Luiz Inácio Lula da Silva durante caravana em Minas Gerais (Ricardo Stuckert/Assessoria Lula/Divulgação)
Luiza Calegari
Publicado em 24 de janeiro de 2018 às 06h10.
Última atualização em 24 de janeiro de 2018 às 09h09.
São Paulo — A biografia do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se confunde com a história recente da democracia brasileira, desde a explosão dos movimentos sindicais ainda no final da década de 1970 até os desdobramentos da Operação Lava Jato, que transformaram a vida política do país nos últimos quatro anos, e que terão um momento dramático no julgamento de hoje no TRF4.
É possível dividir a trajetória de Lula em quatro atos: seu envolvimento com as atividades do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que o levou a rodar o Brasil e ter contato com os movimentos sociais; as disputas eleitorais, quando sua figura ganhou corpo nas disputas como representante dos trabalhadores; a época da presidência, na qual o metalúrgico virou conciliador e da qual saiu com 84% de aprovação; e a derrocada de sua sucessora, Dilma Rousseff, e seu envolvimento nas denúncias e investigações da Lava Jato.
A incógnita que fica, agora, é evidente: o que será de Lula (e das esquerdas) após o julgamento em segunda instância que pode torná-lo inelegível? Se confirmada a condenação do ex-presidente, será a primeira vez na história da República que o candidato favorito nas pesquisas de intenção de voto é impedido de participar do pleito.
O resultado do julgamento desta quarta-feira (24) pode afetar as chances eleitorais de Lula de três formas: se ele for absolvido, sua candidatura deve se fortalecer; se for condenado por 2 a 1, há chances de o processo se arrastar por tempo suficiente para garantir seu lugar no pleito; e, se for condenado por unanimidade, pode ter a prisão decretada e ver sua carreira política afundar.
Já a esquerda brasileira está forjando uma aliança temporária em torno do direito de Lula ser candidato.
"A história dele é uma história de ciclos de menor ou maior radicalização. Nos anos 1980, foi muito radical, no processo de construção do PT. A partir de um certo momento, se dá conta de que teria que fazer um movimento em torno do eleitor mediano [ou seja, "desradicalizar" o discurso]. Depois do impeachment, ele volta a se configurar como líder radical, até como estratégia para a mobilização da esquerda militante", explica Fernando Luis Schuler, cientista político e professor do Insper.
Se por um lado há esse alinhamento nos discursos, por outro vários aliados históricos já anunciaram possíveis candidaturas próprias: o PSOL com o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos; o PDT com Ciro Gomes; e o PCdoB com Manuela D'Ávila.
Todas essas candidaturas, no entanto, continuam gravitando em torno do resultado do julgamento: se Lula for candidato, parte desses nomes pode recuar de suas intenções eleitorais para formar uma aliança em torno do petista, que é o candidato, hoje, com as maiores chances de vitória.
"Praticamente todos os partidos de esquerda defendem o direito do Lula ser candidato entendendo que isso é uma defesa da democracia, mas a esquerda vai precisar se reinventar. No momento oportuno, terá que fazer uma auto-crítica", afirma Aldo Fornazieri, sociólogo e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).
1964 — Começa a trabalhar na Metalúrgica Independência, em São Bernardo do Campo, onde perde o dedo em um acidente com o equipamento.
1967 — Filia-se ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, incentivado pelo irmão, Chico.
1975 — É eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, e inicia suas viagens pelo país e começa a fazer cursos e debates. No mesmo ano, seu irmão é preso e torturado pela ditadura, o que faz Lula romper com o presidente anterior do sindicato e se aproximar da militância na oposição ao governo militar.
1979/80 — Acontecem as primeiras grandes greves dos sindicalistas, que mobilizaram até 80 mil pessoas; em 1980, Lula é preso junto com outros dirigentes e processado pelo regime militar.
1980 — Fundação do Partido dos Trabalhadores (PT).
1982 — Lula lança-se candidato ao governo do estado de São Paulo para ampliar a divulgação do programa do PT entre a população; ele recebeu pouco mais de 1 milhão de votos e ficou em quarto lugar
1984 — Lula participa do palanque no primeiro protesto pelas Diretas Já na praça da Sé, que reuniu 250 mil pessoas e impulsionou o movimento
1986 — Lula é eleito o deputado mais votado do país para a Assembleia Constituinte, que redigiria a nova Constituição Federal após o fim da ditadura. Ele teve 651.763 votos.
Nos trabalhos da Constituinte, Lula esteve presente a 95% das votações, posicionando-se contrariamente à pena de morte e ao mandato de cinco anos para Sarney. Entre outros tópicos polêmicos, votou a favor da estatização do sistema financeiro, do direito ao aborto, da criação de um fundo de apoio à reforma agrária e pela legalização do jogo do bicho.
1989 — Em um ano de intensa mobilização sindical, Lula se candidata à Presidência pela primeira vez. A possibilidade de que ele pudesse passar ao segundo turno levou o então presidente da Fiesp, Mário Amato, a afirmar que 80 mil empresários fugiriam do país se ele fosse eleito.
Depois de afundar a 6% das intenções de voto nas pesquisas, Lula se recuperou, realizando comícios e apostando na estratégia de identificação com o homem “comum”. Foi para o segundo turno contra Fernando Collor de Mello (PRN, atual PTC) com a diferença de apenas um ponto percentual em relação a Lionel Brizola (PDT), que ficou em terceiro lugar.
O segundo turno foi acirrado e nem sempre leal: na propaganda eleitoral, Collor trouxe uma ex-esposa de Lula afirmando que ele tinha pedido que ela abortasse a filha deles. Além disso, a rede Globo admitiu, anos depois, ter editado o último debate entre ambos para favorecer o candidato do PRN. Collor venceu a eleição com 42,75% dos votos; Lula teve 37,86%.
1993 — Começam as “Caravanas da Cidadania” pelo país: a estratégia de Lula para se apresentar como alternativa viável à política tradicional brasileira foi organizar caravanas e comícios, para estar perto das pessoas — 350 cidades foram visitadas, em um trajeto de 81 mil quilômetros. Desde o ano anterior, ele tinha começado a aparecer como favorito nas pesquisas de intenção de voto para as eleições de 1994.
1994 — Além das caravanas da cidadania, Lula também passou a se reunir com empresários. As pretensões de atrair mais aliados para sua candidatura acabaram quando o PSDB decidiu lançar Fernando Henrique Cardoso como candidato. Se em maio Lula aparecia como presidente eleito com folga, a partir de setembro a candidatura do tucano ganhou corpo, turbinada por uma campanha baseada nos resultados da estabilidade monetária após o sucesso do Plano Real. Além disso, a aliança com o PFL (hoje DEM) garantiu votos no interior do país, onde Fernando Henrique não era tão popular. FHC foi eleito já no primeiro turno; Lula teve 27% dos votos, e mais de 17% dos eleitores brasileiros votaram em branco ou nulo.
1994 a 1998 — Lula e o PT fizeram uma oposição um pouco apagada ao primeiro mandato de FHC. Eles apoiaram sindicalistas em greve e as manifestações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que naquela época angariava simpatia da opinião pública após o massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará.
Em 1997, Fernando Henrique Cardoso aprovou uma emenda que permitia a reeleição do presidente da República, o que desmotivou Lula da sua intenção de concorrer novamente. No entanto, como ele ainda era o candidato de oposição que aparecia melhor colocado nas pesquisas de opinião, formou-se uma frente da esquerda e Lula saiu candidato, com Leonel Brizola como candidato a vice. No fim, Cardoso foi reeleito já no primeiro turno, com 53% dos votos; Lula e Brizola ficaram com 31,7% dos votos válidos.
1998 a 2002 — O governo de FHC sofreu vários desgastes, com o fim da paridade do real com o dólar, endividamento com o Fundo Monetário Internacional e a crise de abastecimento de energia elétrica, que levou a um “apagão” em 2001. No ano seguinte, Lula novamente ressuscitou suas esperanças eleitorais. Nas prévias dentro do PT, que disputou com o senador Eduardo Suplicy, Lula angariou 80% dos votos e oficializou o empresário José Alencar Gomes da Silva como seu vice, sinalizando que Lula não estava mais apostando na luta de classes para tentar se eleger.
Durante a campanha, para seguir as orientações de seus publicitários, o petista passou a usar um novo visual: barba aparada, terno azul marinho e gravata vermelha. Conseguiu apoio de José Sarney, Orestes Quércia e Itamar Franco, e deslocou sua candidatura para o centro. Para tranquilizar o mercado, publicou a “Carta ao povo brasileiro” em que se comprometia em honrar os compromissos financeiros assumidos pelo governo anterior. Venceu o pleito no segundo turno, contra José Serra, com 61,3% dos votos válidos.
2002 a 2006 — O primeiro governo de Lula foi considerado, quase unanimemente, um sucesso. Ele nomeou Henrique Meirelles para a presidência do Banco Central, gesto que foi interpretado como um sinal de que o presidente não tinha intenção de intervir no andamento da política econômica. Data dessa época a criação do programa Bolsa Família, premiado pela ONU pelo seu papel na redução da desigualdade. Também foi no primeiro mandato que Lula zerou a dívida externa brasileira com o FMI e se tornou credor de outros países.
Na política externa, estreitou laços diplomáticos com o Mercosul e países africanos. Em 2004, estourou o escândalo do mensalão, com notícias de que o PT pagava “mesadas” a parlamentares e partidos para que eles apoiassem as medidas do governo. Mesmo em meio às denúncias do chamado "Mensalão", a popularidade de Lula continuava subindo, chegando a quase 60% em 2005.
2006 a 2010 — O então presidente conseguiu se reeleger no segundo turno, com mais de 60% dos votos contra o tucano Geraldo Alckmin. O segundo mandato manteve várias das características do primeiro, como a condução ortodoxa da política econômica, mas ainda apresentou outro programa emblemático da era PT: o Programa de Aceleração de Crescimento (PAC).
No meio do mandato, em 2008, a crise econômica mundial atingiu a economia brasileira. O desemprego aumentou e o PIB teve dois trimestres de queda. Para lidar com a crise, o governo subsidiou crédito para grandes empresas por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) e cortou impostos de alguns itens de consumo, além de conceder aumentos no salário mínimo.
A política ajudou a estancar alguns dos efeitos da crise, e Lula terminou o governo com cacife político para eleger sua sucessora, a então ministra de Minas e Energia Dilma Rousseff, que também derrotou José Serra.
2011 — Em outubro, Lula é diagnosticado com câncer de laringe e se submete a quimioterapia e radioterapia. Ficam mais intensos os relatos de desavenças entre Lula, o mentor, e Dilma, sua pupila, que insiste em descolar sua imagem da do ex-presidente e tomar as rédeas da condução da política econômica.
2014 — Foi o ano em que a Operação Lava Jato começou, ganhou corpo e se transformou na maior investigação anticorrupção do país. A Polícia Federal começa a investigar fraudes em contratos de empreiteiras e acusações de lavagem de dinheiro. Em outubro, a revista Veja coloca, na capa, os rostos de Lula e Dilma afirmando que eles sabiam dos esquemas de corrupção que ocorriam na Petrobras, atribuindo a declaração ao doleiro Alberto Youssef. Apesar da capa, divulgada dois dias antes da eleição, Dilma consegue se reeleger por uma margem apertada de votos (51,6% contra 48,3% de Aécio Neves). O legado do PT, no entanto, começa a se desfazer.
2015 — No ano em que o ex-presidente completou 70 anos, as investigações da Lava Jato se aprofundaram para abranger a relação de Lula com o pecuarista e amigo José Bumlai, acusado de ajudar o ex-presidente a cometer irregularidades para receber propina, e com o advogado e "compadre" Roberto Teixeira, também acusado de auxiliar Lula a receber pagamentos ilegais.
2016 — Em julho, Lula vira réu pela primeira vez na operação Lava Jato, acusado de tentar comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. A ação é baseada em depoimento do ex-petista Delcídio do Amaral, que foi preso no exercício do mandato de senador. Em setembro, ele vira réu pela segunda vez, no caso do tríplex do Guarujá. Em outubro, vira réu pela terceira vez, acusado de favorecer a Odebrecht em contratos em Angola. Antes de o ano acabar, Lula ainda viraria réu pela quarta e quinta vezes, acusado de tráfico de influência na Operação Zelotes e de receber propina da Odebrecht para a construção do Instituto Lula na Lava Jato.
2017 — Em janeiro, a esposa de Lula, Marisa Letícia, morreu de um AVC, após ficar internada no Hospital Sírio Libanês. O ex-presidente Fernando Henrique prestou uma visita ao ex-presidente Lula no hospital.
Em maio, foi aberto o quinto processo contra Lula na Lava Jato, dessa vez por lavagem de dinheiro na reforma de um sítio em Atibaia. Neste ano, Lula foi absolvido da primeira acusação na Lava Jato, a de que teria tentado comprar o silêncio de Cerveró. Por outro lado, depois de dois depoimentos, o juiz Sergio Moro determinou a condenação do ex-presidente no caso do triplex, pedindo pena de 9 anos e meio de prisão. Como a decisão foi tomada em primeira instância, passou à responsabilidade dos desembargadores do TRF-4.
*Com informações do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas. Colaboração de Valéria Bretas