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Sem controle do desmatamento, Amazônia pode originar novas pandemias

Até hoje a ciência ainda não entendeu como a floresta com maior diversidade do mundo ainda não foi palco de nenhuma doença com potencial pandêmico

Desmatamento: Dos anos 70 para cá, a destruição do homem reduziu 20% da Floresta Amazônica e 50% do Cerrado (Ueslei Marcelino/Reuters)

Desmatamento: Dos anos 70 para cá, a destruição do homem reduziu 20% da Floresta Amazônica e 50% do Cerrado (Ueslei Marcelino/Reuters)

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Clara Cerioni

Publicado em 31 de agosto de 2020 às 06h30.

Faz alguns anos que a ciência tenta explicar como a floresta Amazônica, região com a maior biodiversidade do planeta, até hoje ainda não foi o berço de uma epidemia. Pelo menos nos últimos 50 anos, as perturbações do homem com a mata, principalmente em relação ao desmatamento, se intensificaram cada vez mais.

Apesar do histórico razoavelmente tranquilo em relação ao surgimento de grandes doenças, não se pode contar com a sorte de que a destruição iminente da floresta não vá desencadear nenhuma pandemia. Os cientistas já alertam sobre isso há algum tempo, mas a pandemia da covid-19 aumentou a urgência de um debate público sobre preservar a Amazônia.

Um estudo do Ipea de 2015, por exemplo, constatou que, para cada 1% de floresta derrubada por ano, os casos de malária aumentam 23% na Amazônia. Dos anos 70 para cá, segundo um relatório bianual do Fundo Mundial para a Natureza (WWF, da sigla em inglês), o desmatamento reduziu 20% da Floresta Amazônica e 50% do Cerrado.

Só em junho deste ano, a mata registrou 1.034,4 km² de área desmatada, um recorde para o mês em toda a série história, que começou em 2015. No acumulado do semestre, os alertas indicam devastação em 3.069,57 km² da floresta, um aumento de 25% em comparação com o mesmo período do ano passado.

"O ser humano entra cada vez mais na floresta, por meio de desmatamento, garimpo ilegal, grilagem de terra, fogo, entre outras práticas. Isso coloca em enorme stress os seres vivos que habitam a região e, às vezes, um vírus ou uma bactéria que convive naturalmente com os animais sofre uma mutação", diz Carlos Nobre, referência brasileira em estudos sobre aquecimento global e pesquisador sênior do Instituto de Estudos Avançados da USP.

O cientista afirma, ainda, que uma mutação de um organismo é a principal teoria científica que existe até agora para explicar a epidemia de SARS, que surgiu na China em 2006, por causa da proximidade do homem com o morcego. "Os morcegos começaram a ser caçado dentro das cavernas e isso gerou mudança de ambiente e stress. Pouco tempo depois, a doença foi passada para o ser humano".

Maior biodiversidade do mundo

Embora a população humana na Amazônia seja relativamente pequena, a região abriga uma diversidade única de primatas e outros mamíferos, que têm alto potencial de passar doenças aos humanos.

A Amazônia, inclusive, detém a maior quantidade de espécies de morcegos do mundo, segundo mostra o mapa a seguir da Biodiversity Mapping.

A bióloga Mariana Vale, professora do departamento de ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, especialista em Amazônia, pelas características da floresta, diz que além do aumento das chances de maior contato entre homem e reservatórios de animais com potencial pandêmico, a Amazônia não tem a mesma capacidade de contenção de uma pandemia como a China.

"Não conseguiríamos repetir o que observamos em Wuhan, na China, com confinamento imediato e traçando a linha de contágio. A capital Manaus demorou para registrar casos de covid-19, mas foi uma das primeiras a colapsar", diz, relembrando inclusive que existem voos diretos do Amazonas para Miami, nos EUA.

A bióloga é uma das autoras de um estudo publicado na revista Science que revelou que o custo para se prevenir a próxima pandemia seria 2,7% do valor total das perdas econômicas com a covid-19, que devem chegar a uma média de 11,5 trilhões de dólares somando o impacto do PIB global e os custos decorrentes das vidas perdidas.

Os pesquisadores argumentam que prevenir o desmatamento e reduzir o tráfico de animais silvestres, as chances de se ter um novo surto diminuiriam significativamente. Sem contar, que isso é bom não só para emergências de saúde, mas também para reduzir o aquecimento global.

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