Opinião: João Doria e os sete pecados de uma candidatura
Maurício Moura, presidente do instituto IDEIA, analisa os erros que o ex-governador de São Paulo cometeu na sua jornada para tentar ser candidato à Presidência
Da Redação
Publicado em 23 de maio de 2022 às 18h35.
Última atualização em 23 de maio de 2022 às 18h49.
Por Maurício Moura
A lista dos sete pecados capitais foi formalizada no século 6 pelo papa Gregório Magno, tendo como base as Epístolas de São Paulo, e foi assumida formalmente pela Igreja no século 13, com a Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino.
Em política, pecados podem ser mortais. A saída do ex-governador de São Paulo deixa uma enorme lição para o PSDB e para quem se atrever a buscar atalhos para subir o altar da Presidência brasileira. E os dados de opinião pública ampliam os pecados além dos confessionários das articulações políticas. Vamos aos pecados do, agora, ex-candidato João Doria .
O primeiro pecado foi a gula. Ao abandonar a prefeitura de São Paulo para concorrer ao governo do estado, Doria foi amplamente rejeitado pelos paulistanos(as). Sua saída foi reprovada, segundo pesquisas da época, por dois terços dos eleitores da capital. Na eleição estadual, Márcio França venceu na capital com 17 pontos percentuais à frente do tucano.
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Ficou evidente para a opinião pública que o prefeito não gostava de comandar a cidade. Como paralelo, José Serra, em 2006 (mesmo saindo da prefeitura em condições similares), venceu a eleição de governador na capital. Logo ao assumir o Palácio dos Bandeirantes, Doria já demonstrou a “gula” pela Presidência. A opinião pública não perdoou seu excesso de fome.
O segundo pecado foi a luxúria, o ex-apresentador do programa Aprendiz mostrou enorme capacidade de adaptação de comunicação. Em 2018, para se eleger governador, colou sua imagem ao então candidato Jair Bolsonaro. O BolsoDoria foi empacotado para os eleitores como símbolo da resistência bandeirante “aos corruptos do PT”. Independentemente do mérito, o afastamento do Palácio dos Bandeirantes com as políticas do planalto sepultou qualquer tipo de admiração dos eleitores bolsonaristas em relação ao governador.
A “luxúria” de ter “ido para cama” com Bolsonaro, mesmo com histórico, ideias e atitudes diferentes, cobrou seu custo de popularidade. Ainda nesse contexto, a constante ira pública contra o presidente Jair Bolsonaro (em muitos casos justa e necessária) foi o terceiro pecado. Diversos episódios já mostraram que na “suruba bolsonarista” não há janelas para traições.
O quarto pecado foi a soberba. Não faltaram pesquisas, dados e análises da inviabilidade eleitoral de sua candidatura. A relação conhecimento x rejeição sempre foi desfavorável. O tripé de problemas era de difícil (para não dizer impossível) transposição: ter uma alta rejeição pessoal (odiado por diversos espectros do eleitorado), ser paulista (o PSDB perdeu todas as eleições para presidente quando o candidato escolhido era o governador de São Paulo) e fazer parte de um governo estadual de avaliação mediana (aqui não entramos no mérito da qualidade da gestão, mas sim de percepção).
Nesse contexto também cabe o quinto pecado: a vaidade, inerente aos políticos, empresários de sucesso e apresentadores de TV (Doria junta os três papéis em uma figura somente). A potencial mescla de soberba e vaidade não permitiu a devida leitura do cenário eleitoral nacional. As eleições brasileiras em pouco se assemelham às disputas municipais/estaduais paulistas. Ganhar o Bandeirantes passa longe de ser o passaporte para o Planalto Central.
Para terminar, e ser justo com o ex-candidato do PSDB, o mesmo nunca pecou por avareza e preguiça. O esforço para vencer as prévias tucanas exigiu enorme esforço individual (e isso o Doria tem de sobra) e muito recurso (isso também tem aparentemente). Pouquíssimos personagens públicos brasileiros teriam a tenacidade de Joao Doria para vencer um pleito interno concebido, pelo próprio tucanato, para derrotá-lo. Por outro lado, se somente vontade, determinação e recursos vencessem eleições e produzissem candidatos competitivos, Michael Bloomberg teria sido eleito presidente americano em 2020.
A saída do criador do Lide não altera essencialmente o quadro presidencial desenhado para 2022, mas deveria servir de lição para o mundo político. Os pecados individuais estão destruindo potenciais projetos coletivos que descontruam a polarização eleitoral. O Brasil não é um caso isolado disso. O eleitor, cansado de debater rejeições, espera ansiosamente a chance de “amar ao próximo”.