Força no pedal! Como as bikes estão mudando 10 capitais
As magrelas estão mudando a política e a mobilidade nas grandes cidades brasileiras. Há espaço para muito mais.
Vanessa Barbosa
Publicado em 10 de maio de 2015 às 07h40.
Última atualização em 13 de setembro de 2016 às 14h43.
São Paulo - A criação de vias exclusivas para bicicletas , um veículo limpo e sustentável, está longe de receber a atenção que merece nas grandes cidades brasileiras . Mas, pedalando, é possível chegar lá. É o que mostra o recém lançado livro “A Bicicleta no Brasil”, que fornece um panorama atualizado da ciclomobilidade a partir do olhar daqueles que defendem (e adotam) as magrelas como meio de transporte em 10 capitais. Obstáculos não faltam no caminho dos ciclistas, especialmente em um cenário que favorece o transporte individual e motorizado. Mas, pouco a pouco, com a mobilização social e as pressões crescentes por melhorias, a distância entre os gestores públicos e as demandas de grupos organizados tem diminuído. É um pouco dessa revolução sobre duas rodas que você poderá conferir clicando nas fotos.
Não tem receita pronta
“Cada cidade tem seu histórico de lutas, batalhas e conquistas importantes. A mensagem principal do livro é essa diversidade do uso das bikes no Brasil”, diz Daniel Guth, consultor em mobilidade urbana e um dos organizadores do livro. Segundo ele, não existe forma de bolo para a infraestrutura cicloviária. “Ela tem que dialogar com as características urbanísticas da cidade, com os interesses dos ciclistas, com questões de origem e destino e formatos que garantam segurança e conforto ao usuário”, explica. Outro mérito do livro é mostrar que as ciclovias representam um ganho coletivo e não restrito apenas a um grupo específico: muitas das críticas que surgem na esteira da criação de ciclovias se resumem em dizer que bicicleta “rouba” espaço do carro . “É compreensível essa sensação”, diz Guth. “São críticas baseadas na percepção de perda de privilégios. Ao mudar o foco para um novo tipo de transporte, é natural que quem não está conectado se sinta acuado, desfavorecido, sentindo que perdeu alguns direitos que, na verdade, são privilégios. Repare que boa parte da infraestrutura cicloviária que está sendo implantada em São Paulo está em áreas de estacionamento público, rotativo ou livre. São áreas praticamente mortas que servem de estacionamento para um único modal de transporte, mas que agora são convertidas à favor da circulação de pessoas e de bikes, um modal fragilizado e marginalizado historicamente”, pontua.'Humanovias'
“É fantástico olhar dez anos atrás e ver o quanto a relação das cidades com as bicicletas mudou”, avalia Marcelo Maciel, empresário e presidente da Aliança Bike. “Nós crescemos numa sociedade envolta, há mais de cem anos, na cultura automobilística. Mas aos poucos, redescobrimos que as cidades são dos seres humanos. Nas ciclovias, você vê ciclistas, corredores, gente caminhando, mães passeando com seus filhos, jovens patinando, andando de skate...Elas representam um espaço para pessoas, uma espécie de 'humanovia'. E o cicloativismo cavou essas oportunidades”, destaca. O livro A Bicicleta no Brasil é fruto da parceria entre a associação Aliança Bike, a rede Bicicleta para Todos, a rede Bike Anjo e a UCB – União dos Ciclistas do Brasil e conta com o apoio de entidades privadas. Também participaram da elaboração do livro grupos, entidades e organizações de dez cidades diferentes. São elas: Ameciclo (Recife-PE), BH em Ciclo (Belo Horizonte-MG), Ciclocidade (São Paulo-SP), Cicloiguaçu (Curitiba-PR), Ciclo Urbano (Aracaju-SE), Ciclovida (Fortaleza-CE), Pedala Manaus (Manaus-AM), Rodas da Paz (Brasilia-DF), Transporte Ativo (Rio de Janeiro-RJ) e ViaCiclo (Florianópolis-SC). Quem tiver interesse em um exemplar, pode entrar em contato com as organizações listadas ou acessar o site da UCB para baixar uma versão digital.Estrutura cicloviária: 374 km de ciclovias em 2014 = 7,6 km para cada 100 mil habitantes
O Rio de Janeiro é uma das cidades brasileiras mais engajadas na promoção das bicicletas . De 1994 a 2012, o uso das magrelas como meio de transporte aumentou 610% no município. Hoje, elas representam 3% dos deslocamentos diários, com destaque para o uso intenso na Zona Oeste. A região concentra 62% das ciclovias da cidade, seguida da Zona Sul (20%) e da Zona Norte (18%). Uma senhora mão na roda é o sistema de compartilhamento de bikes, que já conta com cerca de 160 estações e 1600 magrelas. O plano é acrescentar mais 100 estações e 1000 bicicletas até meados de 2015. Apesar do cenário positivo, muita coisa ainda pode melhorar. Segundo a ONG Transporte Ativo, referência no assunto, atualmente só é possível realizar integração entre diferentes modais de transporte – bicicleta, metrô, trem e barcas – sob algumas condições e em regiões específicas da cidade. Elaborar um processo de intermodalidade eficiente e sistêmico, portanto, é um dos desafios que precisam ser superados pela cidade. Melhorar a relação e o respeito entre os diferentes modais também é urgente. Uma cena comum é ver carros circulando em cima da faixa exclusiva para ciclistas. Até o final de 2015, a prefeitura do Rio espera alcançar um total de 493 km de ciclovias.Estrutura cicloviária: 70 km de ciclovias e ciclofaixas = 2,4 km para cada 100 mil habitantes
É comum ouvir que o relevo e a topografia da capital mineira não favorecem o uso de bicicletas . Pensa que os ciclistas belo-horizontinos se intimidam? Que nada. Eles usam o lema a união faz a força para remover "montanhas políticas" que, por ventura, possam usar essa ideia para justificar a não promoção das magrelas. Foi a partir dessa mobilização, que a sociedade civil passou a participar do desenvolvimento da política pública para a ciclomobilidade na cidade: o GT Pedala BH. Dessa união também surgiu, em 2012, a Associação dos Ciclistas Urbanos de Belo Horizonte , que já obteve vitórias importantes. Exemplo disso foi a proposição e aprovação de uma emenda ao orçamento municipal que garantiu nada menos do que R$800 mil para investimento em campanhas educativas sobre bicicletas de 2015 a 2017. Para alegria da comunidade ciclista, BH ainda receberá recursos do PAC II para construir mais 150 km de ciclovias. Com mais vias especiais, talvez mais gente se empolgue em tirar a magrela da garagem. Numa pesquisa feita em 2013, 0,52% dos moradores de BH disseram utilizar a bicicleta como principal modo de transporte. Para 2020, a meta é chegar a 6%.Estrutura cicloviária: 440 km de ciclovias segregadas, ciclofaixas e acostamentos adaptados = 15,4 km para cada 100 mil habitantes
Com relevo plano e clima favorável, o uso da bicicleta já é uma realidade em Brasília , mas ainda precisa fazer parte de um plano político consistente de mobilididade urbana. Atualmente, os maiores usuários desse meio de transporte são famílias de baixa renda que moram fora do Plano Piloto. Pela falta de infraestrutura adequada, essas pessoas também são as principais vítimas de acidentes envolvendo uso de bikes. Felizmente, mudanças positivas têm ocorrido. O metrô da cidade, por exemplo, é o único do país a permitir transporte de bikes sem restrição de horário e dia.Estrutura cicloviária: 165 km (80% da malha compartilhada com pedestres) = 8,85 km de estrutura cicloviária para cada 100 mil habitantes
Dez anos atrás, a capital paranaense ostentava a maior malha cicloviária do país. Boa parte do sucesso era reflexo das inovações urbanas que a cidade implementara nos idos dos anos 1970, das quais o BRT é o exemplo mais notável. Depois de um período de poucas intervenções em termos de ciclomobilidade, pressões sociais crescentes reacenderam os debates públicos sobre a necessidade de promoção das bikes e recuperação da malha existente. Segundo os autores do livro, o desafio para Curitiba é incentivar ainda mais o uso das magrelas, mobilizando a sociedade e os negócios.Estrutura cicloviária: 219,5 km de ciclovias, 3,3 km de ciclofaixas permanentes e 67,5 km de ciclorrotas = 4,5 km para cada 100 mil habitantes
Não há como duvidar que 2014 foi um ano histórico para a ciclomobilidade em São Paulo – ainda que marcado por polêmicas. A cidade saltou de 63 para mais de 200 km de ciclovias em cerca de 7 meses. Até o final de 2015, espera-se alcançar 463 km de vias exclusivas e segregadas. Embora a maioria da população seja favorável à criação de ciclovias na cidade, há muita reclamação sobre a execução. Para os adeptos desse meio de transporte sustentável, o importante foi delimitar espaços e, a partir daí, fazer os ajustes necessários, melhorando as instalações. O ano de 2015 dá sinais de mais avanços. Em abril, a Secretaria Municipal de Transportes de São Paulo divulgou uma primeira versão do Plano de Mobilidade de São Paulo – Modo Bicicleta, que prevê 1,5 mil quilômetros de ciclovias até 2030. O projeto contempla a ampliação da rede e criação de novas conexões, além da integração com outros meios de transporte. Também é previsto o compartilhamento de bicicletas , bicicletários e paraciclos, além da criação de programas educacionais que promovam o uso das magrelas.Estrutura cicloviária: 59 km de ciclovias = 1,7 km para cada 100 mil habitantes
Apesar das belezas cênicas óbvias e do relevo plano e litorâneo que fazem de Aracaju um lugar altamente propício ao uso das bicicletas , a realidade deixa a desejar. A começar pela tímida expansão da malha cicloviária: a capital sergipana possui, atualmente, cerca de 59 quilômetros de ciclovias, contra 10,5 km em 2003, segundo dados do estudo. Mesmo as ciclovias existentes, em sua maioria, sofrem com ausência de sinalizações, manutenção adequada, rachaduras, iluminação precária e outros problemas que colocam em risco a segurança do próprio ciclista. Há planos para concluir mais 40 km de ciclovias na cidade, dois quais, 27 km passarão pela Avenida Perimetral Oeste, importante rota local. Para garantir a segurança dos ciclistas e estimular novos adeptos das magrelas, a cidade também precisa integrar as ciclovias a outras estruturas, como estações de transporte coletivo, bicicletários, entre outros.Estrutura cicloviária: 49,36 km de ciclovias e ciclofaixas = 10,7 km para cada 100 mil habitantes
Florianópolis tem algumas características notáveis quando se fala em ciclomobilidade, e outras nem tanto. A cidade foi uma das primeiras no país a contar com uma legislação municipal prevendo instalação de ciclovias e bicicletários, além de ser uma das poucas a ter uma Comissão de Mobilidade Urbana por Bicicleta (Pró-Bici). Para avançar, a cidade precisa inaugurar seu sistema de aluguel compartilhado de bikes, que está em planejamento desde 1997 e cumprir melhor o orçamento para implantação de políticas ligadas à promoção das magrelas. Levantamento feito pela Associação dos Ciclousuários da Grande Florianópolis (ViaCiclo) mostra que a principal dificuldade enfrentada pelos ciclistas é a falta de ciclovias (51%), seguida de trânsito perigoso, excesso de carros (40%) e desrespeito dos motoristas (30%).Estrutura cicloviária: 113 km de ciclovias e ciclofaixas = 4,4 km para cada 100 mil habitantes
Fortaleza , no Ceará, é uma das capitais onde a revolução da bikes ainda dá seus passos iniciais – mas são passos de impacto. De 2010 para cá, organizações locais de cicloativismo têm se empenhado para dar maior visibilidade à bicicleta perante a sociedade civil e a gestão municipal. Uma de suas principais bandeiras é desmistificar a ideia de que não existem ciclistas na cidade. Eles existem aos montes: muitos são de trabalhadores de classes mais abaixas que pedalam suas bikes cargueiras pelas ruas da periferia e do centro, praticamente invisíveis à política de mobilidade voltada ao carro. Ciclofaixas começaram a ser implantadas em 2013, e além de recentes, seguem um bom padrão técnico. Mas ainda é preciso restaurar muitas das ciclovias mais antigas que, segundo a pesquisa, “são intransitáveis, e nenhuma segue um padrão técnico mínimo”. Em dezembro de 2014 foi implementado o sistema de bicicletas compartilhadas. São 150 bicicletas em 15 estações. Ele será expandido para 600 bicicletas em 60 estações até junho de 2015.Estrutura cicloviária: 6 km de ciclofaixas = 0,3 km para cada 100 mil habitantes
Na capital amazonense, a bicicleta é o principal meio de transporte para 2% da população, que percorre, em média 11,3 km, totalizando 27 mil viagens por dia. Os números representam uma vitória, ainda que modesta, em meio às dificuldades crescentes de mobilidade urbana na cidade. Os ciclistas disputam um espaço cada vez mais apinhado por carros e onde o transporte de massa deixa a desejar. Felizmente, alguns sinais apontam para mudanças. Conforme o estudo, “a pressão causada pelo aumento do número de ciclistas gerou um impacto positivo na gestão pública e, mesmo que timidamente, a prefeitura começou a dar respostas e apresentar soluções para quem optou pela bicicleta para seus deslocamentos, seja para ir ao trabalho, praticar esporte, curtir um passeio ou qualquer outra forma de uso desse veículo.” Uma dessas respostas foi a criação, em 2014, do plano de mobilidade de Manaus, em consonância com a Política Nacional de Mobilidade Urbana. Atualmente, mais 14 km de ciclofaixas estão em obras.Estrutura cicloviária: 30,8 km de ciclovias e ciclofaixas = 2 km para cada 100 mil habitantes
Por ser relatividade plana, a cidade de Recife sempre teve uma certa tradição de uso de bicicletas , mas isso não é reflexo de boa política e planejamento. Pelo contrário. Segundo a pesquisa, a ausência de políticas públicas integradas de transporte, trânsito e de uso e ocupação do solo podem impedir o avanço desse modas sustentável por lá. Atualmente, as bikes são um importante meio de deslocamento nas classes mais baixas, “sendo utilizada principalmente pela parcela da população de baixa renda, moradores da periferia”, que, por desconhecerem as regras de trânsito, seus direitos e deveres, acabam tornando-se vulneráveis. Felizmente, nos últimos anos, movimentos como o Massa Crítica no Recife, Bike Anjo, Cicloação Recife e Ameciclo, entre outros, têm impulsionado o diálogo em torno da bicicleta dentro do poder público e da sociedade.Veja também: Cidades descobrem que pedalar é bem lucrativo
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