Repórter
Publicado em 11 de julho de 2024 às 06h01.
Última atualização em 11 de julho de 2024 às 11h14.
Um estudo feito pela Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste) identificou a presença de um alto teor alcoólico em algumas das marcas de pães mais consumidas pelos brasileiros. A avaliação testou as líderes de vendas e constatou que 60% dos produtos mais comercializados nas gôndolas dos supermercados seriam considerados alcoólicos se houvesse alguma legislação para a categoria. Alguns deles, inclusive, seriam barrados em um teste do bafômetro.
Visconti, Bauducco, Wickbold 5 Zeros, Wickbold Sem Glúten, Wickbold Leve, Panco, Seven Boys, Wickbold, Plusvita e Pullman foram as dez marcas avaliadas, mas apenas as duas últimas foram aprovadas em todos os testes. Henrique Lian, diretor executivo da Proteste e autor do estudo, diz que a presença de álcool em alimentos não alcoólicos, sem identificação, é grave. Por isso, ele lidera a campanha ‘Se tem Álcool, todo mundo tem direito de saber’, que propõe mais transparência ao consumidor. As marcas contestam o estudo — veja os posicionamentos abaixo.
"Em termos de saúde, a resposta depende de vários fatores, como idade e condição de saúde do indivíduo. O ponto principal do nosso estudo é a falta de transparência. Quando um consumidor compra um pão de forma, ele não espera encontrar uma quantidade de álcool tão significativa que, se estivesse em uma bebida, a tornaria alcoólica", afirma Rafael Moura, consultor técnico da Proteste.
Para que uma bebida seja considerada não alcoólica, a legislação brasileira determina que ela deve conter um teor máximo de 0,5% de etanol. Se fossem bebidas, segundo o estudo, alguns pães brasileiros deveriam ter um aviso na embalagem sobre a presença do álcool.
Considerando uma porção de 50 gramas, que equivale a duas fatias de pão, a Visconti, Bauducco e Wickbold 5 zeros poderiam ser barradas no teste do bafômetro. Isso levando em conta os índices do DETRAN, que determinam como quantidade segura de álcool no organismo menos de 3,3g de álcool.
Segundo consta no estudo completo, que você pode conferir aqui, a metodologia utilizada foi a seguinte: a aquisição de unidades do produto foi realizada de forma anônima pelo Proteste, preferencialmente em grandes redes de supermercados e com datas de validade que atendessem aos requisitos do laboratório parceiro. Isso quer dizer que a análise foi feita com base em amostras retiradas das principais marcas das gôndulas e, nestas, foram feitas as análises que detectaram o teor de álcool.
A substância é comumente relacionada ao processo de fermentação, no qual os açúcares da massa se transformam em álcool e gases — o que ocasiona o crescimento e a fofura do pão. Mas o álcool detectado nas análises não vem daí, já que grande parte evapora no forno. O que acontece é que algumas indústrias diluem conservantes na substância para borrifar sobre os pães, evitando o mofo e garantindo a integridade do produto. Se exageradas, as aplicações podem resultar em teores elevados de etanol no produto final.
Usar estas substâncias não é ilegal, mas Lian defende que suas normas de uso sejam revistas para assegurar que o álcool residual não cause problemas aos consumidores.
A Proteste enviou um ofício com os resultados do teste para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A associação sugere o estabelecimento de um percentual máximo de álcool nas mercadorias e a ações de fiscalização quanto aos teores de agentes conservantes anti-mofo e o teor de álcool após a regulamentação.
"Até o momento não existe uma regulamentação para o tema. Estamos sugerindo o estabelecimento de percentual máximo de álcool. Por exemplo, 0,5% pelos balizadores apresentados no relatório, e a programação de ações de fiscalização quanto aos teores de agentes conservantes anti-mofo e o teor de álcool, após a regulamentação", explica Moura.
À EXAME, o Grupo Wickbold, que detém a marca de mesmo nome e a Seven Boys, afirmou a necessidade de conhecer a metodologia da pesquisa antes de se pronunciar. Em nota, a marca reforça que "todas as receitas de produtos, assim como todas as áreas da empresa, seguem protocolos de segurança e qualidade, com o mais alto teor de controle, bem como cumpre toda a legislação vigente, dentro dos parâmetros impostos pelas normas estabelecidas. Após ter acesso ao mesmo e a metodologia empregada, a marca poderá prestar os esclarecimentos que se fizerem necessários, confirmando o legado de ética, transparência e respeito às pessoas que mantém há 86 anos."
Já a Pandurata Alimentos, responsável pela fabricação dos produtos Bauducco e Visconti, esclarece que "adota rigorosos padrões de segurança alimentar em todo seu processo produtivo e na cadeia de fornecimento. A empresa possui a certificação BRCGS (British Retail Consortium Global Standard), reconhecida como referência global em boas práticas na indústria alimentícia, e segue toda a legislação e regulamentações vigentes. Priorizando a qualidade de seus produtos, a Pandurata respeita as Normas de Boas Práticas de Fabricação e destaca que seus cuidados começam com uma criteriosa seleção de fornecedores se estendendo por todas as etapas de produção."
A Anvisa disse que teve ciência dos resultados do teste comparativo na segunda-feira e abriu um processo que vai subsidiar possíveis medidas a serem adotadas caso a agência veja necessidade.
A Panco também foi procurada, mas não respondeu até o fechamento desta reportagem — o espaço segue aberto.