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São Paulo, a terra prometida para bolivianos, apesar da exploração

Imigrantes chegam a trabalhar 14 horas por dia sem direitos trabalhistas em fábricas clandestinas

Imigrantes bolivianos trabalham em ateliê de roupas de Nova Odessa, em São Paulo (Nelson Almeida/AFP)

Imigrantes bolivianos trabalham em ateliê de roupas de Nova Odessa, em São Paulo (Nelson Almeida/AFP)

DR

Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2011 às 15h35.

Nova Odessa, São Paulo - Em busca de oportunidades, muitos bolivianos chegam a São Paulo com os filhos pequenos e sem falar português para encarar jornadas de trabalho longas e mal remuneradas em ateliês de costura com condições desumanas, situação que preferem a ter que voltar para seu país.

"Meu chefe é muito bom conosco, não tenho que pensar em teto, nem em comida, e ele aceita meus filhos", declarou Gloria Espinosa, de 42 anos, às autoridades do Ministério Público do Trabalho de Campinas, durante fiscalização em uma fábrica clandestina em Nova Odessa, a 130 km de São Paulo, acompanhada por jornalistas da AFP.

"Boa noite, queria denunciar a exploração de trabalhadores bolivianos", começava o e-mail anônimo enviado às autoridades, narrando que os funcionários ilegais trabalham 14 horas por dia.

"O dono tem dez bolivianos irregulares trabalhando para ele, vivendo (de forma) desumana", acrescentava o texto.

As denúncias sobre trabalho escravo chegam regularmente à procuradoria regional do trabalho de Campinas (100 km de Sao Paulo), que meses atrás desmantelou um centro clandestino que confeccionava roupas para a grife espanhola Zara, onde 52 bolivianos trabalhavam em condições insalubres.

Gloria mora no ateliê clandestino, em um dormitório sem ventilação e com duas camas que ela divide com os três filhos pequenos, de sete, quatro e dois anos, além de uma filha de 18 anos, recém-chegada ao Brasil.

O ar irrespirável do dormitório se repete nos outros cômodo do local, com paredes descascadas, a fiação elétrica à vista, e uma telha metálica, irradiando um calor insuportável que o velho ventilador não consegue diminuir.

Nos fundos da casa, um pátio aberto, coberto por uma telha metálica, serve de oficina e abriga umas dez máquinas de costura.

Os três jovens que costuram bermudas não tiram os olhos da agulha, mesmo quando questionados pelos promotores, acompanhados de dois policiais militares.

Tímido, um jovem de 20 anos, que não quis se identificar, contou à AFP que chegou a São Paulo vindo de La Paz há quatro meses para trabalhar no ateliê de sua irmã em Americana (a 130 km de São Paulo). Mas quando o local fechou, encontrou trabalho em Nova Odessa, onde pagam "não muito bem".

Gloria contou que, em média, recebe 500 reais por mês, abaixo do salário mínimo, de R$ 545. Os proprietários, por sua vez, afirmaram que o salário mensal pago é de 800 reais.

"Não temos nada a esconder", disse o boliviano Policarpio Damián, um dos proprietários, destacando que está tentando regularizar a empresa instalada há seis meses. "Estamos sobrevivendo", afirmou.


Ao redor de uma mesa de corte de tecidos, é possível ver várias estantes e caixas abarrotadas de roupa, algumas empacotadas e outras por montar. Ali, a polícia confiscou falsificações de grifes como Calvin Klein, Ralph Laurent e Adidas, que os donos garantiram ter comprado em feiras populares de São Paulo.

"O lugar é degradante, há risco de incêndio, a situação sanitária é degradante. Faz muito calor. Todo mundo (trabalha) com contrato irregular", lamentou o promotor Ronaldo Lira.

Segundo fontes oficiais bolivianas, que pediram para ter suas identidades preservadas, cerca de 350.000 bolivianos moram em São Paulo, onde muitos trabalham em oficinas de costura. Apenas 50.600 estão no país legalmente, segundo o Ministério da Justiça.

Muitos vendem seus produtos na feira dominical de produtos bolivianos da Kantua, na zona norte de São Paulo.

"Eu me aventurei (em vir a São Paulo) porque na Bolívia não há estabilidade econômica. A economia está paralisada. Não há trabalho e todo boliviano emigra", contou Basilio Iquize, de 58 anos, enquanto caminhava na feira.

Este descendente de aimaras chegou faz oito meses à capital paulista com dez parentes, com os quais trabalha em um centro de costura.

"Gosto de trabalhar, tenho trabalho, tenho saúde, tenho um lugar para mandar meu filho à escola", contou, satisfeito.

Roxanna Vicca, de 25 anos, que vende sucos e empadas na feira, também disse estar contente com seu trabalho em um dos muitos ateliês da região.

"Trabalho das seis (da manhã) até as dez da noite. Dizem que é trabalho escravo, mas não é assim", afirmou, destacando que ganha 1.000 reais por mês.

No entanto, a jovem conhece casos de bolivianos que trazem ilegalmente seus compatriotas ao Brasil, aproveitando as dificuldades de conseguir emprego na Bolívia e constante demanda de mão-de-obra no gigante sul-americano.

"Muitos veem e os levam ao interior, e ficam trancados", contou, destacando que seus primos passaram por isso.

Para as autoridades bolivianas é uma prioridade "combater o tráfico de pessoas e trabalho similar ao escravo", afirmou uma fonte oficial sob condição de anonimato.

Enquanto isso, Gloria espera que a fiscalização não feche a fábrica e a deixe sem trabalho, pois quer que seus outros dois filhos que estão na Bolívia cheguem logo a São Paulo.

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