar a cumprir a lei", disse ao Broadcast/Estadão. "Cada cabeça, uma sentença", respondeu ao ser indagado sobre as posições dos colegas. "Qualquer pessoa letrada em Direito vai concluir que não cabe interpretação. Fora isso é a babel, é o critério de plantão."
A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) criticaram ontem a tese de que o Ministério Público contribuiu para a soltura de André do Rap. As entidades negaram omissão do MP e afirmam que a obrigação de revisar a manutenção da prisão, a cada 90 dias, é imposta só ao juízo de 1.º grau ou ao tribunal que impôs a medida cautelar.
O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), atribuiu responsabilidade ao MP. "Se o procurador tivesse no prazo de 90 dias respeitado a lei, certamente o ministro Marco Aurélio não teria liberado o traficante", disse anteontem.
As entidades também criticaram o ministro do STF. Segundo a nota em "posição até agora isolada", ele vem compreendendo que, configurado o excesso de prazo da prisão, deve ser determinada a soltura. "Quando do julgamento do mérito desses casos, a 1.ª Turma do STF tem refutado o argumento e vem cassando as liminares deferidas. No caso André do Rap, a soltura foi determinada, inclusive, antes de qualquer ouvida do MP", acrescenta.
Apesar das críticas de parte dos parlamentares e de especialistas em segurança sobre essa exigência da lei, criminalistas dizem que o item evita excessos na prisão preventiva e garante o direito de defesa em todas as instâncias, não apenas para quem tem à sua disposição um grande aparato de advogados.
"Ele vem justamente para proteger o réu comum, que tem a prisão preventiva muitas vezes desde o início do caso e não tinha dispositivo legal que obrigasse a magistratura a revisar a necessidade disso", diz a advogada criminalista Dora Cavalcanti, sócia do Cavalcanti Sion Salles Advogados. "Temos um problema crônico. Não é nada para se orgulhar termos um índice de mais de 40% de presos provisórios no sistema."
Os advogados também criticam a atuação do presidente do STF, Luiz Fux, que revogou a soltura. "Ele (Fux) olhou para o alvo e não para as provas dos autos", avalia Adib Abdouni, advogado criminalista e constitucionalista. Para ele, o ministro teria um "modo de enxergar pela opinião popular", ao passo que Mello analisou os casos "sob a luz da Constituição" e de forma "mais garantista".
O vice-presidente Hamilton Mourão avaliou nesta terça-feira, 13, que a soltura de André Oliveira Macedo, o André do Rap, não foi "a melhor decisão" considerando a "periculosidade do marginal". O vice-presidente opinou que era preciso analisar "a pessoa do transgressor" no processo de avaliação do pedido de habeas corpus.
"Eu acho que não foi a melhor decisão a ser tomada pela periculosidade do marginal. Tanto é que o cara já sumiu aí no mundo", comentou Mourão. Questionado se o caso teria gerado um desgaste no Supremo, o vice-presidente afirmou que o ocorrido tem "reverberações" na população e que compete à Corte a "correção".
"A sociedade não aceita mais decisões que colocam em risco ela própria. Isso gera uma reverberação, principalmente na porção mais esclarecida da sociedade, mas compete ao próprio Supremo corrigir isso aí", declarou. Mourão afirmou que a "a letra fria da lei foi obedecida", mas citou previsão do regulamento disciplinar do Exército para reforçar que a o perfil de André do Rap deveria ter sido considerado na análise do habeas corpus.
"Quando você vai analisar alguma transgressão você tem que analisar a pessoa do transgressor. Se o camarada é um transgressor contumaz você vai dar um tipo de punição para ele, se é a primeira vez é outro tipo de punição. Então, nesse caso, talvez se tivesse sido analisado melhor quem era pessoa quem estava sendo dada o habeas corpus", destacou.
A decisão repercutiu no meio político durante o final de semana. Enquanto o ex-ministro Sérgio Moro argumentou que o texto do pacote anticrime foi modificado pelo Congresso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), destacou que o Ministério Público é o responsável pela investigação e renovação dos pedidos de prisão preventiva.