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Roberto Cláudio (PDT) e a intrincada política de Fortaleza

Camila Almeida O atual prefeito de Fortaleza, Roberto Claudio (PDT), é candidato à reeleição em Fortaleza. A cidade, que é a capital mais violenta do Brasil e uma das mais desiguais, tem o desafio de reduzir o abismo que separa os privilegiados que moram na orla e a população das periferias. Com 34% das intenções […]

ROBERTO CLÁUDIO:   /

ROBERTO CLÁUDIO: /

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Da Redação

Publicado em 30 de setembro de 2016 às 16h20.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h26.

Camila Almeida

O atual prefeito de Fortaleza, Roberto Claudio (PDT), é candidato à reeleição em Fortaleza. A cidade, que é a capital mais violenta do Brasil e uma das mais desiguais, tem o desafio de reduzir o abismo que separa os privilegiados que moram na orla e a população das periferias. Com 34% das intenções de voto, seguido pelo candidato Capitão Wagner (PR), com 28%, o atual prefeito deve seguir para o segundo turno num cenário não tão confortável. Ao longo do mandato, integrou três partidos diferentes, devido a divergências políticas. A seu favor, pesa o apoio dos irmãos Cid e Ciro Ferreira Gomes, da família mais tradicional da política cearense. Em entrevista a EXAME Hoje, o candidato falou sobre a problemática gestão na saúde, o troca-troca de partidos e o racha do PT municipal e estadual.

Qual foi o principal marco de sua gestão?

A mobilidade urbana, principalmente, na prioridade dada ao transporte público. Fizemos a implantação do bilhete único, política cicloviária, que não existia na cidade, e uma série de outras ações e intervenções. Na educação, também conseguimos indicadores favoráveis. Vimos um aumento do número de matrículas, cumprimos a meta de triplicar as ofertas de vagas de creche, implantamos a escola em tempo integral e melhoramos todos os indicadores de avaliação de qualidade da educação. Na saúde, conseguimos triplicar a cobertura do programa de saúde da família e ampliar o número de leitos hospitalares. Temos melhorado alguns indicadores, mas o mais representativo foi a redução da mortalidade materna pela metade.

O senhor é médico, certo? Apesar de o senhor dizer que a saúde teve indicadores muito bons, uma pesquisa realizada pelo jornal O Povo mostra que 59% da população considera que a gestão da saúde foi ruim ou péssima, e que 65% ficaram decepcionados com o fato de a sua gestão não ter avançado tanto nesse setor. Mesmo o senhor tendo experiência nessa área, o que foi faltou?

Uma pesquisa do Ibope fez as mesmas perguntas em todas as capitais brasileiras, e o maior problema é a saúde. Da forma como a saúde no Brasil está organizada, o sistema municipal depende não só de dinheiro, mas de articulação do governo federal. O que tem acontecido em Fortaleza e em todas as capitais brasileiras é que os municípios têm aumentado seus gastos com saúde, e mesmo assim, ainda é aquém da necessidade para atendimento à população. A despeito dessa frustração de expectativas, essa mesma pesquisa indica que quem utilizou o serviço aprovou mais do que desaprovou. Mas a gente reconhece um longo caminho a ser percorrido, e que, em quatro anos, prefeito nenhum consegue fazer uma transformação no sistema de saúde municipal, que depende fortemente de financiamentos federais.

Fortaleza é, hoje, a capital mais violenta do Brasil. O que acontece para que esse quadro seja tão grave na cidade?

Não é um problema de quatro anos, esse indicador é inclusive anterior à minha gestão. Ao longo desses três anos e meio, Fortaleza tem reduzido a taxa de crimes violentos. A cidade é, sim, gravemente violenta, até porque as circunstâncias sociais que promovem são causadas pela falta de planejamento urbano sólido, pelo crescimento desordenado, pela desigualdade social profunda e por falta, até então, de políticas de qualificação pública. Nós tentamos tratar essas circunstâncias. Entregamos o primeiro plano mestre de desenvolvimento urbano na cidade. Estamos ampliando gastos com as políticas de juventude. Essas políticas estão dando já resultado de curto prazo, mas, tornarão nossa cidade menos violenta mesmo a médio prazo, quando estiverem consolidadas.

Fortaleza é uma cidade dividida chegam até a dizer que existe uma Fortaleza para rico, outra para pobre. Há críticas de que sua gestão não deu a atenção devida à periferia. O que faltou na sua gestão para aproximar esses dois mundos?

Quem diz isso são os oposicionistas, né. Mas deixe eu lhe falar um pouco: Fortaleza é uma cidade historicamente desigual. Nós crescemos às custas de uma forte migração rural, somos a capital brasileira que teve o maior crescimento demográfico nos últimos 25 anos, e isso obviamente aprofundou essa já marcante história de desigualdade. Hoje, são 119 bairros em Fortaleza, e não há um bairro sequer onde não tenhamos inaugurado uma obra. Praticamente todas as intervenções tiveram como critério de escolha os bairros de baixo IDH. Foi nos bairros mais pobres que concentramos as obras de impacto, em áreas como saúde, educação e assistência social.

O seu vice-prefeito, Gaudêncio Lucena (PMDB), está saindo candidato a vice-prefeito numa chapa de oposição à sua. Como foi sua relação com ele ao longo do mandato e por que ele decidiu romper com seu governo?

Eu sempre tive uma relação pessoal muito boa com ele. Inclusive, socialmente, ainda mantenho uma relação cordial, não há nenhum tipo de discórdia. Aconteceu que nós fazemos parte de partidos diferentes, que há dois anos tomaram rumos diferentes: em 2014, o PMDB, que é o partido do atual vice-prefeito, Gaudêncio Lucena, tomou a decisão de apoiar uma candidatura própria, inclusive a candidatura de um sócio dele — o senador Eunício Oliveira. Já o meu partido [na época, o Pros] apoiou o candidato e atual governador Camilo Santana (PT). Houve um rompimento do PMDB com o nosso grupo e, naturalmente, um afastamento político. Agora, ele se candidata a vice em outra chapa, e eu respeito a sua decisão.

O governador Camilo Santana (PT) apoia a sua campanha, e não a de Luizianne Lins, que já foi prefeita e é do mesmo partido dele. Não causa estranhamento essa divisão?

Só para dissociar: o PT municipal é presidido pela ex-prefeita Luizianne Lins e ela saiu do governo mal aprovada. O PT, ao longo desses quatro anos do meu governo, sempre se manteve na oposição. Mesmo assim, nós entendemos, na última eleição para governador, que o melhor nome para o governo do Estado era o de Camilo Santana. Camilo é um amigo pessoal, uma pessoa séria, trabalhadora, super respeitada. Mesmo com ele eleito governador, o PT municipal continuou na oposição ao meu governo e, legitimamente, eles têm uma candidatura agora contra a minha. Quanto ao governador, acho que só ele pode responder, mas ele tem mantido conosco uma relação de proximidade administrativa e entende que eu tenho feito uma boa administração, que merece continuar. Então, ele discorda da posição do PT municipal de lançar uma candidatura própria.

Por que o senhor e o grupo dos Ferreira Gomes mudaram tanto de partido nos últimos anos?

Por coerência. A primeira mudança nossa, do PSB para o Pros, se deu porque, na época, o diretório estadual do PSB decidiu de que o melhor caminho seria continuar na base de apoio da então presidenta Dilma. Tivemos uma franca conversa com o diretório nacional do PSB, para ver se era irreversível a possibilidade de uma candidatura própria [a de Eduardo Campos, em 2014]. Para não corrermos o risco de sairmos de nossas convicções, decidimos ir para um partido pequeno. A lei só permitia a mudança para um partido novo, na verdade. Depois, dentro do Pros, havia problemas na agenda burocrática e grande parte dos diretórios que fundaram o Pros passaram por dificuldades. Diante desse cenário, migramos para o PDT. Hoje, estamos muito confortáveis e gratos pela acolhida generosa.

O senhor não acha que ter participado de três partidos durante o seu mandato é injusto ou incoerente com os votos que o senhor recebeu e com a coligação que foi eleita?

Não. No Brasil, os eleitores têm cada vez menos identidade com os partidos políticos. Com estrutura partidária múltipla, heterogênea e pouco clara — principalmente para os cargos executivos, que são eleitos com base nas propostas, não na legenda —, o eleitor cada vez menos se identifica com o partido e cada vez mais com os próprios candidatos. Não saímos por prazer, mas pelos circunstâncias políticas nacionais, que estavam fora do nosso escopo. Seria esquisito se eu não fizesse que me comprometi a fazer e atrapalhasse a cidade de Fortaleza. Todas essas mudanças foram devidamente explicadas, nós demos satisfação às pessoas, à cidade, ao estado. Felizmente, como sempre tive o cuidado de explicar as razões, ao final do meu mandato, tenho a segunda melhor avaliação do Ibope, entre as 12 maiores capitais brasileiras.

Apesar de o seu partido ter permanecido ao lado do PT nacional, o ex-presidente Lula apoia Luizianne Lins em Fortaleza. Sentem falta de apoio nacional?

Eleições municipais são muito locais. As questões são próprias da realidade política e administrativa do município. O que está em jogo é a biografia, a história de realizações e as propostas de cada um. A interferência de lideranças nacionais e do próprio cenário político nacional nesta eleição é mínima, eu diria que quase nula.

Essa turbulência com o PT no cenário nacional, inclusive com o ex-governador Cid Gomes tendo abdicado do cargo de ministro da Educação e com Ciro Gomes tendo ficado chateado com Lula por não ter saído candidato à presidência, isso atrapalhou a atração de investimentos para Fortaleza?

Não. A gente sempre estabeleceu uma relação de aliança. A rixa que houve foi com o PMDB. Não tive qualquer dificuldade de acesso a recursos ou apoio da presidenta Dilma. Tanto que, mesmo com recessão, estamos realizando o maior investimento público real da história recente de Fortaleza. Isso graças a parcerias com governo estadual, governo federal, financiamentos com bancos nacionais (BNDES, Banco do Brasil e Caixa), e financiamentos também internacionais que precisam de aval federal. Então, não posso me queixar.

Falta alguma coisa para Fortaleza se posicionar melhor no cenário nacional? Houve uma época em que Fortaleza brigava com Recife para ver quem ia se destacar mais no Nordeste. Esse brilho se perdeu?

Os indicadores não mostram isso, me perdoe. Fortaleza é o terceiro município de turismo doméstico no Brasil e o terceiro centro de influência socioeconômica regional do Brasil, atrás apenas de São Paulo e Rio de Janeiro. Fortaleza é hoje a cidade que mais tem voos internacionais no Nordeste, junto com Salvador. Em 2014, tivemos o maior PIB per capita do Nordeste. Em vários indicadores, Fortaleza tem uma posição muitas vezes melhor do que Salvador e Recife. Todos esses indicadores mostram que a cidade se encontra numa posição favorável nacionalmente.

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